27 de julho de 2011

Xerodermia

Por Gabriela Lemos Negri
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A xerodermia (xerose ou “pele seca”) consiste no aumento da perda de água transepidérmica (TEWL, sigla em inglês para Transepidermal Water Loss) resultante de distúrbios nos componentes da barreira epidérmica. Trata-se de um mecanismo dinâmico e inúmeras condições podem contribuir para o seu estabelecimento, como umidade ambiental excessiva, radiação solar, traumas físicos, baixa umidade relativa do ar, inflamação cutânea, entre outros. Pode aparecer também como curso específico de algumas doenças ou condições fisiológicas do ser humano, merecendo destaque a dermatite atópica, a psoríase, o climatério, senilidade, diabetes mellitus, hipotireoidismo e hanseníase. São manifestações comuns  de xerodermia: prurido, fissuras, eritema e, ocasionalmente, sangramentos. 

Palavras-chave: Xerodermia. Xerose. Pele Seca.

A pele constitui o primeiro órgão de defesa de nosso corpo contra agressões do meio externo, desempenhando também um importante papel na manutenção da homeostase. Para o perfeito exercício de suas funções, no entanto, faz-se necessário a presença de um tecido tegumentar hígido, em plenas condições de funcionamento e cuidado.

Nesse contexto, dois processos básicos devem ser destacados, quais sejam: a limpeza e a hidratação cutânea. O primeiro, removendo debris externos, secreções cutâneas naturais e micro-organismo; e o segundo, mantendo o conteúdo hídrico na epiderme. Esses dois mecanismos atuam em conjunto para o adequado funcionamento da pele e manutenção da barreira epidérmica.

A manutenção dessa barreira permite que exista, entre outros, um equilíbrio cutâneo de água que é essencial à manutenção da aparência normal e também ao funcionamento da “máquina” cutânea. A barreira epidérmica é formada por dois componentes: uma matriz protéica celular (formada por uma trama de ceratinócitos) e uma matriz intercelular (formada por uma dupla camada lipídica). O balanço hídrico normal da pele é estabelecido quando há equilíbrio entre os compartimentos celular proteico e intercelular lipídico.

Deve-se salientar que nos meios intra e extracelular existem outras estruturas, além das proteínas e lipídios, que são importantes para a hidratação cutânea. É o caso, por exemplo, de algumas partículas químicas que ficam embebidas nestes dois compartimentos e desempenham um papel fundamental na formação de estruturas responsáveis também pela hidratação da pele.

De uma forma geral, pode-se dividir os mecanismos dinâmicos envolvidos na hidratação cutânea em três componentes:
1) Fatores de hidratação natural (FHN);
2) Lípides intercelulares; e
3) Bombas iônicas.

O primeiro e o segundo atuam retendo água na epiderme, impedindo sua evaporação para o meio. O FHN (conjunto de estruturas higroscópicas que interagem entre si), o componente ceratinocítico, atua retendo água e condicionando um aspecto normal ao tegumento. Os lípides constituem estruturas bipolares, controlando a permeabilidade e movimento intercelular da água. Sua estrutura gordurosa “sela” os FHN nos corneócitos, mantendo o conteúdo de água intercelular.

O componente iônico, por sua vez, constitui uma das estruturas moleculares mais importantes do FHN, sendo reponsável por 18,5% dessa estrutura. Deve-se destacar a atuação da bomba de Na+/K+, garantindo o equilíbrio hídrico intra e extracelular, e também o íon Ca+ cujo canal iônico também é ATPase-dependente. Esse último atua no processo de diferenciação dos ceratinócitos e estabilização de desmossomos, aumentando a coesão intercelular corneocítica que, por sua vez, diminui a descamação e, consequentemente, melhora a função da barreira epidérmica.

O funcionamento adequado desta barreira garante integridade, hidratação, equilíbrio d’àgua e descamação corneocítica organizada à pele. A presença de distúrbios em um desses componentes de barreira conduzirá a um aumento da perda de água transepidérmica (TEWL, sigla em inglês para Transepidermal Water Loss), resultando na xerose, com seus sinais e sintomas clássicos.

O estado xerósico irá alterar o ritmo normal de maturação e descamação dos corneócitos, impedindo seu desprendimento e separação superficial. Como consequência, haverá um desprendimento em blocos celulares (diferentemente da separação unitária corneocítica de uma pele normal hidratada), sendo, portanto, perceptível.

A xerose cutânea, no entanto, não constitui um mecanismo estático. São inúmeras as condições intrínsecas e extrínsecas que podem contribuir para o seu estabelecimento, como: umidade ambiental excessiva, radiação solar, traumas físicos, idade avançada, testosterona, baixa umidade relativa do ar, inflamação cutânea, entre outros. Pode aparecer também como curso específico de algumas doenças ou condições fisiológicas do ser humano, merecendo destaque a dermatite atópica, a psoríase, o climatério, senilidade, diabetes mellitus, hipotireoidismo e hanseníase.

Estudos nessa área apontam para uma relação entre a gravidade do quadro de xerose e uma diminuição na quantidade de lípides neutros (triglicérides e ésteres de colesterol), aumento na quantidade de ácidos graxos livres cutâneos e também com uma diminuição na atividade da glândula sebácea e esterases da pele.

Clinicamente, a xerose costuma apresentar as seguintes manifestações: coceira, aparecimento de finas escamas ou fissuras visíveis com luz tangencial, descamação, tensão, eritema e, ocasionalmente, sangramentos. A xerose pode evoluir para eczema esteatótico com fissuras e escoriações, favorecendo a peneração de microorganismos na pele e inflamação, prejudicando o estrato córneo. O eczema numular, por exemplo, tende a se desenvolver em áreas de xerose.

A xerodermia pode ser classificada em dois tipos: “pele seca” e ictiose (ou ictiose-like). Esta condição cutânea frequentemente gera desconforto e alterações estéticas importantes, demandando um tratamento adequado (na maioria das vezes, local, sintomático e seguido de orientações gerais).

A ictiose adquirida corresponde a uma forma grave de xerodermia, sendo caracterizada por intenso ressecamento cutâneo e formação de escamas aderentes, hipercrômicas e poligonais com aspecto semelhante a escamas de peixe. Pode estar associada a outras afecções, como hanseníase wirchoviana, síndrome paraneoplásica, ou mesmo secundária ao uso de alguns medicamentos. Pode ainda ser causada por hipohidrose, como resultado do acometimento do sistema nervoso autônomo por células inflamatórias.

A xerodermia pode ocorrer em qualquer idade mas sua prevalência é nitidamente maior na população idosa. A razão para isso ainda é desconhecida. Acredita-se, no entanto, que esteja relacionada a inúmeras alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento da pele, como: diminuição da capacidade de barreira para inibir a perda hídrica da epiderme, alteração da composição lipídica no estrato córneo, entre ouros.

Aparece mais comumente nas pernas, dorso, flancos, abdome, cintura e braços. É pouco frequente o acometimento da axila, virilha, rosto e couro cabeludo. Condições ambientais como calor seco, uso de lareiras e utilização de ar condicionado pode precipitar esse tipo de manifestação cutânea em idosos. O uso de sabonetes duros, solventes, detergentes e produtos químicos podem também agravar ou mesmo causar o problema.

Referências
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NORMAN, R. A. Xerosis and pruritus in the elderly: recognition and management. Dermatol. Ther., 16 (3): 254-259, 2003.
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ELIAS , PM; FEINGOLD, K.R. Skin Barrier. 1 ed. New York: Taylor & Francis Group, 2006. 612p.
WU, M.S; YEE, D.J; SULLIVAN, M.E. Effect of a skin moisturizer on the water distribution in human stratum corneum. J Investig Dermatol 81:446-8, 1993.
PEARCE, D. J.; KLINGER, S.; ZIEL, K. K. et al. Low-dose acitretin is associated with fewer adverse events than high-dose acitretin in the treatment of psoriasis. Arch Dermatol. 142 (8): 1000-4, 2006.
KIKEN, D.A; SILVERBERG, N.B. Atopic dermatitis in children, part 1: epidemiology, clinical features, and complications. Cutis 78 (4): 241-7, 2006.
COSTA, A. Hidratação Cutânea. Rev Bras Med 66 (4 Suppl): 15-21, 2009.


Imagem: Logical images, Inc.

25 de julho de 2011

Desenvolvimento de Habilidades Clínicas



Há muito já se aponta para uma fragmentação do ensino em Medicina e para o distanciamento dos conteúdos curriculares em relação às reais necessidades de saúde da população. As escolas médicas têm a grande responsabilidade de capacitar seus alunos por meio de um currículo que abranja os conhecimentos técnicos necessários, assim como saberes humanísticos, obedecendo às orientações das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina (BRASIL, 2001). Nesse sentido, tem se buscado formar um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, capacitado a atuar na sua comunidade, em diferentes níveis de atenção à saúde.

Esses objetivos das atuais diretrizes curriculares devem ser cumpridos desde o início da graduação, e, sobretudo, a partir de quando os alunos concluem a sua formação de base em habilidades clínicas, que ocorre na disciplina de Semiologia Médica - quarto período do curso –, e que devem continuar a desenvolver na prática clínica supervisionada, sobretudo em relação às aptidões de anamnese e exame físico.

Contudo, na realidade, tais habilidades aprendidas na Semiologia Médica não continuam a ser treinadas na grade curricular posterior. O que se observa concretamente é que isso só voltará a acontecer quando se inicia o Internato Médico, que ocorre apenas no final do curso médico e que corresponde ao treinamento curricular em serviço dos graduandos.

Recomendações para mudanças no conteúdo curricular de graduação médica têm enfatizado a importância da competência na realização do exame físico e habilidades essenciais, em que os alunos têm de demonstrar proficiência antes de concluir sua graduação (MARTENS et al., 2009).

Estudos mostram que médicos recém graduados apresentam consideráveis deficiências nas habilidades consideradas importantes para o exame clínico (BARRIOS et al., 2005; SCHWIND et al., 2001). A habilidade para identificar sinais ao exame físico é pequena, inclusive quando se avaliam os egressos do curso durante seu treinamento na residência médica (SILVA; REZENDE, 2008).

Essa preocupação tem incentivado muitas escolas a rever seus currículos para incluir maior espaço para o desenvolvimento de habilidades clínicas e assegurar a formação adequada nesse aspecto (STARK; FORTUNE, 2003). Constata-se também que os estudantes apreciam realmente o treinamento de competências como preparação para a prática médica futura (DORNAN et al., 2006). Isso facilita a transição da fase teórica para a fase clínica do ensino médico de graduação (PRINCE et al., 2004).

Assim, os alunos aprendem habilidades não apenas durante as sessões de treinamento formal, mas também pelo envolvimento em várias atividades complementares. Duvivier et al. (2011) verificaram que um grande contingente de estudantes de medicina procura realizar atividades extracurriculares para melhorar suas habilidades em exame clínico.

Outro aspecto importante a ser salientado nesse contexto é que o ensino médico tradicionalmente é ministrado de modo quase exclusivo em enfermarias dos hospitais universitários, embora a maior ênfase devesse ser dada ao aprendizado em ambulatórios (SCHUWIRTH; VAN DER VLEUTEN, 2006; SPENCER, 2003). Kira e Martins (1996) recomendam que a história clínica deva ser mais bem exercitada a partir de pacientes de ambulatório, que apresentam problemas menos complexos, permitindo que o raciocínio hipotético-dedutivo possa ser exercitado.

Habilidades de comunicação e aprendizagem sobre os aspectos psicossociais são competências que se adquirem principalmente no ambiente ambulatorial, onde ocorrerá a maior parte da prática clínica do futuro médico. As experiências em ambientes ambulatoriais influenciam mais as decisões dos médicos sobre o seu futuro trabalho (HOWE, 2002).

Oportunidades únicas existentes para proporcionar insights sobre a saúde da população, os cuidados multidisciplinares e gerenciamento de doenças crônicas, e para a obtenção de um entendimento equilibrado de serviços de saúde (DEWITT, 2006). Os pacientes são geralmente menos doentes do que no hospital e muitas vezes é mais fácil para os alunos interagirem com eles. O ensino baseado na prática ambulatorial também fornece um treinamento mais próximo da prática clínica (KERR; DENT, 2002).

Além disso, áreas importantes, como a promoção da saúde são mais frequentemente praticadas em ambientes ambulatoriais, onde os pacientes são vistos de forma mais próxima de seus próprios contextos sociais (HOWE; ANDERSON, 2003).

Entretanto, os desafios do ensino em ambientes ambulatoriais são diferentes daqueles em regime de internamento, pois no ambulatório, o ritmo é rápido, com oportunidade reduzida para observação direta. O foco é colocado, muitas vezes, na gestão do atendimento, e o aluno pode acabar observando em vez de aprender fazendo (BOWEN; IRBY, 2002).

Essas experiências na vivência clínica ajudam a socializar os estudantes de medicina na profissão escolhida, contribuindo para que adquiram uma variedade de conhecimentos teórico-práticos que tornam sua aprendizagem mais real e relevante. Além disso, possibilitam a articulação entre a teoria e a prática mesmo antes da chegada do internato, que ocorrerá no final do curso.

Referências
BARNES, P. M.; ADAMS, P. F.; SCHILLER, J. S. Summary health statistics for the U.S. population: National Health Interview Survey, 2001. Vital Health Stat, 217: 1-82, 2003.
BARRIOS, C. H.; SILVA V. L.; PINHEIRO, R. F. et al. Avaliação do registro do exame físico realizado por doutorandos e residentes no Serviço de Medicina Interna do Hospital São Lucas – PUCRS. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, 15 (3): 156-162, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n.4, CNE/CES de 7/11/2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1, p. 38. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pedf/CES04.pdf Acesso: 20 jul. 2011.
DORNAN, T.; LITTLEWOOD, S.; MARGOLIS, S. A. et al. How can experience in clinical and community settings contribute to early medical education? A BEME systematic review. Med Teach, 28 (1): 3-18, 2006.
DUVIVIER, R.; VAN GEEL, K.; VAN DALEN, J.; et al. Learning physical examination skills outside timetabled training sessions: what happens and why? Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2011. Disponível em: http://www.springerlink.com/content/8170526167227278/fulltext.html. Acesso em: 21 jul. 2011.
HOWE, A.; ANDERSON, J. Involving patients in medical education. BMJ, 327:326-8, 2003
KIRA, C. M.; MARTINS, M. A. O Ensino e o Aprendizado das Habilidades Clínicas e Competências Médicas. Revista de Medicina de Ribeirão Preto, 29: 407-413, 1996.
MARTENS, M. J.; DUVIVIER, R. J.; VAN DALEN, J. etal. Student views on the effective teaching of physical examination skills: a qualitative study. Med Educ, 43 (2):184-91, 2009
MILLAN, K. T.; ERCOLANO, F. M.; PEREZ, M. et al. Autoevaluación de habilidades clínicas básicas en médicos recién egresados de la Facultad de Medicina, Universidad de Chile. Rev. méd. Chile, 135 (11): 1479-1486, 2007.
PRINCE, K.,; VAN DE WIEL, M. W. J.; VAN DER VLEUTEN, C. et al. Junior doctors’ opinions about the transition from medical school to clinical practice: A change of environment. Educ Health, 17(3), 323–331, 2004.
SCHWIND, C. J. et al. Development of physical examination skills in a third-year surgical clerkship. Am J Surg, 181: 338–40, 2001.
SCHULTZ, K. M.; KIRBY, J.; DELVA, D, et al. Medical students’ and residents’ preferred site characteristics and preceptor behaviours for learning in the ambulatory setting: a cross-sectional survey. BMC Med Educ, 4: 12, 2004.
SILVA, R. M.; L.; REZENDE, N. A. O ensino de semiologia médica sob a visão dos alunos: implicações para a reforma curricular. Rev. bras. educ. med. 32 (1): 32-39, 2008.
SPENCER J. Learning and teaching in the clinical environment. ABC of learning and teaching medicine. BMJ, 326: 591-4, 2003.
SCHUWIRTH, L. W. T.; VAN DER VLEUTEN, C. P. M. Challenges for educationalists. BMJ, 333: 544-6, 2006.
STARK, P.; FORTUNE, F. Teaching clinical skills in developing countries: Are clinical skills centres the answer? Education for Health, 16 (3), 298–306, 2003.

Foto: Arquivo do GESME.

22 de julho de 2011

Bioética e Direitos do Paciente Hospitalizado: Livro lançado pelo NEPB


Os recentes avanços científicos relacionados à saúde produziram mudanças extremamente benéficas à sociedade. Mas a contrapartida desses avanços também possui  aspectos negativos, em virtude do enfraquecimento da atitude clínica, e o que é pior, da relação profissional de saúde-paciente, com mudanças na visão da equipe de saúde, não somente sobre o que deveria ser o exercício da profissão, mas também sobre a doença e o sofrimento.
         
Por outro lado, o movimento de resgate do paciente enquanto sujeito participante das questões de saúde é ainda discreto frente ao desenvolvimento alcançado pela ciência. Aí se insere a grande relevância do estudo da bioética enquanto forma de proteção do humano.
            
Nesse contexto, a bioética vem merecendo destaque cada vez maior, pois volta-se à reflexão sobre aspectos essenciais da vida, da saúde e da morte do ser humano. É precisamente nesta perspectiva que devemos nos questionar sobre como se realiza moral e eticamente a abordagem e o tratamento dos doentes hospitalizados, sobretudo em instituições públicas.
            
Foi nesse ideário que surgiu o livro, “Bioética e Direitos do Paciente Hospitalizado”,  elaborado por professores e estudantes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e nesta, especialmente do Núcleo de Estudos em Bioética, e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), lançado  neste mês de julho através da Editora Universitária da UFPB.
             
Esses dois conceitos - bioética e direitos do paciente - fundem-se no estudo da atenção clínica ao paciente hospitalizado, e são a essência deste livro. É interessante que a fusão dos dois conceitos se faça desta forma porque eles, na verdade, são complementares.
           
Este livro destina-se aos estudantes e profissionais de saúde, em cursos de graduação ou mesmo de pós-graduação, buscando a necessária interface com a bioética, sobretudo com ênfase em aspectos práticos do atendimento no âmbito hospitalar. Daí o reforçado interesse desta obra, ao permitir entrelaçar, no processo de aprendizagem, os conceitos teóricos com aspectos concretos de situações reais e que ilustram a aplicação dos primeiros, oportunizando momentos de reflexões e indagações acerca da bioética aplicada aos direitos do paciente hospitalizado.
             
Salienta-se que tal interesse é mais pungente diante do fato de que atualmente alguns cursos de graduação da área de saúde ainda mostram uma tendência predominantemente tecnicista, em nome de questionamentos quanto à utilidade imediata de temas ligados às bases antropológicas da área, com redução de conteúdos relacionados aos conhecimentos humanísticos.
            
Não se trata apenas da necessidade de indicar formalizações mas, principalmente, de provocar discussões quanto às perspectivas que vêm assumindo o tratamento e o cuidar nos hospitais, buscando outras lógicas que incorporem e que resgatem a vida em sua complexidade e plenitude. Nesse mundo em constante transformação, é relevante o repensar dos caminhos profissionais assumidos.
            
Essa observação é de grande importância, pois salienta um momento reflexivo de debate teórico aliado a um elemento necessariamente pragmático, do cotidiano da vida hospitalar. A chave aqui é levar o estudante e o profissional da área de saúde a refletir sobretudo sobre os conflitos envolvidos nas relações humanas no hospital. Tais conflitos aparecem até em procedimentos comuns na prática de saúde, daí seu aspecto também pragmático.
             
Entre os inúmeros tópicos abordados neste livro, encontram-se temas como direitos da pessoa com deficiência física no âmbito da saúde, aspectos éticos e legais dos direitos do paciente com HIV/Aids, direitos da pessoa com câncer assistida no Sistema Único de Saúde (SUS), direitos  do paciente terminal, direitos do usuário do SUS, bioética e direitos do paciente hospitalizado, direitos do paciente na condição de instrumento de aprendizado em hospitais universitários, direito do usuário à informação, direito do paciente à privacidade e à autonomia, entre outros tópicos de grande relevância bioética no cenário hospitalar. 
  
Nesse conjunto de tópicos, encontramos em comum o elemento chave que está subjacente a toda a bioética: a dignidade e o valor supremo da vida humana. Para assegurar o respeito aos direitos dos pacientes, faz-se necessário que pos trabalhadores em saúde estejam permanentemente atentos aos seus direitos e aos de seus acompanhates, a à sua possível transgressão, como usuários dosistema de saúde.
        
Por fim, uma palavra sobre a idealizadora do livro, a Profa. Solange Costa, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética (NEPB) da UFPB, com quem muitos de nós que colaboramos com este livro, aprendemos o que é ética em pesquisa envolvendo seres humanos, sua importância, suas doutrinas e seu alcance. Com sua incansável busca pela discussão ética dos problemas que permeiam a práxis do trabalho em saúde, temos aprendido também que o nosso compromisso como profissionais da área é o exercício clínico pautado na ética e no respeito pelos direitos fundamentais dos clientes do sistema de saúde.

"Bioética e Direitos do Paciente Hospitalizado" pode ser obtido através de contato com o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética (NEPB) da UFPB, no Centro de Ciências da Saúde, UFPB, Campus I.

13 de julho de 2011

Seleção de Monitor de Semiologia Médica - 2011.2 e 2012.1

SELEÇÃO PARA MONITOR DE SEMIOLOGIA MÉDICA / DMI / CCM / UFPB

1- Prova de Seleção:
- Prova Escrita de Semiologia Médica (múltipla escolha; 20 quesitos);
- Data: Dia 15/07/2011; 8h00-10h00;
- Local: Sala 1 do quinto andar do Hospital Universitário Lauro Wanderley.

2- Pontuação e Classificação
- A pontuação será feita nas seguintes proporções, de acordo com a Resolução 02/1996 (Programa de Monitoria para os Cursos de Graduação da UFPB);
- A classificação dos candidatos, até o limite do número de vagas do Módulo, será realizada de acordo com a ordem decrescente da média ponderada (M) entre a nota obtida na prova escrita (N1), a nota obtida na disciplina (N2) e o Coeficiente de Rendimento Escolar (C), com pesos 3, 2 e 1 respectivamente, calculada conforme a seguinte expressão: M = 3N1 + 2N2 + C / 6.
- O candidato que não obtiver nota N1 igual ou superior a 7,0 (sete) na prova escrita será eliminado.

3- Programa para a Prova Escrita
- Anamnese;
- Ectoscopia (Exame Físico Geral ou Inspeção Geral);
- Técnicas de Exame Físico;
- Exame da Pele;
- Sintomas/Sinais e Exame Físico dos Sistemas Respiratório, Cardiovascular, Digestório e Urinário;
- Síndromes Clínicas Relacionadas aos Sistemas Respiratório, Cardiovascular, Digestório e Urinário;
- Semiologia do Sistema Linfático;
- Semiologia da Pele;
- Respostas (Reações) do Paciente;
- Bases do Raciocínio Clínico;
- Relação Médico-Paciente.

4- Vagas: Há uma vaga para monitor voluntário.

5- Bibliografia
6.1- BICKLEY, L. S, HOEKELMAN R. A. Bates: Propedêutica médica. 8a. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2005.
6.2- GONZALEZ, R. F.; BRANCO, R. A. Relação com o Paciente: Teoria, Ensino e Prática. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2003.
6.3- LÓPEZ, M.; LAURENTYS-MEDEIROS, J. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. 5a. ed. Rio de Janeiro: Atheneu Ed., 2004.
6.4- SEIDEL, H. M. et al. Mosby: Guia de Exame Físico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
6.5- PORTO, C. C. Exame Clínico: Bases Para a Prática Médica. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
6.6- SOUSA-MUÑOZ, R. L. (Org.). Iniciação ao Exame Clínico: Guia para o Estudante de Medicina. João Pessoa: Ed. Universitária, 2010.
6.7- SWARTZ, M. H. Tratado de Semiologia Médica. 5ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

- Estes informes também estão disponíveis no Departamento de Medicina Interna.

João Pessoa, 13 de julho de 2011.

Profa. Rilva Sousa-Muñoz

11 de julho de 2011

A Síndrome do Lobo Frontal

Por Gabriela Lemos Negri

Estudante do Curso de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A Síndrome do Lobo Frontal (ou Síndrome Disexecutiva) caracteriza-se por alterações de personalidade, prejuízo do comportamento social, distúrbios cognitivos e outras alterações neurológicas. Pode apresentar-se clinicamente sob duas formas: (1) resultante de lesões nos giros orbitais mediais e tratos que atravessam a região, caracterizando-se por uma diminuição do senso ético e autocrítica, indiferença afetiva, irrascividade e euforia, e (2) os que resultam de lesões dorso-laterais, com uma tendência geral à indiferença e apatia, lentidão, falta de iniciativa motora e automatismo nas respostas. Observa-se frequentemente a sobreposição de sintomas órbito-frontais e dorso-laterais no mesmo indivíduo.

Palavras chave: Síndrome do Lobo Frontal. Síndrome Disexecutiva. Neuropsiquiatria.

O lobo frontal é responsável por uma ampla gama de funções cerebrais complexas. O controle de execução e planejamento, aspectos motivacionais do comportamento e de alta ordem de controle motor representam algumas dessas importantes funções. Pode ser subdividido em quatro componentes: pré-motor/motor, pré-frontal dorso-lateral, pré-frontal medial e órbito-frontal. O termo Síndrome do Lobo Frontal aplica-se apenas a esses três últimos componentes. Também conhecida como Síndrome Disexecutiva, caracteriza-se por alterações na personalidade, distúrbios cognitivos, prejuízo do comportamento social e outras alterações neurológicas.
O distúrbio nas funções executivas, ou seja, nos processos responsáveis por direcionar e gerenciar habilidades emocionais, cognitivas e comportamentais, conduzem a perdas na capacidade de tomar iniciativa; focar o que é relevante na execução de tarefas, eliminando estímulos distratores competitivos; poder de planejamento e solução de problemas complexos ou que fogem à rotina; flexibilidade para tomar estratégias que visem à solução de problemas; capacidade de monitorar e avaliar o próprio comportamento e desempenho, quando necessário. As conexões do córtex pré-frontal com as áreas motoras, o sistema reticular ativador, o sistema límbico e o córtex de associação posterior servem para ilustrar o aspecto regulador das funções motivacionais, atentivas, emocionais, perceptivas, cognitivas e comportamentais.
No que diz respeito ao aspecto clínico, a síndrome do lobo frontal envolve dois tipos básicos de sintomas: 1) os resultantes de lesões nos giros orbitais mediais e tratos que atravessam a região, e 2) os que resultam de lesões dorso-laterais, sendo frequente a sobreposição de sintomas órbito-frontais e dorso-laterais no mesmo indivíduo.
O primeiro tipo é caracterizado por uma diminuição do senso ético e da autocrítica, despreocupação com relação ao futuro, indiferença afetiva, irrascividade e euforia (antigamente conhecida como mória). Costuma-se descrever esses paciente como rudes, irritáveis, hipercinéticos, jocosos, impulsivos e sem as restrições sociais inerentes ao indivíduo adulto. Demonstram excessiva desinibição e, a depender da gravidade do caso, podem apresentar um julgamento moral comprometido.
A síndrome órbito-frontal pode assemelhar-se a quadros maníacos ou sociopatas, sendo a função pré-frontal alvo de inúmeros estudos entre os indivíduos com características anti-sociais. No que diz respeito à cognição, esses pacientes costumam apresentar um comprometimento na capacidade de inibir a interferência de estímulos externos irrelevantes ou tendências internas distratoras. Como consequência dessa falha no controle de interferências, são comuns os sintomas de perseveração, impulsividade, comportamento de imitação e utilização.
As lesões dorso-laterais, por outro lado, apresentam uma tendência geral à indiferença e apatia. Observa-se uma falta de iniciativa do ato motor, automatismo nas respostas e lentidão. O indivíduo apresenta dificuldade não apenas para dar início a ações espontâneas, deliberadas, como também para finalizar aquelas as quais deu início.
De acordo com a literatura, lesões extensas nessas áreas conduzem a alterações importantes relacionadas à organização de movimentos e ações, desintegração de programas motores e deficiência no processo de comparação de um ato motor com seu plano original. Observa-se excessiva rigidez de comportamento, perseverações, inércia de estereótipos motores, flexibilidade conceitual baixa. Com relação aos seus aspectos cognitivos pode-se observar déficit de atenção, memória, planejamento e linguagem, essa última destacando-se principalmente pela diminuição da fluência verbal e deficiência de habilidades pragmáticas ou dialógicas. É possível ainda ocorrer disprosódia e disfasia.
Anormalidades na estrutura e função do lobo frontal tem sido relacionadas a diversos transtornos neuropsiquiátricos, incluindo o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), depressão, esquizofrenia e Transtorno Bipolar. Transtornos do desenvolvimento, tais como síndrome de Down, Síndrome de Rett, Síndrome do X Frágil, Síndrome de Williams, Neurofibromatose Tipo I idiopática, Autismo, Síndrome de Tourette e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade tem sido particularmente enfatizados.

Referências
MATTOS, P; SABOYA, E; ARAUJO, C. Sequela comportamental pós-traumatismo craniano: o homem que perdeu o charme. Arq. Neuro-Psiquiatr. 60 (2A): 319-323, 2002.
FAUCI, A.S, et al. Harrison's Principles of Internal Medicine. 17th ed. New York, N.Y.: McGraw-Hill Medical; 2008.
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9 de julho de 2011

Câimbras Musculares

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
As câimbras são contrações prolongadas, involuntárias e dolorosas dos músculos esqueléticos. Possuem uma variedade de causas, porém em geral estão relacionadas ao exercício físico extenuante e à má reposição hidroeletrolítica. O diagnóstico das câimbras é clínico, mas muitas vezes são necessários exames complementares para definir uma etiologia específica.

Palavras-chave: Cãibra Muscular. Doenças Musculares. Exercício.

As câimbras, ou cãibras, também chamadas de espasmos musculares, são contrações musculares localizadas, involuntárias e dolorosas, que cursam com enrijecimento visível e palpável de um músculo estriado esquelético ou de um grupamento muscular envolvido.

A câimbra tem origem periférica e qualquer músculo esquelético é passível de apresentar câimbras, porém elas se apresentam mais comumente nos músculos dos membros inferiores, em especial nos músculos anteriores e posteriores da coxa, no tríceps crural e nos músculos do pé. Menos comumente, também se apresentam nos músculos das mãos, pescoço e abdome.

As câimbras são fenômenos de início súbito e de curta duração, e podem causar posturas anormais das articulações relacionadas ao músculo acometido, muitas vezes determinando, assim, posturas antálgicas nos pacientes acometidos.

Uma grande variedade de distúrbios orgânicos pode causar câimbras, sendo este um sintoma bastante inespecífico dentro da clínica médica. Alterações metabólicas, vasculares, neurológicas e medicamentosas incluem as principais etiologias dos espasmos musculares.

Vale salientar, no entanto, que uma parcela dos pacientes apresenta câimbras de maneira idiopática, não se conseguindo detectar nenhum fator específico envolvido em sua gênese.

É importante salientar que as câimbras e contraturas musculares seriam uma disfunção muscular, sem lesão anatômica da fibra, e relacionadas com muita frequência a vários fatores, sendo o mais importante a fadiga muscular.

As câimbras são frequentes em distúrbios neurogênicos, especialmente nas lesões do neurônio motor inferior e nas neuropatias periféricas. Paradoxalmente, os espasmos musculares não são comuns em patologias musculares primárias e sua ocorrência é um elemento semiológico que fala contra o diagnóstico de miopatias primárias. A única exceção, segundo Brown Jr. et al (2008), seria a distrofia muscular de Duchenne, quando queixas de câimbras nas panturrilhas são comuns.

As câimbras musculares também ocorrem em até 20% dos tratamentos de hemodiálise. A patogênese não é totalmente conhecida, mas está provavelmente relacionada à ultrafiltração rápida, hiponatremia e hipotensão). Pacientes urêmicos, porém ainda sem tratamento dialítico, não apresentam câimbras com frequência.

Apesar das doenças orgânicas estarem frequentemente envolvidas na gênese das câimbras, a principal causa desses espasmos na população geral é o exercício físico intenso, o qual, assim como diversas outras etiologias da câimbra, provoca tais contrações involuntárias por um mesmo mecanismo: geração de importantes perdas de sódio e líquido pelas fibras musculares. Essas perdas ocorreriam especialmente pela transpiração e pela respiração.

As câimbras musculares associadas ao exercício são um dos problemas mais comuns durante ou imediatamente após eventos desportivos. Apesar de apresentarem uma elevada prevalência, a sua etiologia é ainda desconhecida.

O sódio é o principal íon extracelular e o principal determinante da osmolaridade plasmática, sendo fundamental para uma boa condução elétrica neuro-esquelética, a qual é o mecanismo gerador e regulador da contração muscular. Déficits natrêmicos e volêmicos (perdas volêmicas em geral se acompanham de perdas de sódio corporal) deixam os miócitos mais sensíveis, tornando-os hiperexcitáveis. Sob tal condição, uma leve tensão e um movimento subsequente podem fazer o músculo se contrair e se contorcer incontrolavelmente, gerando as câimbras.

Descreve-se ainda a denominada “cãimbra do escrivão”, uma distonia focal que faz parte do grupo das distonias ocupacionais, e que se caracteriza por contrações musculares involuntárias desencadeadas por determinados movimentos como escrever, tocar piano, violino, jogar golfe ou digitar.

Há várias hipóteses para explicar a ocorrência de câimbras, como a “teoria da desidratação", "depleção eletrolítica","etiologia ambiental", "metabólica" e "fadiga". O ácido lático é um fator contributivo para as câimbras musculares. Outro metabólito tóxico para a fibra muscular é amônia. Para saber sobre as hipóteses para explicar a ocorrência de câimbras, ler Costa (2003).

A princípio, as câimbras devem ser manejadas de forma não farmacológica. Massagem e alongamento da musculatura envolvida, associadas a hidratação e reposição eletrolítica são suficientes para tratar e prevenir episódios indesejáveis de câimbras. No entanto, câimbras de repetição, ou que ocorrem mesmo no repouso ou ainda em grupos musculares atípicos, como musculatura facial, mandibular e perineal, podem ser sinais de algum distúrbio orgânico, sendo importante uma rotina diagnóstica mais específica em busca de uma causa-base.

Referências
PORTO, C. C. Semiologia Médica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
BROWN Jr., T. et al. Distrofias musculares e outras miopatias. In: Harrison Medicina Interna. 17ª ed. v. 2. Rio de Janeiro: McGraw Hill, 2008. Cap. 382, p. 2678-2682.
COSTA, A. J. S. Um estudo das Cãibras Musculares. 2003. Disponível em: http://uni2007.vilabol.uol.com.br/index_arquivos/017.pdf. Acesso em: 09 jul. 2011.
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VIEIRA, W. V. et al. Manifestações Musculoesqueléticas em Pacientes Submetidos à Hemodiálise. Rev Bras Reumatol, 45 (6): 357-364, 2005

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6 de julho de 2011

Pelagra: Aspectos clínico-epidemiológicos

Por Gabriela Lemos Negri
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A pelagra corresponde ao estágio final de deficiência em niacina (ou vitamina B3). Como a deficiência de niacina afeta funções celulares em múltiplos órgãos e tecidos, as manifestações clínicas da pelagra são diversas. Os sintomas iniciais são geralmente fraqueza, fadiga geral, hiporexia, alterações do trato digestório e manifestações psíquicas. As alterações cutâneas características são, em geral, precedidas por sintomas digestivos. Observa-se o aparecimento da tríade clássica dos três “Ds”: diarreia, dermatite e demência, podendo evoluir para o quatro “D”, morte (death), se não for adequadamente tratada. Está presente principalmente nos países periféricos, especialmente naqueles em que os produtos de milho e o próprio milho constituem as fontes principais de alimento. 

Palavras chave: Pelagra. Dermatologia. Niacina.

A Pelagra é uma doença sistêmica resultante da deficiência de niacina (vitamina B3), sendo caracterizada clinicamente por quatro “Ds”: Diarreia, Dermatite, Demência e, se não tratada, morte (Death). As alterações cutâneas características são, em geral, precedidas por sintomas digestivos. De acordo com Rille, “a pelagra começa no estômago”.

Gasper Casal foi o primeiro a descrever a doença em 1762, denominando-a mal de la rose, pelo fato de todos os pacientes afetados terem apresentado erupções avermelhadas típicas e brilhantes no dorso das mãos e dos pés. As lesões de pele presentes no pescoço são conhecidas como "colar de Casal". Ele observou que os pacientes acometidos pela doença eram todos pobres, raramente comiam carne fresca e viviam principalmente de milho. Antes de Casal, as alterações de pele eram conhecidas como doença de Hiob, estigmas de São Francisco de Assis ou mesmo Alpino, na Itália. A palavra “pelagra” significa “pele que é áspera” no vernáculo italiano, referindo-se ao espessamento que ocorre na pele das pessoas acometidas pela doença.

Durante quase dois séculos a pelagra permaneceu endêmica entre os camponeses no sul da Europa até ser reconhecida nos Estados Unidos. Apenas em 1914 os cientistas passaram a sugerir uma deficiência nutricional na dieta como sendo causadora da pelagra, relacionando-a também com a língua preta (condição análoga à doença) encontrada em cães. Foi descoberto em 1937 que o ácido nicotínico era capaz de curar a "língua preta". O primeiro relato feito nos Estados Unidos data de 1902.

Na Europa, a pelagra apresentou maior incidência na região do Mediterrâneo e após cerca de duas décadas, ocorreu de forma epidêmica no sul-americano. Os fatores de risco mais frequentes foram a pobreza e o consumo de milho. Nas primeiras décadas do século XX, Joseph Goldberger investigou uma epidemia de pelagra nos Estados Unidos, esclarecendo definitivamente a verdadeira causa da doença como sendo decorrente de uma deficiência nutricional. Em 1926, Goldberg definiu a nicotinamida como sendo um fator preventivo para a Pelagra. A epidemia no sul dos EUA custou milhares de vidas mas finalmente foi superada com medidas governamentais de implementação de vitamina B na dieta.

Entendida como o estágio final da deficiência em niacina ou vitamina B3, uma vitamina hidrossolúvel, a pelagra pode ser divida em dois tipos distintos:
1) Primária, resultante da ingesta inadequada do ácido nicotínico e/ou triptofano na dieta; e 2) Secundária, que ocorre quando existe quantidade adequada de niacina na dieta mas a sua absorção e/ou processamento é prejudicado por outras condições, como alcoolismo crônico, cirrose hepática, diarreia prolongada, tratamento dialítico crônico, colite crônica, colite ulcerativa, tuberculose do trato digestório, neoplasia, após cirurgia bariátrica e síndrome de Hartnup (erro inato do metabolismo do triptofano).

Além disso, o uso de medicamentos como a isoniazida e o 5-fluorouracil também podem causar os sintomas da pelagra. Esta doença pode também se desenvolver após dieta de exclusão em pacientes com dermatite atópica e suas características clínica e histológicas podem se confundir com a necrose epidérmica.

Apesar de se ter poucos dados sobre a incidência da pelagra no mundo, sabe-se que ela ocorre principalmente nos países periféricos, especialmente naqueles em que os produtos de milho e o próprio milho constituem as fontes principais de alimento. Também apresenta maior prevalência nas populações com dieta deficiente em niacina e/ou triptofano.

Com relação à mortalidade, sabe-se que a pelagra não tratada resulta em morte por insuficiência múltipla de órgãos. A morbidade, por sua vez, está relacionada aos seus efeitos tóxicos sobre múltiplos órgãos envolvidos. A presença de dermatite pruriginosa é comum na faze aguda, embora alguns pacientes sejam assintomáticos. A hiperpigmentação da pele também pode ocorrer. Dentre os efeitos sistêmicos, deve-se destacar a apatia, mal-estar e astenia. O envolvimento do trato digestório leva a um estado de má absorção, podendo também estar presentes manifestações neurológicas como ansiedade, delírios, alucinações, estupor e depressão.

Não há relatos de predileção por raça ou sexo. O único fator de risco conhecido é a privação alimentar de niacina. Está presente tipicamente em pacientes adultos, sendo rara sua incidência em crianças. Como a deficiência de niacina afeta funções celulares em múltiplos órgãos e tecidos, as manifestações clínicas da pelagra são diversas. A seguir serão descritas suas principais manifestações.

A pelagra apresenta-se com sintomas iniciais de cansaço, fraqueza, hiporexia, alterações do trato digestório e sofrimento psíquico/emocional (irrascividade, depressão, ansiedade, por exemplo). As alterações cutâneas características são, em geral, precedidas por sintomas digestivos. Observa-se o aparecimento da tríade clássica de diarreia, dermatite e demência. O diagnóstico torna-se difícil na ausência dos sintomas cutâneos. As lesões de pele ou “pellagrodermas” costumam ser dolorosas. Pode ocorrer sensação de queimação, cefaleia e astenia.

A começar pelas manifestações cutâneas que, inicialmente (fase aguda), assemelham-se a uma queimadura solar. A pele torna-se avermelhada, podendo desenvolver bolhas que normalmente esfoliam, deixando áreas com lesão epitelial semelhante a queimaduras. As lesões desaparecem com o tempo, permanecendo uma coloração vermelho-escura (quase marrom) no local, tendendo a exacerbar após re-exposição solar.

A erupção geralmente inicia com edema e alterações exsudativas, como uma dermatite aguda, evoluindo para um eritema no dorso das mãos com ardor e prurido. Alterações vasomotoras de cianose, palidez, sudorese profusa e sensação de frescor podem estar associadas. O eritema inicial pode mudar para uma cor marrom e a erupção costuma ser simétrica. As bolhas podem surgir vários dias após o aparecimento do eritema, coalescer e romper. Vermelhidão e descamação superficial surgem nas áreas expostas ao sol, calor, pressão ou mesmo fricção.

Num segundo momento, a dermatose torna-se dura, áspera, quebradiça e preta. O paciente apresenta um espessamento da pele que apresenta-se seca, hiperceratótica, escamosa, apergaminhada e com tonalidade marrom-amarelada.

Quando o estado de deficiência é grave, a pele torna-se progressivamente mais seca, rachada e coberta por escamas e crostas escuras, resultantes de hemorragias. As bolhas estão presentes quando a pelagra reincide no mesmo local (pênfigo pellagrosus), apresentando linfócitos, leucócitos segmentados e histiócitos. Eventualmente pode-se observar a presença de pústulas, crostas e fissuras profundas.

No que se refere à localização, a pelagra afeta mais comumente a superfície dorsal das mãos, face, pescoço, pés e braços, sendo raro o acometimento de outros locais. Cerca de 77 a 97% dos casos ocorrem no dorso das mãos. As lesões podem se estender no braço, em forma de luva, “luva de pelagra”. Podem-se desenvolver fissuras dolorosas nas palmas das mãos e dedos.

Na face, a dermatite tende a acompanhar a distribuição do V par de nervo craniano (nervo trigêmeo), associando-se a hiperpigmentação. É frequente a presença de uma erupção simétrica e em borboleta, semelhante a encontrada no lúpus eritematoso sistêmico (LES). As lesões faciais nunca aparecem de forma isolada, associando-se sempre a lesões nas mãos e em outros locais.

O "colar de Casal", erupção característica bem marginada na frente do pescoço, afeta homens, mulheres e crianças e é sempre acompanhado de dermatites características em outros lugares. As lesões nas plantas dos pés e palmas das mãos apresentam-se amareladas, secas, ásperas e descamativas. Em crianças, são frequentemente eritematosas e acidentadas.

Os ombros, antebraços, joelhos e cotovelos podem ser ocasionalmente afetados. Ceratoconjuntivite e queratomalácia podem eventualmente ocorrer. Cerca de um terço dos pacientes apresentam lesões nos lábios, língua e mucosa oral. As alterações típicas da língua e mucosa incluem inflamação, edema, hipertrofia da língua, presença de pseudomembranas, erosões e úlceras, evoluindo posteriormente para atrofia.

Outros possíveis achados incluem queilose, aftas, estomatite angular, sangramento gengival, inflamação dos lábios que se tornam ásperos, doloridos e brilhantes. Os distúrbios no trato GI podem causar hiporexia, náusea, vômitos, hipersialorréia, desconforto e dor abdominal. Aproximadamente 50% dos pacientes apresentam diarreia, gastrite, acloridria e diminuição de enzimas duodenais. Exames radiológicos podem demonstrar atrofia da mucosa gástrica.

No que diz respeito às manifestações neuropsiquiátricas, podem-se observar ainda cefaleia, irritabilidade, diminuição da concentração, ansiedade, alucinações, delírios, torpor, apatia, agitação psicomotora, fotofobia, tremor, ataxia e paresia.

Ocasionalmente podem ocorrer neurites, mielites e sintomas graves do sistema nervoso central. Com a progressão da doença, os pacientes tornam-se desorientados, confusos e delirantes, podendo evoluir para um estado de torpor, coma e até mesmo morte. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com outras patologias, como dermatite atópica, erupção por drogas, doença de Hartnup, LES, pênfigo vulgar, pênfigo induzido por medicamentos e porfiria cutânea tardia.

A observação dos sinais e sintomas descritos associados a uma resposta terapêutica à niacina estabelece o diagnóstico de pelagra. Outros exames como, por exemplo, baixa niacina no soro, triptofano, níveis de NAD e NADP, baixo nível de N-metilnicotinamida piridona podem ser úteis na confirmação do diagnóstico. A pelagra apresenta excelente prognóstico quando diagnosticada e tratada de forma adequada.

Referências
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