11 de novembro de 2015

3 de novembro de 2015

História da Psiquiatria: Seminário do Período 2015.1

Relatório do Seminário - Por Milton da Silva Linhares Júnior

Seminário “História da Psiquiatria” em 26/10/15, no módulo de História da Medicina e da Bioética / Universidade Federal da Paraíba. 
Os apresentadores foram estudantes do 3o. período do curso de Medicina da UFPB: Alinne Mirlânia, Jaciara, Jennyfer, Liliane e Sayron.

Jaciara iniciou a apresentação com a introdução do tema através da história da psiquiatria na Antiguidade, mencionando que referências às doenças mentais remontam aos egípcios, mesopotâmicos, gregos, romanos e hindus, e que tais afecções eram consideradas como castigos divinos ou possessões demoníacas. Ela citou alguns tratamentos que eram dados aos doentes mentais, como rituais de magia, exorcismos, castigos físicos, destacando, ainda, por outro lado, que os gregos utilizavam também músicas, atividades recreativas e passeios para o tratamento desses enfermos. Mencionou que há também registros sobre doenças mentais na Cultura Judia, na qual estes transtornos eram tidos como castigos impostos por Javé (um dos nomes usados no Antigo Testamento para Deus). Jaciara fez menção também ao rei da Babilônia Nabucodonosor II, que enlouqueceu e foi considerado possuído por espíritos, assim como lembrou ainda que o rei dos judeus, Saul, sofreu de depressão grave e apresentava ataques de fúria, sendo tratado por David, seu sucessor, através da música. 
Jaciara salientou ainda que na Índia, o Mahabarata (um dos maiores épicos clássicos da Índia, o principal texto religioso da religião hindu) descreve vários personagens loucos, e este livro tem destaques para a lipemania (tristeza, desgosto), a mania ambiciosa, a mania homicida, a epilepsia, a histeria e a neurose obsessiva. Continuou afirmando que no Código de Hammurabi havia crenças de que eram os demônios que causavam as doenças. Também no antigo Egito consideravam-se os alienados como seres possuídos por "espíritos do mal". 
Jaciara destacou ainda o problema da histeria, termo muito utilizado pelos gregos - sendo encontrado também no papiro de Kahun, dos egípcios -, e que foi uma terminologia criada por Hipócrates, e derivada da palavra "útero", pois acreditava-se que a histeria era uma doença que acontecia apenas em mulheres. Este transtorno era atribuído à movimentação do útero pelo corpo da mulher. A apresentadora mencionou também que Hipócrates fez as principais descrições da histeria e, segundo ele, esta era uma doença típica das mulheres, nas quais o útero ficava desidratado e leve, devido à falta de relações sexuais, e acabava movimentando-se dentro do corpo, ocasionando a doença. Além disso, falou da ligação, feita por Hipócrates, de quadros mentais com o desequilíbrio dos “humores” (fleugma, sangue, bile amarela e bile negra). 
Jaciara lembrou também que Hipócrates reconheceu que a epilepsia era uma doença natural, originada no cérebro, e não uma "doença sagrada", como era vista anteriormente. Assim, nCorpus Hipocraticus (conjunto de obras atribuídas a Hipócrates), passou-se a considerar a epilepsia como uma doença cerebral, sem relação com crenças mágicas e religiosas. 
Os autores romanos que viveram depois de Hipócrates, como Galeno e Celso, consideravam que havia três tipos de doença mental: a frenite, a mania e a melancolia. Jaciara citou o médico grego Asclepíades de Bitínia, que baseou sua prática médica na teoria do atomismo de Demócrito, segundo a qual as doenças ocorriam pela movimentação irregular de corpúsculos no organismo e também acreditava que as doenças mentais eram uma consequência de alterações das paixões. 
Para concluir sua parte na apresentação do seminário, citaram-se outras grandes personalidades da Antiguidade que tiveram influência sobre o que se pensava a respeito das doenças mentais, como Galeno (refutou a ideia de que o útero se deslocaria pelo corpo, e foi o primeiro a considerar que a histeria também poderia ocorrer em homens), Aristóteles (precursor da psicologia, descrições do conteúdo da consciência, teoria da melancolia) e Sócrates (considerou os estados corporais como reflexos psicológicos).
Alinne continuou a apresentação abordando a história da psiquiatria na Idade Média e Idade Moderna. Ela salientou que a maioria das doenças nos tempos medievais tinha explicações sobrenaturais, tendo, portanto, ocorrido um retorno ao pensamento fantástico, que predominou na Antiguidade, antes de Hipócrates. Alinne mostrou uma tabela que criou para resumir os conceitos de loucura como manifestação divina, referente ao início da Idade Média, como a crença da possessão demoníaca, e ao fim do medievo, com a atribuição de bruxaria às mulheres e aos portadores de doenças mentais. Destacou que o conceito de bruxaria acarretou condenação à morte na fogueira no tribunal da Inquisição da Igreja Católica. Não apenas os supostos praticantes de bruxarias, mas também os indivíduos considerados hereges pela Igreja, foram condenados e castigados severamente neste tribunal. 
Alinne mencionou as personalidades de destaque da época, como Santo Agostinho (religioso que fez observações importantes na área da memória e da consciência, mas não pôde ultrapassar os “muros” da igreja), Alexander de Tralles (descreveu a epilepsia e diversos transtornos mentais), Constantino Africano (descreveu sintomas depressivos) e Avicena (descreveu melancolia, mania e epilepsia).
Alinne destacou que uma relevante mudança no desenvolvimento da psiquiatria na Idade Média foi o surgimento dos primeiros estabelecimentos precursores dos hospitais psiquiátricos. Em 1409, surgiu o primeiro hospício, em Valência, na Espanha. Explanou também que na Idade Moderna, houve uma expansão dos hospitais psiquiátricos, mas estes possuíam condições consideradas inaceitáveis para seres humanos, exemplificando tais condições através de uma citação direta cunhada por Etienne Esquirol (1772-1840) no século XIX: 
Eles são mais mal tratados que os criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi privados de ar para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à vida. Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância brutal destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz, acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes...”. 
Alinne terminou sua apresentação falando sobre uma figura central da Psiquiatria da Idade Moderna, Philipe Pinel, um médico francês influenciado pelas ideias do Iluminismo e pelos ideais revolucionários franceses de liberdade. Mencionou também que Pinel preconizou o tratamento moral para os doentes mentais e os desacorrentou a partir de sua nova prática médica, exercida enquanto chefiou os hospitais em Bicêtre e La Salpêtrière na França. Alinne salientou que Pinel revolucionou a história da psiquiatria com tratamentos mais racionais e humanizados. Salientou ainda que Pinnel foi autor do livro "Tratado Médico-Filosófico sobre Alienação ou a Mania", e recebeu o título de "pai da psiquiatria moderna".      
Jennyfer passou, então, a abordar a história da psiquiatria nos séculos XIX e XX. Mencionou que o século XIX "foi um grande edifício de asilos", e que o termo asilo era utilizado para estabelecimentos privados que tentavam viabilizar o cuidado de pessoas que eram consideradas um fardo para sociedade, como idosos, pessoas com deficiências físicas e doenças mentais. O termo manicômio surgiu a partir do século XIX, para designar o hospital psiquiátrico. Ela destacou também que houve uma disseminação da prática de retirar os doentes mentais do convívio social para colocá-los nos manicômios, que proliferaram para abrigar os doentes e também outras pessoas marginalizadas socialmente. 
Jennyfer continuou sua explanação mencionando personalidades importantes na história da psiquiatria do século XVIII e XIX e algumas de suas contribuições: Theodor Meynert (psiquiatra austríaco que fazia secções cerebrais, e que não acreditava em aspectos sociais das doenças mentais e nem na sua cura); Jean Martin Charcot (abordagem psicossocial da doença mental e  estudos sobre histeria): Pierre Janet (parceiro de Charcot nas hipnoses para curar os pacientes com histeria e criador do termo "neurastenia"); Benédict-Augustin Morel (criador da teoria da degeneração progressiva ou degenerescência); Richard Von Krafft (atribuiu o excesso de sexualidade como fator predisponente à doença mental); Adolf Meyer (abandonou o estudo biológico da psiquiatria em favor de estudos biopsicossociais dos pacientes); e Eugen Bleuler (cunhou o termo esquizofrenia). Em 1924, Bleuler (1857-1939) estudou sobre a chamada "demência precoce", para a qual propôs o nome esquizofrenia, e descreveu os sintomas desta doença. 
Após menção a grandes personalidades da psiquiatria nos séculos mais recentes, Jennyfer mencionou brevemente Sigmund Freud e a criação da Psicanálise. Este tópico foi desenvolvido pela moderadora do seminário, uma vez que a aluna responsável por este tópico encontrava-se de licença.
Posteriormente, Jennyfer passou a discorrer sobre a história da terapia medicamentosa em psiquiatria. Ela destacou que a psicofarmacologia moderna inicia-se no final da década de 1940, quando foram introduzidos os primeiros fármacos com a finalidade específica de tratar os transtornos psiquiátricos. Esta história começa com a clorpromazina, que proporcionou uma revolução no tratamento da esquizofrenia, permitindo que muitos pacientes deixassem os asilos onde tinham sido previamente confinado, e passassem a viver na comunidade. Jennyfer mencionou também Julius Jauregg, Paul Ehrlich e Alexander Fleming, como precursores de tratamentos medicamentosos, que embora estes não fossem psicofármacos, contribuíram significativamente na história dos medicamentos relacionados a doenças com manifestações neurológicas e psiquiátricas. No tocante a outras substâncias psicoativas, a apresentadora citou ainda a utilização de drogas como apomorfina, barbitúricos e benzodiazepínicos. Relatou o emprego de determinadas medidas terapêuticas controversas como a eletroconvulsoterapia e o choque insulínico, assim como a lobotomia, destacando, em relação a esta última, o papel do precursor, o português Egas Moniz, e do americano Walter Freeman, que difundiu e popularizou o emprego da técnica através do uso de um furador de gelo (lobotomia trans-orbital), realizada de forma indiscriminada nos anos 1930 nos Estados Unidos. Também mencionou a descoberta do papel dos neurotransmissores e os novos exames do cérebro por imagem na segunda metade do século XX
Sayron apresentou a história das reformas psiquiátricas. Iniciou referindo que os primeiros questionamentos sobre o papel da psiquiatria começaram a surgir no período pós-segunda guerra mundial, influenciados pelas experiências realizadas pelos nazistas, o ataque pela bomba atômica e outras barbáries que aconteceram até a segunda metade do século XX. Mencionou ainda que foi nesse período que surgiram o aconselhamento psicológico, os estudos fenomenológicos e o existencialismo como forma de acolher o ser humano que estava abalado, enquanto que paralelamente ocorreram as primeiras tentativas de se modificar o hospital psiquiátrico, buscando-se humanizá-lo, pois sabia-se que os maus tratos aumentavam os índices de cronificação das doenças e estavam em oposição à proposta de uma instituição de saúde e cura. Nesse sentido, Sayron listou alguns movimentos que aconteceram ao redor do planeta, entre eles: o movimento das comunidades terapêuticas na Inglaterra; a psicoterapia institucional e a psiquiatria de setor, que buscavam a recuperação da função terapêutica do hospital psiquiátrico na França; a psiquiatria comunitária nos Estados Unidos, com foco na prevenção e promoção de saúde mental; na Inglaterra também surgiu o movimento da Antipsiquiatria, que propunha a loucura como um fato social sem necessidade de tratamento; a psiquiatria democrática italiana, evento de maior ruptura, e que determinou o reconhecimento da existência da doença mental, porém com a proposta de um novo olhar sobre ela, que era mais complexo, não enxergando somente o doente mental como ser isolado. 
Sayron mencionou também as reformas que ocorreram no Brasil devido às ideias que começaram a aparecer na década de 1980, no período de redemocratização, enquanto o Brasil passava por uma série de mudanças. O apresentador afirmou ainda que em 1982 houve a criação do programa de reorientação da assistência psiquiátrica pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, e em 1987, houve a I Conferência Nacional de Saúde Mental, o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, o fim da trajetória sanitarista e movimentos a favor do fim dos manicômios. Mencionou que houve a criação do dia da luta antimanicomial, que passou a ser o dia 18 de maio, além da criação da lei da saúde mental, em 2001, e de uma série de portarias, entre elas a 189 e 224, que regularizaram os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e os Núcleos de Atenção psicossocial (Naps). 
Liliane prosseguiu a apresentação do seminário, abordando a história da psiquiatria brasileira, começando sua fala com menção aos primórdios da psiquiatria no Brasil. Mencionou a criação do hospício Pedro II em 1852 como um marco importante. Referiu também que os doentes mentais eram cuidados por curandeiros e religiosos até o século XVIII, com exceção dos mais ricos, que eram trancafiados dentro de suas casas ou enviados para a Europa para se tratarem. Segundo ela, antes da criação do Hospital Pedro II, havia as Santas Casas de Misericórdia, desprovidas de atenção médica e de higiene. Sobre o Hospital Pedro II, Liliane afirmou que foi criado de acordo com o modelo asilar francês e que tinha o intuito de abrigar os doentes mentais e oferecer tratamento, mas possuindo também o caráter de consolidar uma política civilizatória e ordenada no Brasil para se equiparar às potências ocidentais. Mencionou que a administração desse hospício foi feita pela Santa Casa de Misericórdia até 1890 com atuação muito forte de religiosos, o que mostra que a psiquiatria no Brasil enquanto política de assistência precedeu a psiquiatria como saber médico especializado. Liliane mencionou a fase de "medicalização" da loucura, a incorporação de colônias agrícolas na rede de assistência, a criação da lei de assistência aos alienados em 1903, a instituição da psiquiatria como posição central dentro dos hospícios, e a criação de vários hospícios públicos em outros estados, citando o exemplo da Paraíba, na qual houve criação do Asilo Santa Ana, em João Pessoa. Mencionou que os pacientes psiquiátricos passaram a ter o trabalho como tratamento terapêutico para estimular o cérebro e reduzir as manifestações delirantes. 
Sobre o início do processo de institucionalização da psiquiatria, a aluna disse que em 1881 houve a reforma no ensino, que levou à criação da cátedra de clínica psiquiátrica e de moléstias mentais, e da qual Teixeira Brandão foi o primeiro psiquiatra responsável. Lembrou também que em 1907 houve a criação da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, propiciando um campo para debates de casos clínicos, diagnósticos e reunião de médicos interessados na psiquiatria. 
Liliane falou também sobre o famoso psiquiatra baiano Juliano Moreira, que foi diretor do Hospício Nacional de Alienados entre 1903 e 1930, tendo sido também fundador, juntamente com Afrânio Peixoto, da Revista Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins em 1905, e foi quem introduziu o modelo teórico e assistencial baseado na psiquiatria alemã.  
Entre 1920 e 1930, Liliane citou os seguintes acontecimentos marcantes na psiquiatria: disseminação do ideário psiquiátrico preventivista e a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental, criada por Gustavo Riedel, e baseada em conceitos de eugenia, hereditariedade e de críticas às condições sociais. Nas décadas de 1940 e 1950, disse que houve uma expansão dos hospitais públicos, principalmente a criação de hospitais estaduais, assim como a introdução de instrumentos de tratamento como o choque cardiazólico, a psicocirurgia, a insulinoterapia e a eletroconvulsoterapia, utilizando a imagem das esculturas de Lúcio Noeman para ilustrar esta fase da história da psiquiatria no Brasil. 
A respeito das décadas de 1960 e 1970, Liliane destacou as raízes da reforma psiquiátrica brasileira, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, o que acarretou o crescimento dos hospitais particulares em detrimento dos públicos, assim como a realização do I Congresso Brasileiro de Psiquiatria, e que houve forte influência da psiquiatria preventivista. Encerrou a apresentação, afirmando que, nesse período, houve muitas críticas ao governo federal por causa da política privatista, fraudes e muitas denúncias contra maus tratos, abandonos e violências nos hospitais psiquiátricos, mas que a partir da década de 1980 tomou forma a Reforma Psiquiátrica.

Após a apresentação, houve a demonstração de obras de arte escolhidas pelos alunos e relacionadas com a temática da história da psiquiatria.
Jaciara escolheu a obra “Os jardins do Asilo de Arles”, de Vincent Van Gogh - 1888.

Aline mostrou a obra “Philippe Pinel à la Salpetriere”, de Tony Robert-Fleury, 1876:

 Jennyfer trouxe a obra “The Rake’s progress”, de William Hogarth, 1735:

Sayron destacou o trabalho “O ateliê segundo Emygdio”, do Ateliê de pintura da psiquiatra brasileira Nise da Silveira:

Por fim, Liliane apresentou um trecho da obra “O Cemitério dos Vivos”, do escritor Lima Barreto:

As referências apresentadas ao final do seminário foram as seguintes: