23 de maio de 2010

Adiposidade abdominal e risco cardiovascular

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB, Campus I (Período 10)
Resumo
Aponta-se uma estreita relação existente entre gordura visceral, resistência à insulina e risco cardiovascular. Achados sugerem que a obesidade visceral contribui significativamente para o desenvolvimento de doença arterial coronariana também em indivíduos não-obesos. A circunferência da cintura é o método mais comumente usado na literatura para avaliar a adiposidade visceral, havendo sugestões de pontos de corte associados a maior risco cardiovascular. Todas as propostas de critérios diagnósticos para a síndrome metabólica levam em consideração a obesidade abdominal. A relação entre doença cardiovascular e circunferência abdominal e o índice de massa corporal foi verificada em todas as regiões geográficas, mesmo naquelas onde as pessoas eram magras. Entretanto, em 75% das regiões, a associação das doenças cardiovasculares com a circunferência abdominal foi mais forte que a associação com o índice de massa corporal.
Palavras-Chave: Obesidade. Risco cardiovascular. Epidemiologia.
O acúmulo de tecido adiposo visceral está relacionado com anormalidades metabólicas, as quais contribuem para o aumento do risco de doença cardiovascular. Síndrome metabólica (ou Síndrome X) é um termo utilizado­ para descrever um conjunto de anormalidades metabólicas e hemodinâmicas, frequentemente presentes no indivíduo obeso. Hoje é amplamente conhecido o papel da resistência à insulina (RI) como elo entre a obesidade de distribuição central, intolerância à glicose, hipertensão arterial, dislipidemia, distúrbios da coagulação, hiperuricemia e microalbuminúria (RIBEIRO FILHO et al., 2004).
A prevalência da síndrome metabólica é estimada entre 20 a 25% da população geral, com comportamento crescente nas últimas décadas, entre homens e mulheres mais velhos, chegando a 42% entre indivíduos com idade superior a 60 anos. Indivíduos com síndrome metabólica apresentam risco 2 a 3 vezes maior de morbidade cardiovascular que indivíduos sem a síndrome. Considerando que existam cerca de 200 milhões de pacientes diabéticos em todo o mundo e que 80% vão falecer devido a doenças cardiovasculares, há um enorme apelo médico e sócio-econômico para se identificar marcadores da síndrome metabólica que possam auxiliar no combate à progressão da atual epidemia (Op. Cit). Em estudos epidemiológicos, o ganho ponderal é um fator de risco independente para o desenvolvimento da síndrome metabólica. Obesidade é considerada um grave problema de saúde pública da atualidade, apresentando prevalência crescente nas últimas décadas em diversas populações. No entanto, descrevem-se "obesos metabolicamente saudáveis", sem características da síndrome metabólica, inclusive em indivíduos com obesidade grau III. Do outro lado estão os pacientes com índice de massa corpórea (IMC) normal que preenchem os critérios para serem considerados portadores da síndrome metabólica.
São descritos também indivíduos com peso normal, ou até mesmo com taxa de gordura corporal total baixa, que apresentam tal diagnóstico devido à quantidade de tecido adiposo intra-abdominal; para a gordura subcutânea não foi encontrada associação com a síndrome metabólica. A observação que populações com baixo IMC poderiam apresentar elevada prevalência das anormalidades características da síndrome metabólica levantou o questionamento de que não seria o excesso de gordura corporal total, mas, sim, a distribuição da adiposidade. Nos últimos anos, o tecido adiposo deixou de ser considerado apenas um reservatório de energia para ser reconhecido como órgão com múltiplas funções. Atualmente, sabe-se que o adipócito recebe a influência de diversos sinais, como a insulina, cortisol e catecolaminas, e, em resposta, secreta uma grande variedade de substâncias que atuam tanto local como sistemicamente, participando da regulação de diversos processos como a função endotelial, aterogênese, sensibilidade à insulina e regulação do balanço energético. Também é conhecido que o adipócito, de acordo com sua localização, apresenta características metabólicas diferentes, sendo que a adiposidade intra-abdominal é a que apresenta maior impacto sobre o risco cardiovascular. Atualmente, a associação da adiposidade abdominal com os componentes da síndrome metabólica está bem estabelecida. Pacientes com maior grau de resistência à insulina apresentam maior deposição intra-abdominal de gordura. Ainda, aponta-se a estreita relação existente entre gordura visceral, resistência à insulina e risco cardiovascular. Achados sugerem que a obesidade visceral também possa contribuir para o desenvolvimento de doença arterial coronariana em indivíduos não-obesos.
Diante da relevância da gordura visceral no estudo da síndrome metabólica, diversos métodos vêm sendo propostos para avaliação da distribuição da gordura corporal e quantificação da adiposidade intra-abdominal. A tomografia computadorizada do abdome é considerada o método "padrão-ouro" para determinação da gordura visceral, permitindo a diferenciação da adiposidade subcutânea e visceral nesta região (DINIZ et al., 2009). Entretanto, a necessidade de equipamento sofisticado e pessoal especializado, seu alto custo e a exposição do indivíduo à irradiação, limitam seu uso na rotina clínica e em estudos epidemiológicos.
As medidas antropométricas são, sem dúvida, dentre os métodos de avaliação da adiposidade corporal, os mais amplamente utilizados na avaliação do estado nutricional dos indivíduos e dos riscos associados à inadequação das mesmas. O IMC é empregado para classificação dos graus de obesidade que, em estudos epidemiológicos, se associam a risco crescente de morbi-mortalidade. Todavia, o IMC é limitado para determinar qual dos "componentes" corporais (por exemplo, massa gorda ou massa magra) encontra-se alterado, e ainda, na vigência de excesso de adiposidade corporal, é incapaz de avaliar a distribuição do tecido adiposo. Dentre os métodos antropométricos propostos para analisar a distribuição central da gordura corporal, destacam-se a circunferência abdominal e a razão cintura-quadril (REZENDE et al., 2006). A circunferência da cintura é o método mais comumente usado na literatura para avaliar a adiposidade visceral, havendo sugestões de pontos de corte associados a maior risco cardiovascular. Todas as propostas de critérios diagnósticos para a síndrome metabólica levam em consideração a obesidade abdominal. Os valores da circunferência da cintura de 88 cm para mulheres e 102 cm para homens, associados à presença de risco cardiovascular muito elevado, integram os critérios do National Cholesterol Education Program (NCEP-ATPIII). Recentemente, a International Diabetes Federation estabeleceu os valores de 94 cm para homens e 80 cm para mulheres. Ainda, parece haver uma diferença racial na relação entre distribuição de gordura e síndrome metabólica. Negros e brancos com a mesma quantidade de gordura visceral teriam riscos diferentes.
A razão cintura-quadril faz parte dos critérios diagnósticos para a síndrome metabólica propostos pela Organização Mundial de Saúde; entretanto, vem perdendo espaço, para a circunferência da cintura, que, por se tratar de uma única medida, estaria menos sujeita à variabilidade na mensuração e características raciais. A antropometria tem, portanto, as vantagens de ser de fácil execução e de não necessitar de material ou pessoal especializado, e as desvantagens de ser incapaz de diferenciar a gordura visceral da subcutânea e da variabilidade intra e inter-examinador relativamente elevadas. Estes fatos conferem aos métodos antropométricos uma boa sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico da obesidade visceral. O estudo INTERHEART, em que se avaliaram os fatores de risco para o infarto do miocárdio na população global (YUSUF et al., 2004), foi o primeiro grande estudo internacional a estabelecer que a obesidade é um fator de risco de doença cardiovascular estatisticamente significativo em basicamente todas as populações do mundo. As análises subsequentes previamente estabelecidas a partir dos resultados do INTERHEART determinaram adicionalmente que um simples cálculo da relação cintura-quadril é um preditivo mais poderoso do nível de risco de doença cardiovascular associado à obesidade que qualquer outra medida de obesidade (por exemplo, índice de massa corporal) ou grupo de medidas (por exemplo, síndrome metabólica).
Um segundo grande estudo, o estudo IDEA (International Day for the Evaluation of Abdominal Obesity), também demonstrou que a circunferência abdominal é um melhor preditor de resultados das doenças cardiovasculares que o índice de massa corporal (MORRELL; FOX, 2009). Os primeiros resultados deste grande estudo de mais de 170.000 pessoas indicam que a medida abdominal está associada às doenças cardiovasculares, independentemente da relação que o índice de massa corporal tenha com o risco de doença cardiovascular, sem considerar idade ou geografia.
Referências DINIZ, A. L. D. et al. Avaliação da reprodutibilidade ultrassonográfica como método para medida da gordura abdominal e visceral. Radiol Bras 42 (6): 353-357, 2009.
MORREL, J.; FOX, K. A. Prevalence of abdominal obesity in primary care: the IDEA UK study. Int J Clin Pract, 63 (9): 1301-7, 2009
RIBEIRO FILHO, F. F. et al. Gordura visceral e síndrome metabólica: mais que uma simples associação. Arq Bras Endocrinol Metab 50 (2): 230-238, 2006. REZENDE, F. A. C. et al. Índice de massa corporal e circunferência abdominal: associação com fatores de risco cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol. 87 (6): 728-734, 2006. BROOKES, L. Circunferência abdominal é um fator preditor independente mais forte de doença cardiovascular que índice de massa corporal, de acordo com estudo internacional. In: MEDCENTER/MEDSCAPE. Disponível em < bpid="93&id=">. Acesso: 5 maio 2010.
YUSUF, S. et al. Effect of potentially modifiable risk factors associated with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet, 364 (9438): 937-52, 2004.
Foto ilustrativa da postagem: http://4pack.wordpress.com