29 de setembro de 2013

Calafrios da Febre Puerperal na Literatura de Ficção

GERRITSEN, Tess. O Jardim de Ossos. Tradução de Alexandre Raposo. Rio de Janeiro: Record, 2009.




Sinais e Sintomas na Literatura de ficção em prosa.
Citação direta do texto, que descreve calafrios em paciente com febre puerperal.
“(…) estamos vivendo uma epidemia em nossa enfermaria, e temo que haja mais casos em curso. Portanto, dedicaremos o programa desta manhã ao assunto da febre puerperal, também conhecida como febre do parto. Ataca a mulher no auge de sua juventude, precisamente quando tem muito pelo que viver. Embora a criança tenha nascido em segurança, até mesmo com vigor, a nova mãe ainda enfrenta o perigo. A doença pode se manifestar durante o trabalho de parto ou os sintomas podem se desenvolver após horas ou mesmo dias após o parto. Primeiro, a vítima sente frio, às vezes tão violento que seu tremor chega a chacoalhar a cama. Segue-se uma febre inevitável, que faz a pele ficar vermelha e o coração acelerar. Mas o verdadeiro tormento é a dor. Começa na pélvis e aumenta com excruciante sensibilidade à medida que o abdome incha. O menor toque, até mesmo uma leve carícia na pele, pode provocar gritos de agonia. São comuns as descargas de sangue malcheiroso. As roupas, os lençóis, às vezes a própria enfermaria fedem pungentemente. Vocês não imaginam o sofrimento mortificante de uma mulher, acostumada à mais escrupulosa higiene, ao verificar que seu corpo está cheirando de modo tão repulsivo. Mas o pior ainda está por vir.(…) O pulso acelera (…). Uma névoa confunde a mente, e a paciente às vezes não sabe que dia ou que horas são. Às vezes murmura de modo incoerente.”
“O Jardim de Ossos” – Tess Gerritsen

23 de setembro de 2013

Imagem Semiológica: Hérnia Lombar de Grynfeltt


Paciente de 84 anos de idade, sexo masculino, sem história de trauma ou cirurgia anterior, apresenta uma massa protuberante no lado esquerdo da face posterior do tórax, na região infraescapular. O paciente relatou que a massa cresceu de forma progressiva por 50 anos, sem sintomas associados. O exame físico revelou uma massa de consistência mole e não dolorosa abaixo da 12ª costela esquerda (Foto - Painel A). 
A massa era redutível com a compressão manual, mas se projetava quando o paciente tossia (vídeo disponível em http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMicm1213254). A tomografia computadorizada do abdome demonstrou herniação do cólon descendente através do triângulo lombar superior (Foto, Painel B, seta). Este espaço também é conhecido como triângulo de Grynfeltt-Lesshaft, pois foi o cirurgião francês Joseph Grynfeltt (1840-1913) quem o descreveu em 1866, sendo também descrito de forma independente, alguns anos depois, pelo médico russo Peter Lesshaft (1836-1909). 

Referência: TSUNG-JUNG, L.; CHUNG-YU, T. Grynfeltt Hernia. N Engl J Med, 369:e14, 2003.

19 de setembro de 2013

Dores Orofaciais Crônicas

Por Álvaro Luiz Vieira Lubambo de Brito
Médico Recém-Graduado pela UFPB

Resumo
As síndromes de dor orofacial são condições dolorosas que envolvem a cabeça, a face, o pescoço e as estruturas da cavidade oral, e muitas vezes representam um dilema para os médicos. "Dor orofacial crônica" é um termo genérico usado para descrever síndromes dolorosas regionais com um padrão crônico e incessante, que exigem abordagens de diagnóstico adaptados individualmente. São classificadas em dores músculo-esqueléticas, neuropática e neurovascular. Existem mais de 300 causas de dor nesse segmento, e, muitas vezes, há mais de um diagnóstico no mesmo doente. A dor dentária e a dor musculoesquelética mastigatória geralmente sobrepõem-se a outros diagnósticos, como dores de caráter neuropático (neuralgia trigeminal, síndrome da ardência bucal, odontalgia atípica, dor facial atípica etc.) e cefaleias primárias.

Palavras-Chave: Dor. Dor Facial. Sinais e Sintomas.

Dor orofacial crônica é um termo genérico usado para descrever síndromes dolorosas regionais com um padrão crônico, incessante. Este é um termo de conveniência, similar a dores de cabeça crônica diária, mas é de importância clínica questionável: síndromes que compõem a categoria de dor orofacial crônica exigem abordagens de diagnóstico adaptados individualmente (BENOLIEL; SHARAV, 2010). Muitas vezes, estas síndromes de dor orofacial representam um dilema para os médicos. 
Este tipo de dor compreende um grupo heterogêneo de doenças que causam dor contínua na região da cabeça e face. Embora existam muitas taxonomias propostas, um sistema divide estas dores em dores músculo-esqueléticas, neuropática e neurovascular. Dores psicogênicas compreendem ainda uma outra categoria, mas são estudadas à parte, associadas com esquizofrenia ou transtornos de conversão (GANZBERG, 2010).
Definida como uma condição dolorosa que envolve a cabeça, a face, o pescoço e as estruturas da cavidade oral, a dor orofacial tem se mostrado comum na população brasileira, mas há uma carência de estudos epidemiológicos no país  que tenham investigado a prevalência e a incidência da dor orofacial. Os dados norte-americanos indicam que a prevalência é de 22%. 
Há grande heterogeneidade nas síndromes de dor orofacial, em parte, porque é rica inervação presente na cabeça, face e pescoço, tornando o estudo da dor orofacial geralmente complexo. Muitas vezes, é difícil chegar ao diagnóstico preciso (CONTI et al., 2003; EPKER et al., 1999; FERREIRA et al., 2009). O diagnóstico depende, além do exame clínico, de exames complementares. 
Entre suas causas, as mais comuns são as dento-alveolares, seguidas das disfunções temporomandibulares. Contudo, existem mais de 300 causas de dor nesse segmento, e, muitas vezes, há mais de um diagnóstico no mesmo doente. A dor dentária e a dor musculoesquelética mastigatória geralmente sobrepõem-se a outros diagnósticos, como dores de caráter neuropático (neuralgia trigeminal, síndrome da ardência bucal, odontalgia atípica, dor facial atípica etc.), cefaleias primárias (SIQUEIRA, 2011).
A sensação de dor que ocorre em todas estruturas intra-orais ou extra-orais são mediadas pelo Sistema Trigeminal (ST) que leva os sinais dolorosos ao Sistema Nervoso Central (SNC). O ST é uma complexa rede de fibras nervosas, interneurônios e conexões sinápticas que processa concomitantemente informações das três divisões do nervo trigêmeo (CONTI et al., 2003).
A dor musculoesquelética é de caráter profundo, constante, além de muito incômoda e tipicamente associada com uma sensação de aperto e pressão. Ocasionalmente pode ocorrer com grande intensidade e piorar com o uso das estruturas envolvidas (é uma dor que pode ser provocada) (CONTI et al., 2003; EPKER et al., 1999; FERREIRA et al., 2009). Em geral, a dor musculoesquelética torna o humor do paciente depressivo e de retirá-lo de diversas atividade que anteriormente eram consideradas prazerosas (FERREIRA et al., 2009). As patologias mais envolvidas na dor orofacial de origem musculoesquelética é a desordem temporomandibular (alterações da mecânica têmporo mandibular) e as dores miofaciais (com gatilhos localizados que geram dor) (CONTI et al., 2003; EPKER et al., 1999).
A dor neuropática é uma das mais desafiadoras e complexas condições relacionadas a dor, por ser resultante do dano de uma ou mais componentes do sistema nervoso periférico, central ou autonômico (CONTI et al., 2003; TEIXEIRA, 2003). A dor neuropática não necessita de um estímulo nocivo em contraste a dor de origem somática. As características clínicas são representadas por uma dor sem a presença de estímulo deflagrador (alodinea), um aumento da dor ou propagação da mesma se houver um estímulo álgico (hiperalgesia), a dor costuma ser em queimação e irresponsiva ao analgésicos comuns (CONTI et al., 2003; FERREIRA et al., 2009).
A dor orofacial tem recebido cada vez mais atenção, por ser comum na população, sendo superada em frequência apenas depois das lombalgias e das cefaleias. É importante ressalvar que a dor orofacial tem um caráter multidisciplinar, assim como as outras dores crônicas, e pode envolver, além da odontologia, áreas como a otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria, psicologia, oftalmologia, fonoaudiologia, fisioterapia.

Referências
BENOLIEL, R.; SHARAV, Y. Chronic orofacial pain. Curr Pain Headache Rep. 14(1):33-40, 2010.
CONTI, P. C. R.; PERTHES, S. A.; HEIR, G. M. et al. Orofacial pain: basic mechanisms and implication for successful management. J. Appl. Oral Sci.,  Bauru,  11 (1): 1-7,  2003.
EPKER, J.; GATCHEL, R. J.; ELLIS III, E. A model for predicting chronic TMD: a practical application in clinical settings. J Am Dent Assoc 130(10):1470-5, 1999.
FERREIRA, K. D. M.; GUIMARÃES, J. P.; BATISTA, G. H. P. et al. Fatores psicológicos relacionados  à sintomatologia crônica das desordens temporomandibulares: Revisão de literatura. RFO, São Paulo. 14 (3): 262-267, 2009.
GANZBERG, S. Pain Management Part II: Pharmacologic Management of Chronic Orofacial Pain. Anesth Prog. 57(3): 114–119, 2010.
SIQUEIRA, S. D. T. Dor orofacial. 2011. Disponível em: http://www.dor.org.br/profissionais/pdf/RevistaDorEmDestaque_7_%5BAS%5D2.pdf. Aceeo em: 19 set. 2013.
TEIXEIRA, MJ. Dor: Manual para o clínico. São Paulo: Atheneu; 2006. 562 p.


14 de setembro de 2013

Síndrome de Koenig

A síndrome de Koenig, ou "tumor-fantasma", é caracterizada por crises de dor abdominal em cólica cuja intensidade aumenta em poucos minutos e desaparece também rapidamente, e muitas vezes de forma ruidosa. Estas crises são acompanhadas por ondas peristálticas limitadas a um segmento do intestino delgado (geralmente visíveis na região do mesogástrio) que, em geral, repetem-se algum tempo depois e ocorrem com maior frequência depois da alimentação. Esta síndrome sugere a presença de uma estenose do intestino delgado. 
A presença de peristaltismo visível em região mesogástrica no indivíduo magro com abdome flácido pode ser considerado normal, porém nesta intensidade em que aparece no vídeo apresentado, é francamente patológica. Quando se observa este peristaltismo visível, configura-se semiologicamente o que se denomina de "ondas de Kussmaul", que são sugestivas de obstrução alta do tubo digestivo. Observa-se um "tumor" de aparecimento repentino (pelas alças intestinais dilatadas), visível e palpável, dor em cólica e ruídos hidroaéreos de intensidade aumentada no local. Estas ondas peristálticas configuram a aparência de uma tumoração transitória, ou pseudotumor, que se desfaz pouco tempo depois, razão pela qual é chamado de "tumor fantasma".
Este quadro pode ocorrer também quando há hiperperistaltismo gástrico, frequentemente observado logo após a alimentação, caracterizando-se por ondas peristálticas fortes, também denominadas de "ondas de Kussmaul", orientadas do quadrante superior esquerdo para o direito. Este quadro sugere estenose pilórica. 

Vídeo do YouTube, postado por Luciano Reciputti, e enviado ao Semioblog por Adalberto Vieira Filho.

6 de setembro de 2013

O Interesse na Doença é Uma Expressão do Interesse na Vida

“Todo o interesse na doença e na morte é, em verdade, apenas uma outra expressão do nosso interesse na vida.” 
(Thomas Mann, In:"A Montanha Mágica")

5 de setembro de 2013

Síndrome de Diógenes

Por Álvaro Luiz Vieira Lubambo de Brito
Médico Recém-Graduado pela UFPB

Resumo
A síndrome de Diógenes é um transtorno psiquiátrico caracterizado pelo isolamento social, comportamento paranoico, tendência ao excessivo acúmulo de objetos inúteis, descuido extremo com a higiene pessoal e habitacional, perda do juízo crítico. Uma grande parcela dos portadores da síndrome não recebem diagnóstico pela característica excêntrica do quadro e sua ocorrência em indivíduos que vivem à margem da sociedade. É um transtorno grave, que afeta sobretudo idosos, ainda sem consenso sobre critérios diagnósticos.

Palavras-Chave: Sintomas Psíquicos. Psiquiatria Geriátrica. Transtornos Mentais.

A síndrome de Diógenes é um transtorno psiquiátrico descrito pela primeira vez em 1975 e reporta-se ao filósofo grego Diógenes de Sínope, filósofo grego do século IV a. C., que ficou conhecido por difundir a corrente filosófica do Cinismo, que prega o desapego aos bens materiais e um retorno a um modo de vida totalmente natural (1,2,5). Historicamente, Diógenes ficou conhecido por “viver como um animal, dentro de um barril e tinha como únicos bens uma coberta, uma tigela e um bastão” (2).
Este transtorno é caracterizado por um importante desleixo com a higiene pessoal e com o asseio da própria moradia, além de comportamento paranoico. Nesta síndrome, é frequente também o colecionismo, que representa o acúmulo de quantidade descomedida de objetos inúteis e lixo  (2-5). O indivíduo acometido geralmente vive em extrema miséria, em um estado físico de negligência absoluta e um isolamento auto-imposto, recusando ajuda externa. Os pacientes que sofrem de síndrome de Diógenes são geralmente descobertos por acaso, ou por causa de uma doença somática, ou como resultado de uma intervenção social relacionada com os seus problemas de comportamento. A síndrome de Diógenes é objeto de estudo para o médico que cuida de pacientes que vivem em condições incomuns, à margem da sociedade. 
É considerado um transtorno de idosos e geralmente se acompanha de demência ou de outro transtorno psiquiátrico como comorbidade. Cooney e Hamid (1995) estimam que este quadro tenha prevalência de aproximadamente 5/10.000 entre idosos de mais de 60 anos. Portanto, a Síndrome de Diógenes é um transtorno comportamental do idoso. Contudo, pessoas mais jovens também podem apresentar a doença, em associação principalmente com alcoolismo crônico, esquizofrenia paranoide e transtorno depressivo maior.
A síndrome de Diógenes foi um termo aplicado pela primeira vez por Clark et al. (1975) a idosos que viviam em condições de miséria. No entanto, foi  MacMillan et al. (1966) que conduziram a primeira investigação minuciosa sobre o problema, que chamaram de "colapso senil". Em 1985, Klosterkötter et al. sugeriram que o termo "síndrome de Diógenes" deveria ser empregado para designar o quadro (1). Uma grande parcela dos portadores da síndrome não recebe diagnóstico pela característica excêntrica e falta de juízo crítico presente, ou por não reconhecerem suas atitudes como peculiares (4,5). 
Embora várias hipóteses clínicas têm sido sugeridas, a verdadeira etiopatogenia da síndrome permanece não esclarecida. A maioria dos autores concorda que este comportamento não reflete a vontade livre do indivíduo e, portanto, nesse sentido, não tem relação teórica com o filósofo grego Diógenes. Também ainda não há verdadeiro consenso sobre critérios diagnósticos. Em termos de etiologia são várias as hipóteses formuladas. Uma delas é que a Síndrome de Diógenes seria uma manifestação clínica da demência do lobo frontal, ou que os sintomas sejam, na verdade, a exacerbação de um transtorno de personalidade prévio, ou ainda via final de um transtorno relacionado ao colecionismo (como o transtorno obsessivo-compulsivo e a síndrome de Tourette) (3-5). 
O abuso do álcool parece ser agravante ou precipitante do quadro. Estima-se que comorbidades psiquiátricas existem em cerca de 50% dos casos, sobretudo demência, abuso de álcool, psicose de vários graus e distúrbios afetivos (3,5). Também há relatos de associação com transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos de personalidade (principalmente a personalidade anancástica), esquizofrenia e doenças cerebrovasculares (4-6).
O hábito de acumular excesso de lixo ou objetos inúteis em casa, a quebra e rejeição de padrões sociais no total descuido pessoal e habitacional, o abandono progressivo do contato social, com reduzido insight do problema deve levantar a suspeita diagnóstica da síndrome de Diógenes. Esta síndrome tem atualmente um interesse crescente tanto clínico, quanto social e de saúde pública.

Referências
1- AMANULLAH, S.; OOMMAN, S; DATTA, S. S. “Diogenes Syndrome” Revisited. Disponível em: http://www.gjpsy.uni-goettingen.de/gjp-article-amanullah.pdf. Acesso em: 05 set 2013.
2- CAIXETA L. Diógenes, população de rua, luta antimanicomial e cinismo. Rev Bras Psiquiatr. 29(1):91, 2007.
3- CLARK, A.N.G, MANIKARR, G.O, GRAY, I. Diogenes syndrome: a clinical study of gross neglect in old age. Lancet. 1975;1:366-8.
4- COONEY, C., HAMID, W. Review: Diogenes syndrome. Age Ageing. 1995;24:451-3.
5- WRIGLEY, M, COONEY, C. Diogenes syndrome: an Irish series. Ir J Psychol Med. 9:37-41, 1992.
6- STUMPF, B. P.; ROCHA, F. L. Síndrome de Diógenes. J. Bras Psiquiatr. 59(2):156-159, 2010.

4 de setembro de 2013

Hoje no GESME: Dados Preliminares de Pesquisa sobre Síndromes Geriátricas

 Marcello Weynes, estudante do sexto período de Medicina/UFPB
  Arthur Lacerda, estudante do internato médico/UFPB
Marcos Martins Júnior, estudante do internato médico/UFPB

Hoje na reunião semanal do Grupo de Estudos em Semiologia Médica (GESME), os alunos Marcello Weynes, Arthur Lacerda e Marcos Martins Júnior apresentaram resultados preliminares de pesquisa sobre a detecção de problemas geriátricos através da anamnese rotineira dos idosos em serviço de clínica médica. Nas enfermarias de clínica médica, a elaboração da anamnese do idoso geralmente segue a tradicional técnica usada para o adulto jovem, embora as peculiaridades clínicas do paciente da terceira idade escapem à norma semiológica geral. Deste pressuposto, derivou o problema de pesquisa desta investigação.
Esta foi a última reunião do GESME neste semestre. As reuniões semanais serão retomadas após o início do próximo período letivo, 2013.2.

2 de setembro de 2013

A NARRATIVA DE UMA DÍVIDA HISTÓRICA DA MEDICINA E DA SOCIEDADE BRASILEIRAS

Ano de lançamento: 2013

"Holocausto Brasileiro" é um livro-documentário da premiada jornalista Daniela Arbex sobre o Hospital Colônia de Barbacena, na cidade homônima situada na serra da Mantiqueira, Minas Gerais, denominado Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) em 1980, mas fundado em 1903 a 165 km de Belo Horizonte. Mais de 60.000 pessoas foram exterminadas, morrendo de fome, frio e diversos tipos de doenças no Hospital Colônia de Barbacena. A obra narra o que hoje se considera uma tragédia representativa de uma dívida histórica da sociedade brasileira e da medicina, em relação aos “loucos” de Barbacena.
A obra de Daniela Arbex é bem documentada, apresentando acervo fotográfico de reportagens jornalísticas e organizado em torno de histórias pessoais e entrevistas com trabalhadores do manicômio, médicos e pacientes sobreviventes.
Esse manicômio hospitalar funcionou por décadas como um depósito onde seres humanos eram jogados para esperar a morte, onde eram mal alimentados, viviam em condições sub-humanas, sob tratamentos, experimentais ou aplicados por profissionais sem qualificação. Havia venda sistemática de cadáveres (que eram muitos e apareciam diariamente) e comercialização de ossadas, além da exploração de trabalho escravo dos pacientes. Por várias ocasiões o hospital foi denunciado com alarde na imprensa, reivindicando-se a tomada de atitudes  por parte do poder público, com as correspondentes promessas, mas era o completo esquecimento o destino dos que habitavam o Colônia, que continuava sua tenebrosa operação. Pelo exposto no livro, por meio de vasta documentação fotográfica, percebe-se que esse manicômio não pode ser comparado aos campos de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial, pois foi muito pior, não em quantidade de mortos - no caso do Hospital Colônia, cerca de 60 mil vítimas -, mas na proporcionalidade de tempo e tratando-se de um "campo da saúde", o cenário onde se desenrolou o genocídio estudado pela autora que, 30 anos após, deu voz aos sobreviventes dessa tragédia.
Quase ao final, contudo, o livro sai completamente de sua lógica e propósito ao relatar em detalhes a vida de um jornalista de "O Cruzeiro", que foi uma testemunha das atrocidades do local, autor de fotografias que registraram o Colônia em pleno funcionamento (presentes no exemplar), apenas mais uma testemunha que teve papel como denunciante, porém deixou cair no silêncio o grito, como um eco que por si apaga o próprio som. Esses se tornaram cúmplices. O extenso detalhamento da vida do jornalista corta o raciocínio e os retratos dos sobreviventes e dos mortos presentes nas memórias. Sem propósito.
Os registros nos trazem a angústia das vítimas e a revolta pelo silêncio dos algozes, todos que tinham conhecimento de qualquer forma e não denunciaram, até surgir um médico que por décadas insistiu na desumanização do tratamento e, mesmo com ameaças de retaliações, inclusive envolvendo o Conselho Regional de Medicina, conseguiu deixar algumas histórias vivas do que viria a ser o "holocausto brasileiro".

Citações diretas da obra:
"Vinte e oito presidentes do Estado de Minas Gerais, entre interventores federais e governadores, revezaram-se no poder desde a criação do Colônia, entre 1903 e 1980. Outros dez diretores comandaram a instituição nesse período, alguns por mais de vinte anos, como o médico Joaquim Dutra, o primeiro dirigente. Em 1961, o presidente Jânio Quadros colocou o aparato governamental a serviço da instituição para reverter "o calamitoso nível de assistência dada aos enfermos". Deputados mineiros criaram comissões para discutir a situação da unidade dez anos depois. Nenhum deles foi capaz de fazer os abusos cessarem. Dentro do hospital, apesar de ninguém ter apertado o gatilho, todos carregam mortes nas costas"
"A intervenção cirúrgica no cérebro para seccionar as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo era recorrente no Colônia. Embora tenha sido considerada uma técnica bárbara de psicocirurgia, a lobotomia ainda é realizada no país."
"Sem portão [o Cemitério da Paz], o que se vê hoje é uma área de 8 mil metros quadrados tomada por mato alto e detritos. (...) Esse é o local onde são mantidos os 60 mil mortos do Colônia. Enterrados em covas rasas, as vítimas de tratamento cruel não alcançaram respeito nem na morte. Seus túmulos vêm sendo depredados ao longo do tempo, e nem mesmo os ossos revelados conseguiram reverter o descaso imposto aos excluídos sociais."
"A partir de 1960, a disponibilidade de cadáveres acabou alimentando uma macabra indústria de venda de corpos"
"- Por que esse menino está amarrado nesse solão? - Se soltar, ele arranca os olhos das outras crianças. Tem mania - respondeu a mulher, com naturalidade. - E quantos olhos já arrancou? - Nenhum - disse a religiosa."
"A violência ocorrida contra a menina e, mais tarde, com outros tantos internados em Oliveira não foi responsável pela interdição do hospital de lá, sim uma telha que caiu sobre a cabeça do diretor. Quando o fechamento foi anunciado, em 1976, trinta e três crianças de Oliveira foram enviadas para o Colônia, em Barbacena. Esperavam resgatar, no novo endereço, a infância roubada. Logo perceberam que os tempos eram novos, mas o tratamento, não,"
"Quando o homem chegou ao hospital, sua expressão era endurecida. A de Roberto, ao contrário, se iluminou. Com nove anos, ele correu para abraçar o pai, que não via há quase um ano. A emoção do encontro fez o menino ter uma pequena incontinência urinária. Quando chegou perto do pai, algumas gotas de xixi molharam a calça que estava vestindo, a melhor roupa que as funcionárias encontraram. O goiano até tentou esconder o desconforto diante daquela criança desajeitada, mas não conseguiu. Constrangido com o aspecto do filho, o pai disse que sairia para buscar almoço. Deixou a comida lá e nunca mais apareceu. A indiferença paterna atingiu em cheio o menino  gordinho e sensível. Deixado para morrer no Colônia, ele foi definhando. Não sucumbiu de fome, nem de frio, como os outros, mas de tristeza."
"(...) foi sentenciado à pena de morte: a internação no Colônia."

Pode-se argumentar que a resposta mais apropriada da Medicina como disciplina seria focar nas lições éticas que se podem retirar daquelas tragédias humanas. Como foi que tantos psiquiatras participaram desse tratamento atroz contra indivíduos considerados mentalmente doentes? Como foi que demorou tanto para a psiquiatria enfrentar esse episódio sombrio em nosso passado não tão distante? O que podemos aprender com esse período e como podemos transmitir essas lições para sucessivas gerações de médicos? Esta foi a primeira vez na história brasileira em que os profissionais de saúde mental se envolveram na aniquilação sistemática de seus pacientes. Como se pode garantir que isso nunca mais aconteça? Durante o período em que se desenrolava o extermínio de seres humanos no Hospital Colônia, o seu corpo clínico permitiu que pressões políticas influenciassem seu manejo clínico, que é sempre perigoso e eticamente problemático. A atitude dos psiquiatras para com seus pacientes com esquizofrenia durante esse período indica da maneira mais perversa como a ciência pode ser afetada por considerações externas. No final da década de 1970, o psiquiatra Ronaldo Simões Coelho denunciou as atrocidades cometidas no CHPB no III Congresso Mineiro de Psiquiatria, o que acarretou represálias à sua vida profissional. Outro médico que chegou a fazer denúncias foi Francisco Paes Barreto, que por essa razão passou a responder a um processo administrativo no Conselho Regional de Medicina, tendo sua ética profissional posta em dúvida. 

Daniela Arbex afirma no livro que no hospital, “apesar de ninguém ter apertado o gatilho, todos carregam mortes nas costas” (Arbex, 2013, p. 43). São mais de 60 anos sem punição dos culpados pelas atrocidades ocorridas naquele manicômio dos horrores. Ela também citou as palavras do psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta antimanicomial, que chegou a visitar o CHPB: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta” (Arbex, 2013, p. 207). 

Embora o horror antissemita durante a Segunda Guerra Mundial tenha sido extensivamente narrado, o genocídio nazista concomitante de pacientes psiquiátricos é muito menos conhecido. Estima-se que 250 mil indivíduos com esquizofrenia foram esterilizados e assassinados pelos nazistas. No final do livro, aparece a curiosa e estranha revelação de que parte do espaço territorial onde o manicômio estava edificado havia sido propriedade de Joaquim Silvério dos Reis, conhecido historicamente como o traidor da Inconfidência Mineira, o que acrescenta mais um toque de horror a essa narrativa que deveria ser lida por todos os médicos e estudantes de medicina. Como já propalado por muitos autores importantes, o processo de ensino-aprendizagem da ética e a luta contra o estigma em relação às pessoas com transtornos da saúde mental não podem ser empreendidos em um vácuo de precedentes onde a profissão médica transgrediu a dimensão da humanidade no Brasil. 

1 de setembro de 2013

Síndrome da Veia Cava Superior

A síndrome da veia cava superior (SVCS) é o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da estase venosa no segmento braquiocefálico devido à obstrução da veia cava superior, seja por trombose, compressão extrínseca ou invasão direta da veia por processos patológicos adjacentes, ou pela combinação destes fatores. A veia cava superior é um vaso de paredes suaves, que podem ser facilmente comprimidas por tumores que crescem nas suas proximidades. 
A SVCS manifesta-se geralmente através da dilatação das veias do pescoço e tórax, pletora facial, edema de membros superiores, cianose, cefaleia, dispneia, tosse, edema de membro superior, ortopneia e disfagia, entre outros, decorrentes da obstrução do fluxo sanguíneo através da veia cava superior em direção ao átrio direito (CIRINO et al., 2005).
Esta síndrome ocorre em cerca de 15 mil pessoas nos Estados Unidos a cada ano. A síndrome foi descrita originalmente como sendo secundária a infecções, como a tuberculose, ou a aneurisma sifilítico da aorta. Atualmente, a SVCS é geralmente devida a câncer ou a eventos trombóticos (COHEN et al., 2008).
A SVCS está associada com doenças malignas avançadas que causam a invasão venosa ou um efeito extrínseco de massa. Câncer de pulmão, mama e tumores do mediastino são causas comuns da SVCS, mas o adenocarcinoma do pulmão é a causa mais comum. 

Imagem: Scimeni

Referências
CIRINO, L. M. I.; COELHO, R. F.; ROCHA, I. D. et al. Tratamento da síndrome da veia cava superior. J. bras. pneumol.  31 (6): 540-550 , 2005.
COHEN, R.; MENA, D.; CARBAJAL-MENDOZA, R. et al. Superior vena cava syndrome: A medical emergency? Int J Angiol, 17(1):43-6, 2008.