DEVOLUTIVA – UNIDADE I
Apresento uma devolutiva aos meus alunos do Módulo de
Diversidade Étnica e Cultural na Medicina, do segundo período da graduação em medicina da Universidade Federal da Medicina (UFPB). Esta atividade foi realizada em grupos e empregada com finalidades avaliativas somativas e formativas. As temáticas foram as seguintes: Introdução ao Estudo da Diversidade Étnica e Cultural na Medicina; Competência Cultural e Diversidade na Saúde; Diversidade Humana e Subjetividade na Saúde; Igualdade, Equidade, Inclusão e Interseccionalidade de Minorias na Saúde; e Diversidade e Saúde Mental.
A presente devolutiva foi projetada para fornecer um feedback a partir do nível de
compreensão e desenvolvimento da atividade colaborativa de aprendizagem em quatro grupos de nossos alunos. Isso ajudará a planejar a próxima unidade e analisar o alcance dos objetivos de aprendizagem.
Uma atividade de avaliação formativa monitora e
orienta o aprendizado do aluno ao longo de um módulo. É diferente da avaliação
somativa, que avalia a aprendizagem em um determinado momento e geralmente é atribuída
uma nota, que foi alta nos quatro grupos. O uso de uma avaliação
formativa pode fornecer muitas informações sobre o que está e o que não está
fazendo sentido para os alunos. Também ajuda os alunos a avaliar onde estão no que se refere ao desenvolvimento de habilidades e competências no módulo e a tomar decisões sobre o que trabalhar e estudar com mais cuidado.
Esta avaliação foi baseada em atividade colaborativa de
aprendizagem em quatro grupos de alunos do módulo, seguindo metodologia da
problematização, a partir da análise de um a situação-problema para cada grupo.
Em seguida, apresento os enunciados e devolutivas para cada
grupo.
Grupo 1 - ENUNCIADO
Pedro Farias, um paciente negro de 32 anos,
desempregado, considerado um “passageiro habitual” do hospital (termo usado
para descrever aqueles pacientes que continuam vindo ao hospital pelo mesmo
motivo, muitas vezes sendo considerados como usuários de drogas) por médicos
do pronto-socorro. Cada vez que Pedro vinha reclamando de dores de cabeça
extremas, recebia medicação para a dor e o mandavam para casa. Nesta última
internação, ele foi internado na UTI, onde a médica Isadora havia acabado de
começar a trabalhar. Quando ela o ouviu descrito como um “passageiro
habitual”, perguntou a um colega por que ele era denominado assim. Foi-lhe
dito: “Ele não tem nada melhor para fazer; não sei por que ele acha que
podemos suprir sua dependência de morfina”. Embora a intuição da Dra. Isadora
lhe indicasse que algo mais podia estar acontecendo com aquele paciente, ela
observou suas tatuagens, seu comportamento rude e pensou que os colegas
tinham razão. Ela encaminhou o paciente para fazer uma tomografia
computadorizada do crânio no andar de cima do hospital, já que o protocolo
para cefaleia aguda grave preconizava a realização desse exame. Enquanto era
conduzido pela enfermeira e o maqueiro para o setor de radiologia, Pedro
sofreu uma herniação cerebral por aumento súbito da pressão intracraniana e
morreu. Na necrópsia, descobriu-se que ele tinha uma forma rara de meningite
e realmente sofria de fortes dores de cabeça.
Aos alunos do Grupo de Trabalho: Analisar a
situação-problema apresentada, de acordo com a metodologia da
problematização, seguindo os passos do Arco de Maguerez (adaptado).
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Estigma é mais que estereótipo negativo. Estigma e estereótipo
são frequentemente usados para descrever comportamentos
negativos na sociedade que são
direcionados a grupos específicos de pessoas. O dicionário Oxford define
estigma como “uma marca de desgraça associada a uma circunstância, qualidade ou
pessoa específica”, enquanto um estereótipo é definido como “uma imagem ou
ideia amplamente aceita, mas fixa e simplificada, de um tipo específico de
pessoa”. Os alunos do Grupo 1 realizaram uma análise abrangente e bem
fundamentada da situação-problema apresentada, mas não desenvolveram o conceito
de vulnerabilidade, destacado entre os Pontos Chave pelo grupo. Também faltou
representar estigma como uma “marca” extremamente negativa para os alvos da
discriminação.
Embora as duas definições pareçam semelhantes, e são, existem
algumas diferenças marcantes entre as duas. Um estigma é sempre negativo e se
desenvolve por causa de um estereótipo. Os estereótipos, embora muitas vezes
errados ou parcialmente errados, nem sempre são negativos. Estigma é quando
alguém o vê de uma forma negativa porque você tem uma característica ou traço
pessoal que se acredita ser, ou na verdade é, uma desvantagem (um estereótipo
negativo).
Embora os profissionais médicos se esforcem pelo tratamento
igual de todos os pacientes, as disparidades nos cuidados de saúde são altamente
prevalentes. Os estereótipos culturais podem não ser conscientemente
endossados, mas sua mera existência influencia como as informações sobre um
indivíduo são processadas e leva a vieses não intencionais na tomada de
decisões, o chamado “viés implícito”. Toda a sociedade é suscetível a esses
preconceitos, inclusive os médicos. O uso de drogas é vivenciado como barreira
em todas as etapas do atendimento hospitalar. Intervenções para diminuir o
estigma e melhorar nossa consistência e abordagem no manejo do doente com dor
aguda no pronto-socorro são necessárias para melhorar a qualidade do
atendimento e as experiências de cuidado daqueles que podem ou não estar usando
drogas.
Pedro foi alvo de estereotipagem e estigmatização, ao ser
rotulado como um toxicodependente em suas admissões anteriores no hospital. Se
ele não tivesse sofrido estigmatização, que permeou o raciocínio clínico da
médica assistente da ala de terapia intensiva, onde ele se encontrava, talvez
sua vida pudesse ter sido salva. Esse caso deve ter deixado uma forte impressão
em Isadora, a referida médica, que pode ter aprendido a lição de que nunca mais
deveria julgar um paciente por sua aparência e confiar mais em sua intuição e
olho clínico, não descartando a possibilidade de uma doença grave e aguda no
paciente, nem se deixar influenciar pelos outros com base em estereótipos
altamente negativos e estigmatização, diante de um doente que ala sequer
conhecia.
Embora
os avanços científicos nas últimas décadas tenham mostrado que o vício em
drogas é uma doença crônica, a visão de que é uma “falha moral” permanece
predominante e o estigma associado é persistente. Muitos pacientes sofrem
consequências negativas significativas como resultado de preconceito e
ignorância. Em muitos desses casos, estar em tratamento foi por si só a base
para uma resposta discriminatória. Embora suposições como essas possam não ser
diretamente mal-intencionadas, elas podem ter sérias consequências. Na prática
médica, essas crenças e estereótipos inconscientes influenciam a tomada de
decisão médica
O
fato de grande parte do comportamento associado à doença da adicção ser
criminalizado muda o cenário tanto para médicos quanto para pacientes no que
diz respeito à forma como é tratado. Os profissionais de saúde – mesmo os
bem-intencionados – que não reconhecem que o estigma pode ter consequências
catastróficas para os pacientes que buscam ajuda no serviço de saúde, não estão
atendendo aos melhores interesses de seu paciente ou aderindo ao princípio de
“primeiro, não cause danos”.
a
contribuição do viés implícito para as disparidades nos cuidados de saúde
poderia diminuir se todos os médicos reconhecessem sua suscetibilidade a ele e
praticassem deliberadamente a tomada de perspectiva e a individuação ao prestar
cuidados ao paciente. Metade dos médicos brancos acredita que mitos como os negros
têm pele mais grossa ou terminações nervosas menos sensíveis do que os brancos.
Um especialista analisa como noções falsas e preconceitos ocultos alimentam o
tratamento inadequado da dor das minorias.
A
iniciativa educacional destacou a importância de usar terminologia e linguagem
apropriadas ao escrever ou retratar indivíduos com transtornos por uso de
substâncias ou indivíduos que estão em recuperação. Esta abordagem ajudou
a promover uma apresentação realista da questão, livre de conotações
tendenciosas e discriminatórias.
Soluções
que podem ser apontadas para combater o estigma nos serviços de saúde são conduzir
a análise das atitudes da equipe em relação a questões de saúde relacionadas a
drogas nos serviços de saúde, além de realizar treinamento anti-estigma para as
equipes de saúde.
Grupo
2 - ENUNCIADO
O relato em
primeira pessoa, a seguir, é de uma estudante de medicina que está em
treinamento em serviço em um hospital universitário.
Eu sou estudante de medicina doo internato e estou passando pelo rodício
de Pediatria no hospital universitário (HU). Durante uma consulta de
pediatria no HU, eu estava acompanhando a preceptora e a residente e
aprendendo a realizar um exame físico de um recém-nascido. Enquanto seguia os
pediatras até o quarto do paciente, notei que a mãe do bebê, uma mulher de 30
anos, estava sentada ao lado do berço conversando com o marido. A preceptora
começou a explicar o que é importante observar em um bebê, o que procurar no
exame físico, e passou a me fazer perguntas sobre as causas de pneumonia e
meningite no período neonatal. Enquanto conversávamos, a mãe do paciente veio
até o berço. Em uma tentativa de acolhê-la em nossa conversa, eu disse “olá”
e comecei a parabenizá-la por seu lindo filho. Assim que terminei a frase, a
mãe disse “obrigada”, mas notei que ela franziu a testa e seu comportamento
mudou um pouco – ela parou de sorrir e parecia nervosa. Perguntei-me o que
havia feito de errado, mas logo percebi que essa família era de origem
indígena, e minhas palavras complementares destinadas a ganhar a confiança da
mãe acabaram lhe causando angústia. Lembrando-me do que aprendi sobre a
cultura indígena do “mau-olhado” e ergui o braço
direito com a mão fechada, movendo-a até a altura da testa do recém-nascido e
com a boca entreaberta sugeri que estava pronunciando algo, então e olhei para a
mãe. A mudança na expressão dele foi drástica –sorriu para mim e acenou com a
cabeça. Ela não disse nada, mas seu sorriso e aceno de cabeça tacitamente
comunicaram sua gratidão por evitar o “quebranto” para seu bebê. Aprendi isso
na disciplina de Diversidade Étnica e Cultural na Medicina no P3. A esta
altura da minha comunicação com a mãe, a preceptora e a residente já tinham
se afastado do berço, mas a funcionária administrativa do setor de
neonatologia me olhou de forma assombrada... Aos alunos do Grupo de Trabalho: Analisar a situação-problema apresentada, de acordo com a metodologia da problematização, seguindo os passos do Arco de Maguerez (adaptado), interpretando com base no estudo do processo de desenvolvimento da competência cultural.
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A análise feita pelo grupo foi muito boa, atendendo às expectativas de
resposta e colocada no escopo da teoria da competência cultural, incluindo a menção
à humildade cultural com sua conceituação. Contudo, na fase de teorização, dois
pontos chave não foram desenvolvidos: “entendimentos distintos do processo
saúde-doença” e “comunicação inadequada”.
Durante este período desafiador como é o internato médico, enquanto o
estudante de medicina está aprendendo a se tornar um médico na prática, muitas
vezes é fácil se concentrar no estudo de doenças e abordar um paciente com a
perspectiva de ter que descobrir o que está errado com ele e como corrigi-lo. Mas
o estudante de medicina não pode apenas se preocupar em lembrar de listas de
doenças, suas múltiplas causas, apresentações, diagnósticos, tratamentos,
efeitos colaterais de tratamentos e muito mais. O que os estudantes de medicina
e médicos muitas vezes esquecem é que a estrutura de crenças de um paciente e
de sua família pode ser uma parte muito importante de sua vida e, a menos que
esse aspecto seja respeitado, eles não formarão uma relação de confiança com a
equipe de saúde para ajudar a resolver o mistério de sua própria condição de
saúde-doença. Portanto, o conhecimento da cultura é uma ferramenta essencial
que deve ser compreendida e lembrada ao lado da anatomia, patologia,
fisiopatologia e semiologia médicas.
O estudante de medicina precisa
saber identificar considerações multiculturais do cuidado em saúde. O cuidado de uma criança recém-nascida
no entorno de pacientes que fazem parte de grupos culturalmente diversos está
permeado por crenças, mitos e costumes resultantes da tradição cultural de uma
família. Esse momento contém um leque de crenças compartilhadas por pessoas que
integram diferentes grupos, sobretudo em comunidades tradicionais com a
indígena. Portanto, é preciso que os médicos se apropriem do conhecimento intercultural
para promover o cuidado que as pessoas necessitam e compreendem, mesmo se isso
envolve rituais e aspectos mágico-religiosos.
A cosmovisão acerca dos aspectos simbólicos, como fórmulas de rezas e
sinais gestuais, é concebido no meio popular como “mau-olhado”, e remontam a
uma tradição oral de tempos remotos, em que as pessoas recorrem a rezadeiras e
rezadores, investidos de uma memória cultural arquetípica. O fenômeno chamado
de “mau-olhado” ocupa a centralidade das práticas de muitas práticas de saúde
na população.
Grupo 3 - ENUNCIADO
O relato em
terceira pessoa, a seguir, é de uma mulher em tratamento de toxicodependência
em tratamento de substituição com Suboxone, que procura um pronto-socorro por
causa de dor intensa no quadril.
Fátima tem 55 anos e vive em Guarabira, é viúva, seu
parceiro de longa data morreu recentemente, e agora está morando sozinha.
Quando Fátima era mais jovem ela costumava tomar uma bebida depois do
trabalho e usar Cannabis sativa, "mas não em excesso". Seu companheiro
passou a usar heroína e Fátima também começou a usar essa droga nos últimos
anos, e está agora no programa de tratamento de substituição de uso de
narcóticos. Ela contraiu hepatite C há 25 anos pelo uso da droga. Seu
companheiro morreu de cirrose por hepatite C há um ano. No momento, Fátima
está em tratamento com Suboxone, para sua toxicodependência de heroína e de morfina,
sendo acompanhada por um psiquiatra, e sente que está indo bem.
Ontem, Fátima acordou às 22h30 com uma dor intensa em
queimação no quadril. Ela tentou aliviar a dor com compressas quentes e
frias. Por volta da 1h da manhã, embora sempre fizesse o possível para não ir
ao hospital, Fátima ficou preocupada com a possibilidade de que algo grave
estive acontecendo com o quadril e que ficasse sem andar, então decidiu ir ao
hospital geral da cidade. Ao chegar à emergência, ela descreveu seus sintomas
para a enfermeira da triagem, onde se iniciou o procedimento habitual de
atendimento com perguntas sobre uso de medicamentos. Nesse momento, a
enfermeira parou, olhou para Fátima, mudou de tom e disse: “Ah, você está
usando Suboxone? E tem hepatite C? Tudo bem, então, não diga mais nada”, aludindo
à busca de alívio da dor na emergência, sugerindo que Fátima era apenas uma
drogadita procurando opioides. Mas ela tinha seu suprimento de Suboxone para
uma semana e mais uma caixa trancada no seu armário. Ela não estava
procurando alívio ou drogas; ela queria ver um médico para descobrir o que
havia de errado com ela. Sentindo-se julgada, Fátima se virou e saiu do
pronto-socorro, com dor, raiva e imaginando o que seria necessário para ver
um médico e ser tratada como uma paciente “normal”. “Só aquele olhar” foi o suficiente
para ela ir embora porque podia ver que seria uma perda de tempo, e que ela
não seria levada a sério.
Fátima ainda estava com fortes dores na manhã seguinte
e chegou à unidade básica de saúde cedo, conseguindo ver seu médico
imediatamente, que diagnosticou o problema como herpes zoster. O clínico
geral prescreveu-lhe uma receita para herpes, e ela perguntou se esta nova
medicação podia ser usada com o Suboxone. Era uma conversa que ela não queria
ter depois com o farmacêutico local, mesmo sabendo que este iria perguntar se
ela estava em uso de outro medicamento ao dispensar esta nova prescrição. Por
causa dos olhares que ela recebia quando dizia às pessoas que estava em uso
de Suboxone, Fátima muitas vezes evitava contar sobre o uso crônico desse
medicamento. Ela estava se sentindo doente, só e com vergonha. Aos alunos do Grupo de Trabalho: Analisar a situação-problema apresentada, de acordo com a metodologia da problematização, seguindo os passos do Arco de Maguerez (adaptado).
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A análise da situação-problema
feita pelo grupo 4 atendeu às expectativas de respostas, com seleção de pontos
chave essenciais e coerentes com a questão proposta. Entretanto dois pontos
chave pontuados não foram desenvolvidos: “incompetência cultural” e “vulnerabilidade”.
Ficou evidente o entendimento
da questão do estigma em torno da saúde mental que torna difícil para muitos pacientes
procurarem atendimento profissional em saúde quando precisam, correndo o risco
de serem envergonhadas ou julgadas com base em sua condição.
Esse estigma é reforçado
pelo estereótipo de que as pessoas com doença mental são hostis ou
incompetentes, embora esse não seja o caso. Estigma refere-se a atitudes extremamente
negativas (preconceito) e comportamento igualmente negativo (discriminação) em
relação a pessoas usuárias e drogas e problemas de saúde mental.
O estigma inclui ter ideias
e julgamentos fixos – como pensar que pessoas com uso de drogas e problemas de saúde
mental não são normais ou não são como nós; que causaram seus próprios
problemas; ou que eles podem simplesmente superar seus problemas se quiserem
temer e evitar o que não
entendemos – como excluir pessoas com uso de drogas e problemas de saúde mental
de partes habituais da vida e de direitos ao atendimento médico de qualidade.
O conceito de subjetividade desempenha um papel fundamental
neste caso. Ao expor brevemente a necessidade de uma compreensão mais
profunda da saúde mental, que vai além de uma dimensão biológica, destaca-se a dimensão subjetiva de
complexos processos de mudança e as respostas individuais e coletivas. Aproximar-se
do conceito de subjetividade pode oferecer os meios para compreender melhor as
diferentes formas de sofrimento como resultado de subjetividades socialmente
produzidas. Essas subjetividades em todas as suas contradições, pode ter
consequências diretas para o reconhecimento dado às necessidades de pessoas com
problemas de saúde mental.
Grupo 4 - ENUNCIADO
O relato em
terceira pessoa, a seguir, é de uma mulher jovem com diagnóstico de depressão e
ansiedade generalizada em tratamento eficaz, que tem restrições de atendimento
pelo dentista diante de uma cirurgia odontológica.
Joana tem 28 anos, atendente de telemarketing, vai ao
dentista para uma consulta por dor de dente. Ela tem diagnóstico de
depressão, ataques de pânico e ansiedade generalizada de longo prazo, em uso
de antidepressivo e terapia cognitivo-comportamental. Joana se sente bem
ultimamente e a terapia está sendo eficaz. Ela teve licença por causa de seu
quadro psíquico há um ano, mas se sente controlada e voltou a trabalhar
normalmente.
O dentista afirma que ela precisará realizar uma
cirurgia no terceiro molar no seu tratamento. O dentista lhe diz que acha que
ela não está mais preparada para tratá-la por causa de sua condição de
“portadora de doença mental”. O dentista justificou essa decisão afirmando
que ela poderia ter um ataque de pânico durante o procedimento e ele não
estava seguro de realizar a cirurgia. Aos alunos do Grupo de Trabalho: Analisar a situação-problema apresentada, de acordo com a metodologia da problematização, seguindo os passos do Arco de Maguerez (adaptado).
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O grupo 4 desenvolveu uma
análise consistente e acurada da situação-problema proposta, incluindo a
questão da interseccionalidade (gênero; problema de saúde mental). Todavia, a
interseccionalidade não produz uma soma de disparidades na saúde, mas as multiplica,
o que é muito pior. Por outro lado, chamo atenção para a distinção entre os
conceitos de empatia e alteridade, que foram empregados como se fossem
sinônimos. No entanto, na alteridade, uma pessoa reconhece alguém como outro indivíduo
diferente dela, enquanto na empatia, uma pessoa reconhece o outro diferente dela,
mas também compartilha seu afeto, coloca-se na perspectiva do outro para
entender seus pensamentos ou sentimentos. "A relação Eu-Outro" é uma
relação "reflexiva" entre "individualidade" e
"alteridade" (alter – outro). A empatia é uma forma de projeção que pode
não apreender verdadeiramente a alteridade do outro, podendo ser distorcida por
preconceitos. Mas no componente cognitivo da empatia, a tomada de perspectiva do
outro pode reduzir preconceitos e inibir estereótipos e preconceitos
inconscientes. A empatia do médico afeta positivamente a satisfação do paciente,
percepções de autoeficácia de controle, sofrimento emocional, adesão e
resultados de saúde.
Na situação-problema posta ao Grupo 4, o
dentista recusa a realização do atendimento odontológico de Marta devido ao
possível comportamento ansioso e de
ataques de pânico que sugerem seus antecedentes pessoais patológicos na sua
visão. Essa atitude sugere discriminação decorrente do estigma da doença
mental. Se o dentista não puder justificar apropriadamente essa decisão e
recusa em realizar a cirurgia dentária de Marta, tratando a paciente dessa
maneira sem um motivo racional, ou seja, se não demonstrar que foi uma atitude apropriada
e necessária na referida circunstância, essa conduta do profissional pode ser
considerada como discriminatória. O estigma muitas vezes vem da falta de
compreensão ou medo. Os
julgamentos dos outros quase sempre decorrem de uma falta de compreensão e não
de informações baseadas em fatos.
A estigmatização ainda existe dentro da própria
comunidade médica. O estigma associado à saúde mental engloba discriminação e
exclusão de pacientes psiquiátricos e dificulta suas oportunidades de ter uma
vida mais produtiva e satisfatória. Além disso, o estigma também existe entre
os profissionais de saúde e, portanto, dificulta a oferta de tratamento e
cuidados.
Qualquer grau de incerteza
que um profissional de saúde possa ter em relação à condição de um paciente pode
contribuir para as disparidades no tratamento. O profissional depende de
inferências com base no que podem ver sobre o problema que traz o paciente e no
que mais observa sobre o paciente (por exemplo, antecedente de doença mental). Ele
pode, portanto, agir com base em suas crenças anteriores sobre a probabilidade
das condições dos pacientes, “prévios” que serão diferentes de acordo com idade,
sexo, status socioeconômico e raça ou etnia. Quando esses antecedentes são
considerados juntamente com as informações coletadas em um encontro clínico,
ambos influenciam a decisão médica.
Além disso, os profissionais
de saúde têm a obrigação de respeitar as normas éticas da sua profissão.
Imagem: Progress in Mind: world-mental-health-day-2020