5 de dezembro de 2019

Estigma e Discriminação em Saúde


Rilva Lopes de Sousa Muñoz

Apresento quatro vídeos sobre estigma e discriminação em saúde.
O estigma relacionado à saúde é tipicamente caracterizado pela desqualificação social de indivíduos e grupos identificados com problemas de saúde específicos. Como característica de muitos problemas crônicos de saúde, o estigma contribui para um fardo oculto da doença. Outro aspecto é caracterizado pela desqualificação social direcionada a outros aspectos da identidade de uma pessoa - como etnia, preferências sexuais ou status socioeconômico - que por meio de acesso limitado a serviços e outras desvantagens sociais resultam em efeitos adversos à saúde. Os profissionais de saúde, portanto, têm interesses substanciais em reconhecer e reduzir o impacto do estigma como característica e causa de muitos problemas de saúde. Nestes quatro vídeos sobre “Estigmas e Discriminação em Saúde”,  são abordados aspectos relacionados ao estigma em saúde de forma geral e posteriormente abordando estigmas relacionados especificamente a várias doenças, assim como estratégias de intervenção para combater as ações de estigmatização e apoiar aqueles que são estigmatizados, no sentido de limitar sua vulnerabilidade e fortalecer sua resiliência.
Tornando obsoletos os conceitos históricos de estigma como um atributo físico descrédito, duas gerações de estudos sociológicos inspirados por Goffman redefiniram o estigma como uma situação socialmente desacreditadora dos indivíduos. Com base nessa formulação e para especificar interesses de pesquisa em saúde, é proposta uma definição de trabalho de estigma relacionado à saúde. Ele enfatiza as características particulares dos problemas de saúde-alvo e o papel de contextos sociais, culturais e econômicos específicos nos países em desenvolvimento. Por uma questão prática, refere-se a várias estratégias de intervenção, que podem se concentrar no controle ou tratamento de problemas de saúde-alvo com políticas sociais e de saúde informadas, combatendo a disposição dos autores de estigmatizar e apoiando aqueles que são estigmatizados para limitar sua vulnerabilidade e fortalecer sua resiliência.
Faz 56 anos desde a publicação do influente trabalho de Goffman “Stigma: Notes on the Management of Spoiled Identity”. No vídeo 1 (Parte 1), apresenta-se uma visão geral teórica do conceito de estigma e se apresenta uma taxonomia útil de três tipos de estigma (segundo Ervig Goffman) e uma classificação posterior, mas com base em Goffman, com cinco categorias. Nos três vídeos seguintes (Partes 2, 3 e 4), abordam-se especificamente o estigma relacionado à hanseníase, epilepsia, doenças mentais, câncer, HIV/Aids e obesidade.
Esta temática faz parte do ideário da humanização na saúde, que tem recebido destaque como um dos principais assuntos na educação dos trabalhadores da saúde, a fim de capacitá-los a prestar assistência integral, promover a saúde e valorizar dimensões subjetivas e sociais, sempre implicadas na saúde-doença.

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4


8 de novembro de 2019

Medicina Medieval

Apresentação sobre Medicina na Idade Média para o Módulo "História da Medicina e da Bioética" - Eixo Humanístico - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil 
Autoria: Estudantes de graduação em Medicina da UFPB do III Período -  Gabriela de Alcântara Fonseca Maria Gabriela Porfírio Pereira Pablo Mariz de Oliveira Patrícia Oliveira Lima de Macedo 
Orientação: Profa. Rilva Lopes de Sousa Muñoz 

Apresentação 

Formato diapositivo
Formato livro

5 de novembro de 2019

Semio-Quiz: Erupção cutânea dolorosa e ulcerações nas extremidades

Figura 1

Paciente do sexo feminino, 59 anos, branca, apresentou erupção cutânea pruriginosa e dolorosa nos cotovelos, sobrepondo-se aos seus nódulos reumatoides. Seus antecedentes patológicos são de artrite reumatoide soropositiva agressiva (AR) , diabetes mellitus tipo 2 mal controlado, hipotireoidismo e fibromialgia. Faz uso de leflunomida e prednisona. No entanto, ela frequentemente descontinuava os medicamentos e não comparecia às consultas agendadas. Múltiplas outras drogas antirreumáticas modificadoras de doenças foram tentadas antes da combinação atual. Esses medicamentos incluíram metotrexato, hidroxicloroquina, sulfassalazina, adalimumabe e infliximabe. A erupção cobriu seus nódulos reumatoides nos cotovelos e antebraços, e piorou, aumentando em tamanho e gravidade, envolvendo as extremidades inferiores desde que ela interrompeu o uso de etanercepte. Fumou um maço de cigarros por dia durante vários anos e abusava de várias substâncias psicoativas.
Ao exame físico, a paciente apresentava múltiplos nódulos em um padrão linear envolvendo as extremidades superiores, inclusive cotovelos, antebraços e articulações metacarpofalangianas múltiplas de ambas as mãos (Figura 1, acima)
Nenhuma placa ou erupção cutânea petequial foi observada.
Nos dois anos seguintes, vários nódulos associados à AR apareceram, juntamente com uma piora na erupção cutânea (Figura 2).

Figura 2

Ela permaneceu inconformada com o regime de drogas. Novas ulcerações nas extremidades inferiores apareceram ao longo do tempo, que foram gerenciadas por cirurgiões vasculares, os quais encontraram evidências de gangrena seca. Pequenas ulcerações também estavam presentes na ponta dos dedos (Figura 3).
Figura 3

Qual dos seguintes é o diagnóstico mais provável?
- Vasculite induzida por drogas
- Estado de hipercoagulabilidade com trombose da pele
- Celulite
- Vasculite reumatoide
- Dermatite de estase
- Embolia séptica

Fonte: 
Mank VMF, Roberts JR. A 59-Year-Old Woman With a Painful Rash and Fingertip Ulcerations. Medscape, 11 de out de 2019. Disponível em: https://reference.medscape.com/viewarticle/919631?src=wnl_casechlg_191105_mscpref_reader&uac=258527DG&impID=2151393&faf=1
Tradução nossa.

29 de outubro de 2019

O Cuidado Centrado no Paciente como Prática de Cuidar de Pessoas


Por Rilva Lopes de Sousa Muñoz

O modelo de cuidado centrado do paciente tem sido estudado há várias décadas. Embora esse conceito de assistência centrada tenha surgido no início dos anos 1950, aumentou exponencialmente na arena das políticas de pesquisa em saúde no final da década de 1990 (JAYADEVAPPA; CHHATRE, 2011). 
É um modelo promissor para melhorar as experiências dos pacientes e profissionais da saúde, assim como para melhorar potencialmente os processos de atendimento, embora as evidências atuais são estejam plenamente estabelecidas quanto aos seus efeitos sobre resultados clínicos e econômicos (JACKSON et al., 2013). No entanto, evidencia-se que as organizações centradas no paciente apresentam resultados mais positivos, como maior satisfação com o atendimento, maior satisfação no trabalho entre os profissionais de saúde, maior qualidade e segurança dos cuidados e maior qualidade de vida e bem-estar dos pacientes (KUIPERS et al., 2019; RATHERT et al. 2017).
As preferências dos pacientes, a informação que se provê a eles e a sua educação, assim como o acesso ao cuidado, o apoio emocional, a participação de familiares e amigos, a continuidade e a transição de cuidados, o conforto físico e a coordenação do cuidado são os componentes do atendimento centrado no paciente. Este engloba desde a tomada de decisão informada, que pode melhorar a escolha do tratamento, a qualidade do atendimento e os seus resultados, até o devido reconhecimento da necessidade de mudanças em todo o processo de atendimento organizado no sistema de saúde em torno do paciente. 
O cuidado centrado no paciente é a prática de cuidar de pessoas (e de suas famílias), incluindo ouvir, informar e envolver os pacientes sob seus cuidados, reconhecendo que ouvir as suas necessidades, valores e preferências, é essencial para fornecer um atendimento de qualidade. Assim, os serviços de saúde devem ser personalizados para cada paciente, com cuidados devem ser coordenados, e a família e os amigos em quem o paciente confia, devem estar envolvidos.
As necessidades específicas de saúde de um indivíduo e os resultados desejados são a força motriz por trás de todas as decisões de cuidados de saúde e medições de qualidade. Os pacientes devem ser parceiros de seus prestadores de serviços de saúde, e os prestadores devem tratar os pacientes não apenas do ponto de vista clínico, mas também do ponto de vista emocional, mental, espiritual e social.
Portanto, o atendimento centrado no paciente e na família impulsiona a colaboração ativa e a tomada de decisão compartilhada entre pacientes, famílias e prestadores de serviços para projetar e gerenciar um plano de atendimento personalizado e abrangente. A maioria das definições de atendimento centrado no paciente tem vários elementos comuns que afetam a maneira como os sistemas e serviços de saúde são projetados e gerenciados, e a maneira como o atendimento é prestado. As preferências, valores, tradições culturais e condições socioeconômicas do paciente e da família são respeitados. A missão, a visão, os valores, a liderança e os fatores de melhoria da qualidade do sistema de saúde estão alinhados aos objetivos centrados no paciente. O atendimento é colaborativo, coordenado e acessível.
O principal objetivo e os benefícios esperados do atendimento centrado no paciente são melhorar os resultados de saúde individuais, não apenas os resultados de saúde da população, embora os resultados da população também possam melhorar em consequência da melhora da atenção individual aos usuários dos serviços de saúde. Não apenas os pacientes se beneficiam, mas os provedores e sistemas de saúde também se beneficiam, através de melhores índices de satisfação entre os pacientes e suas famílias, melhor produtividade entre médicos e funcionários auxiliares.
Nos cuidados centrados no paciente, o cuidado se concentra mais no problema do paciente que no diagnóstico. A empatia, a comunicação bidirecional e o contato visual são essenciais, assim como a capacidade do médico de enxergar além dos sintomas ou dores imediatas do paciente. Essa visão mais ampla das necessidades dos pacientes exige que os prestadores ofereçam serviços ou referência a serviços como programas de suporte por pares, assistentes sociais, provedores de saúde mental e emocional. 
Enquanto a interação humana assume um papel primordial no atendimento centrado no paciente, as práticas médicas também podem empregar uma variedade de ferramentas baseadas em tecnologia para ajudar os pacientes a se apropriar de seus cuidados de saúde fora do consultório médico. As ferramentas variam de portais on-line, permitindo que os pacientes agendem consultas, obtenham informações sobre sua condição e instruções de cuidados, os registros médicos, com aplicativos e tecnologias que permitem que os pacientes acessem seus dados, como peso, pressão arterial, níveis de glicose e colesterol, por exemplo.
No contexto hospitalar, um rigoroso horário de visita e restrições aos visitantes são regras do passado em um modelo de atendimento centrado no paciente. Os pacientes têm a possibilidade de identificar e selecionar quem pode visitá-lo e quando. Os familiares (definidos pelo paciente e não limitados às relações consanguíneas) são convidados a visitar durante as mudanças nos turnos, para que possam fazer parte da equipe de atendimento, participando de discussões e decisões de atendimento. Quando não estão com o paciente, os familiares são mantidos informados sobre o progresso dos pacientes através de atualizações diretas e oportunas.
Percebe-se que o atendimento centrado no paciente também representa uma mudança importante nos papéis tradicionais dos pacientes e de suas famílias de receptores passivos para “membros da equipe”, ativos. Um dos princípios básicos do atendimento centrado no paciente é que os pacientes sabem melhor o quão bem seus provedores de saúde estão atendendo às suas necessidades. Para esse fim, muitos provedores estão implementando pesquisas de satisfação de pacientes, conselhos consultivos de pacientes e familiares e grupos focais, assim como usando as informações resultantes para melhorar continuamente a maneira como as instalações e práticas de atendimento médico são projetadas, gerenciadas e mantidas tanto da perspectiva física quanto da operacional, para que elas se concentrem mais na pessoa do que em uma lista de verificação de serviços forneceu.
À medida que os cuidados de saúde centrados no paciente e na família aumentam, espera-se que os pacientes se tornem mais engajados e satisfeitos com a prestação de seus cuidados, e as evidências de sua eficácia clínica devem continuar aumentando.
O objetivo dos cuidados de saúde centrados no paciente é, portanto, capacitar os pacientes a se tornarem participantes ativos de seus cuidados. Isso requer que médicos, tecnólogos radiológicos e outros prestadores de cuidados de saúde desenvolvam boas habilidades de comunicação e atendam às necessidades dos pacientes de maneira eficaz. O atendimento centrado no paciente também exige que o profissional de saúde se torne um “advogado” do paciente e se esforce para oferecer um atendimento que não apenas seja eficaz, mas também seguro.
O atendimento centrado no paciente está associado a uma maior taxa de satisfação do paciente, adesão às mudanças sugeridas no estilo de vida e tratamento prescrito, melhores resultados e atendimento mais econômico. No entanto, isso requer alterações no sistema de saúde, de modo a melhorar a qualidade geral do atendimento, minimizando o desperdício de recursos de saúde. É necessária uma mudança cultural para que o atendimento centrado no paciente seja implementado. Como em outras formas de assistência médica baseada em valores, a assistência centrada no paciente requer uma mudança na maneira como as práticas e os sistemas de saúde do prestador de serviços são gerenciados. De acordo com os princípios da centralização no paciente, essa mudança não ocorre no vácuo, conduzida por hierarquias tradicionais nas quais os fornecedores ou os médicos são a única autoridade. Todos os membros da equipe devem estar envolvidos no processo, que afeta a contratação, o treinamento, o estilo de liderança e a cultura organizacional.

Referências
Jayadevappa R, Chhatre S. Patient Centered Care - A Conceptual Model and Review of the State of the Art. The Open Health Services and Policy Journal 2011; 4: 15-25

Jackson GL, Powers BJ, Chatterjee R, Bettger JP, Kemper AL, Hasselblad V et al. The Patient-Centered Medical Home: A Systematic Review. Ann Intern Med. 2013;158:169-178.

Kuipers SJ, Cramm JM, Nieboer AP. The importance of patient-centered care and co-creation of care for satisfaction with care and physical and social well-being of patients with multi-morbidity in the primary care setting. BMC Health Services Research 2019; 19:13

Rathert C, Wyrwich MD, Boren SA. Patient-centered care and outcomes: a systematic review of the literature. Med Care Res Rev. 2013;70(4):351–79.

23 de outubro de 2019

Análise Estatística com o SPSS: Minitutorial para Iniciantes


O uso de aplicativos como pacotes estatísticos para a análise de dados é de grande importância no que se refere à análise e à interpretação de resultados de uma pesquisa clínica. 
Atualmente há uma grande quantidade de softwares estatísticos que podem ser eficientemente utilizados para análise de dados de pesquisas. No mercado, existem muitas aplicações informáticas que cumprem essa função, e o Statistical Package for Social Sciences (SPSS) é apenas uma delas, um software que permite realizar praticamente todo tipo de cálculo estatístico, dos mais simples aos mais complexos, com interface amigável, tornando a análise estatística de dados acessível para o utilizador casual e conveniente para o utilizador mais experimentado.
A seguir, apresentam-se dois vídeos elaborados para iniciantes no uso deste software, em duas partes:

ANÁLISE ESTATÍSTICA COM O SPSS: Minitutorial para Iniciantes – Parte I


ANÁLISE ESTATÍSTICA COM O SPSS: Minitutorial para Iniciantes – Parte II

10 de outubro de 2019

Lei Anticrime no Brasil: Lute pela Paz e pela Vida #PacoteAnticrimeEuApoio


Vídeo da Campanha do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil na luta contra o crime no país

Segurança pessoal, segurança da nossa família, segurança pública... Um dos problemas que mais nos assusta e sensibiliza. Os cidadãos deste país clamam por segurança.
Precisamos que o Projeto de Lei Anticrime do Ministro Sérgio Moro seja aprovado no Congresso Nacional. 
O crime e a violência sofridos por indivíduos que vivem em uma comunidade são um importante problema de saúde pública. As pessoas podem ser expostas à violência de várias maneiras: vitimados diretamente, testemunhando violência ou crimes contra sua propriedade, ou ouvir falar de crimes e violência afetando outros cidadãos. Muitos têm familiares que já sofreram pela violência.


Vídeo da Campanha do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil na luta contra o crime no país

Mesmo não sendo afetados diretamente pela violência urbana, não estamos livres de seus efeitos. Existem sérios efeitos à saúde em curto e longo prazos decorrentes da exposição ao crime e à violência. Abordar a exposição ao crime e à violência como um problema de saúde pública pode ajudar a prevenir e reduzir os danos à saúde e ao bem-estar individual e da comunidade.
Todos nós queremos proteger nossa família, principalmente os membros mais jovens e as crianças.


Vídeo da Campanha do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil na luta contra o crime no país

O Governo Federal, por meio do ministro Sérgio Moro, luta para combater o crime no Brasil, mas está encontrando muitas barreiras. Os partidos de Esquerda e o chamado "Centrão" tentam impedir a aprovação da Lei Anticrime e promoveram até a proibição da campanha publicitária do governo para esclarecer a necessidade da aprovação desse conjunto de projetos para tentar coibir o crime.
Neste momento, a sociedade precisa pressionar o Congresso Nacional sob pena de ficarmos sem este importante instrumento de lei aprovado.
Não se cale. Proteste contra os políticos que querem desfigurar o Pacote Anticrime. Defenda a vida humana em todas as situações. Pergunte por que grupos progressistas reforçam a narrativa anti-lei com argumentos falsos, tentando suavizar leis criminais! A principal intenção é não punir o crime. Pergunte, então, quem defende os bandidos... Pergunte.


Vídeo da Campanha do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil na luta contra o crime no país


#PacoteAnticrimeEuApoio

28 de setembro de 2019

Erros de um Estudante de Graduação em Medicina

Veja os erros cometidos por um estudante de graduação em medicina vistos retrospectivamente por ele mesmo e o que faria diferentemente se pudesse voltar a essa fase de sua vida

25 de setembro de 2019

Mortes no Trânsito

Fonte: World Health Organization

Hoje se comemora o “Dia Nacional do Trânsito” no Brasil, celebração no calendário que se insere na Semana Nacional do Trânsito, entre 18 e 25 de setembro, para fomentar o desenvolvimento da conscientização social sobre os cuidados básicos que todo o motorista e pedestre devem ter no trânsito. Esta data comemorativa foi instituída a partir da criação do Código de Trânsito Brasileiro, em setembro de 1997. Como é recente este código!...
Todos os anos um tema específico é debatido ao longo de toda a Semana do Trânsito. Os temas abordados são escolhidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Neste ano, o tema é “No Trânsito, o Sentido é a Vida”.
Em 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial publicaram o Relatório Mundial sobre Prevenção de Lesões no Trânsito (OMS, 2004), que está disponível on-line e, embora devesse ser gratuito e de acesso livre, não o é. Este relatório reuniu tudo o que se sabia sobre a magnitude das lesões no trânsito, descrevendo os princípios de prevenção, os principais fatores de risco e determinantes. Recomendou uma abordagem abrangente à segurança viária, com a participação de vários setores, incluindo transporte, polícia, saúde, indústria, sociedade civil e grupos de interesse especial. Neste relatório, registra-se que apenas 80 dos 178 países usam a mesma definição de morte no trânsito - morte dentro de 30 dias após o acidente. A subnotificação também é um grande problema no fornecimento de estatísticas precisas sobre mortes no trânsito. Isso é ainda mais complicado pela variação no grau de acesso que as pessoas têm aos hospitais.
O primeiro estudo global da OMS sobre mortes prematuras ocorreu em 2009. Este relatório revelou que acidentes de aviação, suicídio e violência estavam entre as principais causas de morte no mundo para pessoas de 10 a 24 anos. Em 2011, a OMS divulgou que os feridos foram responsáveis ​​por 9% de todas as mortes, e os ferimentos no trânsito aparecem na estatística como responsáveis por 3.500 vidas por dia, tornando-se uma das 10 principais causas de mortalidade no mundo. Em resposta ao exposto, a OMS instou os Estados Membros a desenvolverem medidas para prevenir ferimentos e violência no trânsito. A OMS recomendou que tais políticas, estratégias e planos de ação sejam concretos e contenham objetivos, prioridades, cronogramas e mecanismos de avaliação.
Não houve progresso na redução do número de mortes por acidentes de trânsito em nenhum país de baixa renda do mundo entre 2013 e 2016, de acordo com o "Relatório de Status Global de 2018 da OMS sobre Segurança no Trânsito". Globalmente, o número de mortes no trânsito continuou a aumentar, chegando a 1,35 milhão em 2016, como mostram os dados mais recentes. As mortes no trânsito são agora a oitava principal causa de morte para todas as faixas etárias - matando mais pessoas que a tuberculose e o HIV / AIDS - e a principal causa de morte de crianças e jovens entre 5 e 29 anos.
        Principais fatos relacionados ao trânsito reportados pela OMS:
- Aproximadamente 1,35 milhão de pessoas morrem a cada ano como resultado de acidentes de trânsito.
- A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabeleceu uma meta ambiciosa de reduzir pela metade o número global de mortes e feridos por acidentes de trânsito até 2020.
- Os acidentes de trânsito custam à maioria dos países 3% do seu produto interno bruto.
- Mais da metade de todas as mortes no trânsito estão entre os usuários vulneráveis: pedestres, ciclistas e motociclistas.
- 93% das fatalidades mundiais nas estradas ocorrem em países de baixa e média renda, embora estes países possuam aproximadamente 60% dos veículos do mundo.
- As lesões no trânsito são a principal causa de morte de crianças e jovens adultos de 5 a 29 anos.

Referências
Organización Mundial de la Salud. OMS. Informe mundial sobre prevención de los traumatismos causados por el trânsito. PAHO Publicación científica y técnica, No 599, 2004. Disponível em: http://apps.who.int/bookorders/anglais/basket1.jsp. Acesso em: 25 set 2019

World Health Organization. Global status report on road safety 2018. Geneva: World Health Organization; 2018. Licence: CC BYNC-SA 3.0 IGO. Disponível em: https://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2018/en/. Acesso em: 25 set. 2019

World Health Organization. Road traffic injuries. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/road-traffic-injuries. Acesso em: 25 set. 2019.

*Programação deste ano: https://portaldotransito.com.br/educacao/semana-nacional-de-transito/programacao-da-semana-nacional-de-transito-2019-nas-capitais/

Fonte da imagem: Gráficos das estatísticas referentes ao Brasil no relatório de status global da OMS sobre segurança no trânsito (2018), que apresenta informações de 175 países. 

24 de setembro de 2019

História da Bioética: Questões Propostas


DEVOLUTIVA COM EXPLICITAÇÃO DE EXPECTATIVAS DE RESPOSTAS PARA OS ALUNOS DO MÓDULO "HISTÓRIA DA MEDICINA E DA BIOÉTICA" / CCM / UFPB

1- Visualize a figura que se encontra no topo da presente postagem e escreva sobre o que compreendeu a partir desta ilustração (Fonte: Dr. Craig Klugman*).
Estudar a história do desenvolvimento de códigos de ética nos fornece um meio de entender como outras sociedades enfrentaram questões éticas. Isso requer uma apreciação dos aspectos sociais, culturais, econômicos e políticas do passado, do presente e, hipoteticamente, do futuro, o que a maioria da turma fez.
Nestes quase 20 anos do século XXI, já são desmesuradas as diferenças em relação a todos os séculos anteriores. No passado, cada sociedade definiu suas expectativas de comportamento médico com base nas crenças religiosas, o que foi um aspecto destacado pela maioria dos alunos.
Isso começou a mudar quando houve a separação entre Igreja e Estado ao final da Idade Média. Na Idade Moderna, começaram a surgir códigos de ética e houve a consolidação da profissionalização médica na Europa.
Como resultado dos avanços científicos no conhecimento médico durante o Renascimento e o Iluminismo, o treinamento e a prática médica gradualmente começaram a se profissionalizar e reivindicar o direito à autorregulação. Isso levou à criação dos primeiros códigos formais de ética, como o de Thomas Percival (século XVIII). No mesmo século, o filósofo iluminista Immanuel Kant ajudou a proporcionar avanços científicos com seus pensamentos quanto a  mudanças nas atitudes morais das sociedades, uma vez que infere a importância de se pensar racionalmente e se entende que a moral deve vir deste pensamento racional. É imperativo fazer o que é certo, porque aquilo é fazer o que é correto. Assim, a filosofia moral de Kant contribuiu decisivamente com o desenvolvimento da ética médica e da bioética.
No presente, ainda sob o impacto desse desenvolvimento humanístico, explodiram os avanços da tecnologia e da ciência, que não são neutros, pois seus impactos sociais, políticos e morais tornaram-se claros rapidamente. Com esta evolução, vem a variável adicional de se avaliarem as implicações éticas de avanços biotecnológicos que ainda não existem, ou coisas que podem ter impactos que não podemos prever. A transferência de consciência para computadores, um mundo administrado por robôs, tudo isso parece cada vez mais plausível e possivelmente praticável no futuro. No entanto, não podemos sequer imaginar como será o mundo daqui a 50 anos, um aspecto que foi discutido de forma marcante em um dos nossos seminários, por ocasião da ideia de Ramon, de que possivelmente a máquina substituirá o médico. Já vivemos em uma sociedade digital hoje e estamos observando os efeitos dessas novas tecnologias. Mas as máquinas poderiam gradualmente substituir os médicos, usurpando seu conhecimento técnico e cirúrgico? Sabemos que no futuro, os robôs farão algumas operações por conta própria. À medida que a inteligência artificial continua a evoluir, os algoritmos serão capazes de executar tarefas clínicas - como diagnosticar doenças e propor condutas - muito mais rapidamente e com maior precisão do que qualquer médico humano.  Mas substituir o médico, isso é muito improvável e difícil de acontecer, embora a Inteligência Artificial possa transformar o significado do que é ser médico. Como é possível que a incorporação da automação em um robô ou um algoritmo, substitua um médico? Pode haver uma ética digital incorporada pelos robôs? O que é ética? O que é moral? Uma máquina poderia ter emoções, sentimentos, compaixão, solidariedade? Não... Por outro lado, tecnologias digitais complexas exigem profissionais competentes por trás dos robôs. Além disso, uma mesma doença pode ter sintomas diferentes de acordo com a história de vida de um paciente, e não é possível que uma máquina possa perceber isso. A vida é complexa demais para ser manuseada completamente por máquinas e, além disso, acima de tudo, não seria ético. O ser humano só pode ser inteiramente cuidado por outro ser humano. É preciso ter uma alma para praticar o diagnóstico e o alívio do sofrimento.

2- “A história é escrita pelos vencedores”: Esta é uma frase escrita por George Orwell, um dos escritores mais influentes do século XX, e mencionada por seu colega Thênio durante a aula de História da Bioética em 16.09.19. Comente esta célebre citação, contextualizando-a no escopo da história da Bioética.
Em 1945, na cidade alemã de Nuremberg, os vencedores da II Guerra Mundial iniciaram o primeiro julgamento internacional por crimes de guerra. Os nazistas foram acusados ​​coletivamente por cometer crimes contra a paz, crimes contra a humanidade (incluindo o recém-definido crime de genocídio na época), crimes de guerra no sentido comum e em termos de experimentos atrozes envolvendo seres humanos. Contudo, o ditado de que a história é escrita pelos vencedores é verdade quando se trata da II Guerra. Os aliados são retratados até hoje como heróis que salvaram o mundo inteiro dos males de Hitler e dos japoneses. No entanto, enquanto os livros de história descrevem os aliados dessa forma, a realidade era muitas vezes muito mais perturbadora e muito menos lisonjeira. Os “vencedores” têm o poder de moldar narrativas históricas por meio de livros escolares, iconografia pública, filmes e vários outros meios. Certamente esses meios são locais poderosos para estabelecer ideologias políticas e moldar suposições sobre a maneira como os eventos aconteceram. Entidades governamentais ou "oficiais" podem explorar esse poder para alcançar seus próprios fins. Sabe-se que os aliados também cometeram muitas atrocidades durante a II Guerra Mundial, embora não haja dúvida de que o Eixo seguramente foi pior. Contudo, os vencedores contaram apenas a sua versão. No entanto, essa versão predominante se articula com o poder, mais que com a vitória. Um exemplo da história escrita pelos perdedores é o relato da Guerra do Vietnã. Embora seja discutível se os EUA perderam essa guerra, eles certamente não a venceram, mas a esmagadora maioria da documentação histórica da guerra vem dos EUA, que contam uma “história mais conveniente”. Então, podemos enfatizar que “A história é escrita pelos poderosos”, parafraseando a citação de George Orwell.

3- A repórter Jean Heller, da Associated Press, publicou no New York Times, em 26/7/1972, uma matéria denunciando um projeto de pesquisa que infringia gravemente a Bioética que conhecemos hoje. Houve grande impacto desta denúncia na sociedade. Explique que pesquisa foi esta e nomine os princípios bioéticos violados pelos pesquisadores.
O recorte da matéria a que se refere esta questão está em inglês, mas no corte apresentado, está escrito “Tuskegee Study” e ao se conhecer este caso emblemático da história da Bioética, não é necessário tradução nenhuma.
O Estudo de Sífilis de Tuskegee foi um dos mais casos paradigmáticos de abusos em pesquisas nos Estados Unidos no pós-guerra. Uma pesquisa realizada de 1932 a 1972 em Tuskegee, Alabama, no país onde nasceu a Bioética. De 600 homens afro-americanos pobres - e principalmente analfabetos -, 400 foram infectados com a bactéria da sífilis, para serem acompanhados por 40 anos. Exames médicos gratuitos foram realizados; no entanto, os indivíduos não foram informados sobre seu diagnóstico. Embora a cura (penicilina) tenha se tornado disponível na década de 1950, o estudo continuou até 1972, sendo negado a estes participantes o tratamento adequado. Em alguns casos, quando outros indivíduos receberam diagnóstico de com sífilis por outros médicos, os pesquisadores intervieram para impedir o tratamento. Muitos dos participantes da pesquisa sofreram mortes lentas e com muito sofrimento durante o estudo, que foi interrompido somente em 1973 pelo Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar dos EUA, depois que sua existência foi divulgada mediante o artigo publicado no New York Times.
De modo óbvio, os pesquisadores do Tuskegee Syphilis Study violaram os quatro princípios da Bioética, pois os pesquisadores mentiram sobre a condição dos participantes, mentiram sobre o tratamento, violando a sua autonomia e dignidade. Assim, o respeito às pessoas exige que os pesquisadores médicos obtenham um consentimento informado dos participantes do estudo, o que significa que os eles devem receber informações precisas sobre sua situação e opções de tratamento para que possam decidir o que lhes acontecerá. No estudo, se violou também o princípio da Beneficência, que significa que todos os sujeitos do teste devem ser informados de todos os riscos possíveis, além dos benefícios do (s) tratamento (s) pelo qual concordam em se submeter. Tendo sido escolhidos com base em raça, gênero e classe econômica, contrariando o princípio da Justiça que, na verdade é duplo. Justiça individual significa que um médico ou pesquisador não pode administrar tratamento potencialmente útil a alguma classe preferida de participantes enquanto oferece tratamentos mais arriscados ou nenhum tratamento eficaz a qualquer outra pessoa. Por outro lado, a justiça social sustenta que os participantes da pesquisa devem ser selecionados de maneira justa e aleatória, sem considerar nenhuma classe econômica, social e de gênero. O estudo também violou o princípio da Não-Maleficência, que se desenvolveu a partir do princípio da beneficência, nenhum mal deve ser causado intencionalmente. Ou seja, antes de tudo vem a obrigação de não fazer o mal. O profissional da saúde/pesquisador deve ter como princípio que todo o seu conhecimento apenas deverá ser aplicado para beneficiar ao cliente e/ou à coletividade e os fins devem ser lícitos. Nenhum procedimento sob nenhum argumento deve causar danos, mesmo que tenha um fim útil. Os fins não justificam os meios, e no estudo Tuskegee, morte e sofrimento humano foram infringidos intencionalmente a cidadãos americanos, que foram usados como meio e não como fim em si mesmos.

4- Formule um exemplo na prática médica ou na pesquisa clínica em que a obrigação prima facie deve ser aplicada.
A questão é que os princípios da Bioética por si só muitas vezes não são suficientes para determinar o que devemos fazer. Temos que ver quais deveres prima facie têm prioridade na situação que enfrentamos.
Há vários exemplos em que surge a necessidade de aplicar a vinculação prima facie, entre os quais, citam-se os seguintes:
- Uma mulher da comunidade religiosa Testemunhas de Jeová foi levada à setor de emergências de um hospital, após um acidente de carro. O diagnóstico foi de “politraumatismo e lesão da artéria subclávia”. Ela estava consciente e orientada, e declarou sua recusa em receber transfusões de sangue, solicitando sua transferência para um hospital equipado para oferecer tratamentos alternativos. Seu registro clínico foi anotado com as palavras: “Testemunha de Jeová - Recusa Transfusões”. Mais tarde, com a deterioração de sua condição clínica, a paciente foi submetida a uma cirurgia, no decurso da qual foi verificada uma ampla laceração da artéria e da veia subclávias. Enquanto a cirurgia estava em andamento, os médicos tiveram que realizar uma transfusão de sangue, caso contrário, a paciente apresentaria choque hemorrágico e morreria. Beneficência, neste caso, entra em conflito com a autonomia.
- Um médico encontra duas pessoas envolvidas em um grave acidente em uma via pública, e os acidentados precisam de primeiros socorros imediatos ou seus ferimentos serão fatais. Infelizmente, após chamar o SAMU, ele não tem outra ajuda por alguns minutos e, enquanto ele estiver assistindo uma vítima, a outra provavelmente morrerá. O princípio da beneficência, neste caso, se aplica a dois objetos de preocupação moral e exige que o médico ajude as duas vítimas de acidentes, embora ele provavelmente possa salvar apenas uma. Beneficência, neste caso, entra em conflito com a justiça.
- Uma mulher está grávida e não deseja levar adiante esta gestação. O aborto é uma das questões mais controversas no mundo de hoje. A criminalização do aborto, viola a autonomia da mulher, ou seja, o direito que ela possui de realizar suas livres escolhas, principalmente em relação ao seu próprio corpo, que constitui a autonomia e ao direito de fazer suas próprias escolhas dentro do espectro de possibilidades morais. O respeito pelas escolhas humanas autônomas tem forte posição na moral secular, pois o cumprimento desse direito, que é criminalizado no Brasil, pode estar em conflito com a moral. A não-maleficência é o princípio que impõe uma obrigação de, acima de tudo, não prejudicar outros seres humanos, sendo particularmente invocado neste contexto, pois se o princípio da autonomia fosse aplicado a uma gravidez indesejada na qual não houvesse circunstâncias atenuantes (risco de vida para a mãe, por exemplo), o término da gravidez levaria à violação dos direitos do feto à vida para aqueles que acreditam que os fetos já são seres humanos plenos.
- Um estudante de medicina em um programa de extensão comunitário da UFPB que atende a pessoas sem-teto na cidade de João Pessoa, tem como tarefa entrar em contato e oferecer abrigo para as pessoas que vivem nas ruas e não têm residência permanente. Um dia, ele encontra um jovem de 20 anos segurando uma garrafa grande de aguardente, e começou a conversar com ele. O estudante tinha sido treinado em habilidades de engajamento apropriadas para esse tipo de situação, e explicou ao homem que ele era afiliado a um programa que poderia providenciar abrigo e comida. O homem respondeu que não precisava de ninguém, que odiava esses abrigos e que queria ser deixado em paz. Mas começava a chover muito forte, e o estudante ficou preocupado com o fato de o homem ficar pelas ruas naquela noite de muita chuva e sucumbir a uma situação de risco e ficar gravemente ferido ou morrer. O estudante sentiu-se preso entre seu dever prima facie de respeitar o direito do homem à autodeterminação e autonomia, e seu dever prima facie de ajudá-lo em situação de vulnerabilidade.

5- O ato médico do exame clínico do doente demanda a aplicação do Consentimento Informado? Comente sua resposta.
Sim, é necessário consentimento para todo o exame clínico. Mas o consentimento será apenas verbal neste caso. O próprio ato de um paciente entrar em um consultório médico e expressar o seu problema de saúde é tomado como um consentimento implícito para o exame físico geral e as investigações de rotina. O exame íntimo, especialmente em pacientes do sexo feminino, exige o consentimento expresso, mesmo que de forma oral. O consentimento expresso por escrito é preferível em situações que envolvam intervenções de risco e realização de testes invasivos. O formulário de consentimento não deve ser confundido com o processo de consentimento; o formulário apenas documenta que o processo ocorreu.

Imagens:
*Topo da postagem: Fonte - https://craigklugman.com – usada com permissão do autor, Dr. Craig Klugman, por e-mail -  [imagem adaptada – tradução livre para o português]. Agradeço ao Dr. Klugman pela cortesia.
**Recorte de notícia do The New York Times  em 26.07.1972

15 de setembro de 2019

Bioética: Passado, Presente e Futuro

Rilva Lopes de Sousa Muñoz

A ética é uma disciplina filosófica referente às noções do que é bom e ruim, certo e errado. Bioética é a aplicação da Ética no campo das Ciências da Vida. Os profissionais da ética e da bioética fazem perguntas relevantes para a reflexão dos profissionais da saúde, autoridades, pensadores de políticas públicas e da academia, enfim, da sociedade como um todo. Os bioeticistas fazem mais perguntas do que fornecem respostas.
Lopes (2014) destacou, em seu artigo "Bioética: Uma breve história - de Nuremberg (1947) a Belmont (1979)", uma frase de Epiteto (55-135 dC), filósofo estoico que viveu no início da era cristã, que diz: “Primeiro, aprenda o significado do que você diz, e só então diga”. O referido autor comenta que existem termos que parecem simples, mas quando se deseja defini-los, surge certa confusão, lembrando  também que Santo Agostinho (354-430 d. C.) falou sobre isso, a propósito do tempo, quando questionou, em sua obra "Confissões": “O que é o tempo?’ Ele refletiu, surpreso, e disse: “Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se me perguntam, e quero explicar, já não sei.” (LOPES, 2014). Então, questiona-se, em analogia à pergunta desse filósofo: o que é a bioética e o que esta nova disciplina aportou ao corpo de conhecimentos humanísticos? Por outro lado, quem se qualifica como “bioeticista”?
Quando Hipócrates escreveu sua máxima primum non nocere ("primeiro, não faça mal"), ele estava lidando com um dos principais problemas ainda enfrentados pela medicina: o papel e o dever do médico. Com o advento da ciência no século XVII, surgiu um campo acadêmico para refletir não apenas as questões importantes e antigas levantadas pela prática da medicina, mas também os problemas éticos gerados pelo rápido progresso na tecnologia e na ciência. Quarenta anos após o surgimento desse campo, a bioética agora reflete as profundas mudanças na medicina e nas ciências da vida.
A difusão e o impacto na sociedade e no cotidiano da vida humana da tecnologia levaram a uma crescente conscientização de que ciência e tecnologia não podem ser consideradas acima ou além do domínio dos julgamentos de valor e, portanto, da ética. Foi assim que a Bioética surgiu em resposta ao desconcertante desenvolvimento pós-guerra, empreendimentos em biologia, medicina e biotecnologia. Até agora, os historiadores não têm pesquisado neste campo. A maioria dos registros sobre o “nascimento” da Bioética foi escrita pelos próprios bioeticistas ou por cientistas sociais, alguns dos quais tornaram-se bioeticistas.
Os bioeticistas fazem perguntas no contexto da medicina moderna e da saúde. Eles se valem de uma visão pluralista de tradições, tanto seculares quanto religiosas, para gerar discursos civis sobre questões controversas de diferença moral e outras com as quais a maioria das pessoas concorda. Eles fomentam o conhecimento público e a compreensão da filosofia moral e dos avanços científicos na área da saúde. Eles observam como a tecnologia médica pode mudar a maneira como experimentamos o significado de saúde e doença e, finalmente, a maneira como vivemos e morremos.
  A bioética é multidisciplinar. Combina filosofia, teologia, história e direito com medicina, enfermagem, política de saúde e humanidades médicas. Insights de várias disciplinas são trazidos para a interação complexa da vida humana, ciência e tecnologia. Embora suas questões sejam tão antigas quanto a humanidade, as origens da bioética como um campo são mais recentes e difíceis de capturar em uma única visão. Wilson (2013) considera que existe uma relutância dos historiadores em se envolver com a Bioética, com base em uma leitura incorreta do campo, que é apenas redutível à ética aplicada, e se ignoram suas perspectivas históricas. Os historiadores acreditam que sua tarefa é recuperar a vida de indivíduos, culturas ou grupos sociais do passado e não se sentem à vontade em extrapolar isso para o presente, uma vez que a Bioética é uma disciplina recente. Contudo o mesmo autor considera que a Bioética, como um ponto de encontro interdisciplinar, deveria interessar aos historiadores, que poderiam contribuir com os debates bioéticos sob uma nova perspectiva. Os historiadores consideram que descontextualizar a ética na medicina seria crucial para ajudar os bioeticistas a adquirir autoridade profissional e pública. 
Historiadores da ciência e da medicina documentaram questões morais associadas a práticas médicas e biológicas específicas - por exemplo, experimentos envolvendo seres humanos, vivissecção, vacinação compulsória, aborto e transplante de órgãos - mas poucos têm procurado se envolver com a bioética. A única colaboração real ocorreu no final da década de 1970, quando vários historiadores americanos discutiram o contexto histórico das questões éticas contemporâneas em revistas e instituições bioéticas (WILSON 2013).
Uma cronologia de alguns eventos marcantes mostra a década de 1970 como a do florescimento da Bioética. As primeiras instituições bioéticas do mundo foram o Hastings Center e o Kennedy Institute of Ethics, fundados em 1969 e 1971, respectivamente. O primeiro de uma série de leis federais e comissões de bioética foi criadao nos Estados Unidos em 1974, dando origem ao influente Relatório Belmont, que resumiu os princípios fundamentais e diretrizes promulgadas para experimentação em seres humanos, e que ficou pronto em 1978. O mesmo ano de 1978 trouxe a importante The Encylopedia of Bioethics. A visão de que a Bioética era uma forma de ética aplicada foi lançada em 1979 no livro de Tom Beauchamp e James Childress, “Principles of Biomedical Ethics”, texto fundamental, publicado em 1979 e que ajudou a afiançar a operacionalidade do "principialismo", a ideia de que os princípios éticos "universais" poderiam levar à resolução de casos moralmente complexos. Beauchamp e Childress alegaram que os problemas éticos poderiam ser resolvidos através da aplicação de quatro princípios: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça.
Portanto, institucionalmente, a Bioética é um produto da década de 1970. Mas as influências para seu surgimento são históricas, vêm de mais longe no tempo. De fato, a ascensão de a Bioética carrega um marcador sistêmico da história americana, implicando um impulso sociocultural que remonta à fundação da nação. Como seus análogos históricos, bioeticistas fundadores expressaram profunda preocupação com os avanços tecnológicos irrestritos na área biomédica, pelos cientistas que constituíam parte de elite que celebra os indicadores de “progresso”, incluindo o progresso tecnológico, industrial e até o que alguns chamam de “revolução biológica” (STEVENS, 2014).
A raiz mais contemporânea da Bioética está fundamentada nas décadas de 1950 e 1960. Os turbulentos anos 1960 e seus legados marcantes de desafios à autoridade (por exemplo, ativismo dos direitos civis, protestos contra a guerra do Vietnã, ambientalismo, feminismo de segunda onda, direitos dos pacientes) foram altamente influentes na ascensão e institucionalização da bioética. 
Eles apontam também para o impacto da conscientização humana, os escândalos experimentais no pós-guerra, os infames casos de pesquisas com infração ética grave, como os de Willowbrook e de Turskegee, assim como às revelações de Henry Beecher em 1966 sobre 22 casos de estudos realizados no período pós-guerra que continham violações éticas importantes.
Os três principais conjuntos de fatores que concorreram para o surgimento e desenvolvimento da Bioética foram os seguintes:
(a) os dilemas e escândalos envolvendo a pesquisa biomédica, mesmo após terem sido firmados, na comunidade científica internacional, os princípios para regular a pesquisa com seres humanos, a partir da Declaração de Helsinki, e após o Julgamento de Nuremberg - exemplos emblemáticos de pesquisas que infringiram gravemente a dignidade humana e a ética foram:

- Estudo Tuskegee de sífilis não-tratada em homens negros, um projeto desenvolvido pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos ao longo de 40 anos (1932-1972);

- Estudo em que médicos infectaram, propositadamente, com o vírus da hepatite B, cerca de 700 a 800 crianças com retardo mental, com o objetivo de desenvolver uma vacina;

- Estudo em que pesquisadores injetaram células hepáticas cancerígenas em vinte e dois pacientes idosos e senis em 1964 com o propósito de aprender mais sobre a relação do sistema imunitário com o câncer.

(b) o rápido progresso científico na área biomédica: os grandes e vertiginosos avanços científico-biotecnológicos aliados à ausência de uma postura ética em relação ao uso dos recursos biológicos vieram demonstrar que a ciência nem sempre se faz a favor da pessoa - as normas éticas tradicionais tornaram-se insuficientes e, por vezes, inadequadas, para a atualidade

c) A ampla mobilização da sociedade civil organizada, em particular a norte-americana, em torno da transformação dos valores sociais no Ocidente - A bioética é um produto típico da cultura da segunda metade do século XX, quando movimentos sociais marcaram sua participação ativa na discussão da agenda do bem-estar humano, tais como liberdade, segurança, saúde e distribuição de recursos materiais.

Também foram importantes os dilemas relacionados à assistência médica, como ocorreu na criação do Comitê de Seleção de Hemodiálise de Seattle – “God Commission”).

Por outro lado, eventos mais gerais também foram propulsores do surgimento e desenvolvimento da Bioética. O desenvolvimento da bomba atômica, por exemplo, também implicou no surgimento de uma política da dimensão não neutra da ciência. A bomba atômica fez muitos cientistas questionarem os usos da pesquisa científica. Outros fatores ligados à II Guerra Mundial, de forma semelhante, representaram marcos profundos na base sobre a qual se erigiu a Bioética. 
Qual a influência da analogia nazista para os recentes debates médicos sobre a eutanásia? A história da eugenia estaria sendo revivida nas modernas tecnologias genéticas? E o que a história trágica da talidomida e sua recente reintrodução para novos tratamentos médicos nos dizem sobre como os governos resolvem dilemas éticos? São questões inquietantes que inevitavelmente remetem ao que já foi vivido no passado em relação aos funestos eventos da II Guerra.
No sentido dessas questões, a Bioética na perspectiva histórica mostra como a compreensão da História da Medicina ainda hoje desempenha um papel relevante na pesquisa e no pensamento  político na atualidade. Os pesquisadores passaram a ser vistos como o "Dr. Frankenstein", pois poucos haviam se disposto a alertar o público sobre os riscos morais de engenharia genética humana. O segundo exemplo histórico diz respeito ao debate público que se seguiu na década de 1970, quando começaram a se instituir medidas heroicas para neonatos prematuros ou com deficiências (STEVENS, 2014). 
Aparentemente, todos os dias a sociedade enfrenta um novo desafio ético levantado por uma inovação científica. Engenharia genética humana, pesquisa com células-tronco, transplante de face, biologia sintética - todos eram ficção científica apenas algumas décadas atrás, mas agora são todos realidade. Como a sociedade decide se essas tecnologias são éticas? Por décadas, os bioeticistas profissionais serviram como mediadores entre um público ocupado e tomadores de decisão, ajudando as pessoas a entender suas próprias preocupações éticas, estruturando argumentos, desacreditando alegações ilógicas e levantando questões promissoras. Esses bioeticistas operam em vários locais, como a tomada de decisões em hospitais, instituições que realizam pesquisas com seres humanos e a recomendação de políticas éticas ao governo. Contudo, os formuladores de políticas estão menos inclinados a seguir o conselho de profissionais da bioética (bioeticistas), pois muitos debates bioéticos simplesmente se tornaram políticas partidárias com duelos entre bioeticistas conservadores e progressistas (EVANS, 2012).
 Embora essa crise esteja contida na tarefa de recomendar ética ao governo, existe o risco de que ela se espalhe para as outras tarefas conduzidas pelos bioeticistas. Os debates sobre bioética foram originalmente dominados por teólogos, mas passaram a ser desenvolvidos posteriormente pelos profissionais emergentes da Bioética, devido ao envolvimento sutil e lento do governo como principal consumidor de argumentos bioéticos. No entanto, após a década de 1980, as opiniões do governo mudaram, fazendo argumentos bioéticos não parecerem tão legítimos. 
O transplante de órgãos, a diálise renal, os respiradores e as unidades de terapia intensiva (UTI) possibilitaram um nível de atendimento médico nunca antes alcançádo, mas esses avanços também levantaram dilemas éticos assustadores que o público nunca havia sido forçado a enfrentar anteriormente, como quando admitir um doente em uma UTI ou quando tratamentos como diálise podem ser suspensos em doentes com doença renal terminal em cuidados paliativos. O advento dos contraceptivos e as técnicas seguras para realizar abortos também aumentaram os dilemas éticos. Ao mesmo tempo, as mudanças culturais colocaram uma nova ênfase na autonomia e nos direitos individuais, preparando o terreno para um maior envolvimento do público e controle sobre os cuidados e tratamentos médicos. 
Os debates públicos sobre o aborto, a liberdade contraceptiva e os direitos dos pacientes têm ganhado força, e a bioética tornou-se uma área legítima de atenção acadêmica. As mudanças culturais colocaram uma nova ênfase na autonomia e nos direitos individuais, preparando o terreno para um maior envolvimento e controle do público sobre os cuidados e tratamentos médicos. 
Nos seus primeiros anos, o estudo de questões bioéticas foi realizado por  autores de departamentos universitários tradicionais de religião ou filosofia. Esses estudiosos escreveram sobre problemas gerados pela nova medicina e tecnologias da época, mas não faziam parte de uma comunidade discursiva que poderia ser chamada de "campo acadêmico". Individualmente, estudiosos trabalhando isoladamente, começaram a legitimar questões bioéticas que merecem rigoroso estudo acadêmico. Mas a bioética se solidificou como um campo somente quando se alojou em instituições especificamente dedicadas ao estudo dessas questões. 
A bioética acadêmica nasceu com a criação do primeiro "centro de bioética" mas, ironicamente, surgiu por meio da criação de uma instituição que não fazia parte da academia tradicional. A primeira instituição dedicada ao estudo de questões bioéticas foi um centro independente de bioética, propositadamente removido da academia com suas rígidas demarcações de estudo acadêmico. A instituição foi o Hastings Center, fundado pelo filósofo e teólogo Daniel Callahan, juntamente com o psiquiatra Willard Gaylin, que criaram a instituição para ser um centro interdisciplinar dedicado exclusivamente ao estudo sério de questões bioéticas. Com os departamentos acadêmicos funcionando como ilhas dentro de uma universidade, parecia que um trabalho verdadeiramente interdisciplinar era impossível. O Hastings Center foi fundado para criar um espaço intelectual para o estudo dessas questões importantes sob múltiplas perspectivas e áreas acadêmicas. 
A segunda instituição que ajudou a solidificar o campo da Bioética foi o Kennedy Institute of Ethics, inaugurado na Universidade de Georgetown em 1971. Os fundadores tinham objetivos semelhantes aos do Hastings Center, apesar de colocarem seu centro na academia tradicional. Enquanto alojado fora de quaisquer departamentos acadêmicos em particular, o Instituto Kennedy parecia mais um departamento tradicional, oferecendo programas de graduação e estabelecendo nomeações de professores segundo um modelo universitário.
A partir desse começo modesto, o campo da Bioética explodiu, com dezenas de universidades seguindo o exemplo, criando instituições cuja única função era o estudo de questões bioéticas. Seu crescimento foi impulsionado pelo surgimento de novas tecnologias, como o coração artificial e a fertilização in vitro, além de novos desafios, como o do HIV/AIDS. A Bioética está agora permanentemente no mapa acadêmico e no discurso público.
A Bioética continuará a se expandir e a ser considerada importante porque as ciências biológicas continuarão em seu vertiginoso desenvolvimento. Políticas éticas serão necessárias em todas as instituições. Códigos e leis, nacionais e internacionais, políticas e profissionais, precisarão ser desenvolvidos e, em seguida, continuamente aprimorados e atualizados. Não há fim à vista para novos papéis para os profissionais que conhecem a bioética. 

Referências
Evans JH. The History and Future of Bioethics: A Sociological View. Oxford Scholarship Online, 2012

Lopes AG. Bioethics – a brief history: from the Nuremberg code (1947) to the Belmont report (1979). Rev Med Minas Gerais 2014; 24(2): 253-264 2

Wilson D. What can history do for bioethics? Bioethics 2013; 27(4):215-23

Stevens MLT. The History of Bioethics: Its Rise and Significance.  Reference Module in Biomedical Research, 3rd edition. San Francisco State University: San Francisco. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/411c/465786abd8240a3b6e2745df1c9338f22c79.pdf


Imagem: https://www.europewatchdog.info/en/international-treaties