8 de setembro de 2011

Seminário "Grandes Pestes" em 2011.2




("Da fome, da peste e da guerra, livrai-nos Deus!")

O primeiro seminário do Módulo de História da Medicina e da Bioética (MHB3) do período 2011.2 ocorreu quarta-feira passada e foi apresentado por Emídio, Samuel, Igor, Tiago, Luã e Rodrigo, enfocando o tema “Grandes Pestes”.

Emídio iniciou a exposição mostrando imagens de guerras e perguntando “por que tais representações relacionam-se com o tema das grandes epidemias?” Ele mesmo replicou afirmando que as doenças infecciosas dizimaram populações inteiras, causando mais mortes que as duas grandes guerras mundiais juntas. Continuou argumentando que muitas perdas ocorreram durante séculos em virtude de epidemias, que desempenharam um papel importante no decurso da história da humanidade.

Ainda na Introdução, declarou que o termo epidemia é proveniente do grego (epi, sobre, e demos, povo), e designa o aparecimento súbito de uma doença infecciosa que se propaga rapidamente durante um determinado período de tempo. Em seguida, mostrou que esse termo é um dos mais antigos em medicina. Foi o grego Hipócrates quem utilizou a palavra pela primeira vez, relacionando-a a doenças febris que surgiam de repente em uma população. No Corpus Hippocraticum, há sete livros com o título de “Epidemias”.

Emídio passou, então, a discorrer sobre um dos enigmas da história da medicina, que foi a chamada “Praga de Atenas”, cerca de 430-424 a.C., e que dizimou dois terços da população daquela cidade grega na Antiguidade, durante a guerra contra Esparta, incluindo o seu grande líder, Péricles. A epidemia em Atenas já havia sido identificada anteriormente como peste bubônica, varíola e tifo. Contudo, utilizando técnicas de recombinação gênica, fragmentos de material genético de uma bactéria semelhante à atual Salmonella typhi foram recuperados da polpa de dentes preservados de cadáveres daquela época.

Por outro lado, Emídio referiu que a derrota do exército de Napoleão Bonaparte na Rússia não foi decorrente apenas do inclemente inverno nem da ação dos soldados russos, mas sim de outra doença infecciosa, o tifo exantemático. A retirada de Napoleão da Russia, ocorrida em 1812, foi um dos maiores desastres militares de todos os tempos, quando mais de 600 mil homens saíram em marcha para a Rússia. Somente agora, 200 anos depois, foi esclarecido que as perdas da grande marcha de Napoleão foram devidas ao tifo.

Passou então à consideração sobre a Cólera. Os primeiros relatos sobre a Cólera datam da antiguidade, existindo relatos de Hipócrates (460-377 a.C.) e Galeno (129-216 d.C), descrevendo uma doença com características semelhantes a da Cólera. Também existem relatos posteriores, indicando a presença da cólera no vale do rio Ganges, na Índia, onde estadoença era, e continua sendo endêmica. Foi chamada de Cholérica passio, devido à crença dos médicos de que era devida ao humor cólerico, proveniente da bile amarela, que em grego chama-se kholē. Essa doença só veio causar preocupação ao Ocidente no século XIX, quando ocorreram várias pandemias, sendo responsável por grande número de mortes. Estima-se que nas duas primeiras pandemias morreram cerca de 40 milhões de pessoas.

Os surtos de cólera foram mais comuns no século XIX, período em que ocorreram cinco pandemias. Atualmente, o planeta atravessa a sétima pandemia, que começou em 1961, na Indonésia e, até meados da década de 1970, tinha se alastrado pela Ásia, África e Europa, matando 50% dos infectados, ou seja, mais de 96 mil pessoas.

Em seguida, Samuel começou sua exposição, esclarecendo que as epidemias foram genericamente rotuladas de pestes, embora muitas delas não tenham sido causadas pelo bacilo da Peste (Yersinia pestis), e fossem, possivelmente, epidemias de varíola, tifo exantemático, cólera, malária ou febre tifóide. Assim, poucas palavras resumem tanto o horror, o infortúnio e a maldição quanto o termo “peste”.

Passando a falar sobre a hanseníase na história da medicina, Samuel declarou que esta é uma das doenças mais antigas da humanidade, pois as referências mais remotas datam de , 600 a 2.000 a.C., no Egito. A doença era conhecida dos antigos gregos, entre os quais era chamada de “elefantíase”. As primeiras referências confirmadas, no entanto, apenas através de descrições da doença, foram encontradas na Índia e no Egito, datadas do século VII a. C. Sabe-se ainda que, na época em que Cristo viveu, conforme citação bíblica, havia casos de hanseníase. No Antigo Testamento, em Levítico, há descrição de sinais para identificação dos doentes, mas dificilmente se pode comprovar que se tratava realmente de hanseníase. É possível também que fossem lesões dermatológicas de outra etiologia.

No dicionário, a palavra “lázaro” designa “aquele que tem lepra”. Do nome Lázaro derivam a pejorativa “lazarento” e “lazareto” (sinônimo de leprosário, onde os doentes eram segregados). O termo se origina de uma parábola narrada por Jesus na Bíblia sobre um mendigo chamado Lázaro, que era “coberto de feridas”.

O termo lepra foi usado por Hipócrates, mas, do mesmo modo, suas descrições indicam doenças da pele com lesões escamosas (leper = escamas), entre as quais certamente podem estar a psoríase e os eczemas crônicos. Durante a Idade Média, a hanseníase manteve alta prevalência na Europa e no Oriente Médio e a norma era isolar o doente da população sadia. Ele era obrigado a usar vestimentas características que o identificavam como doente e fazer soar um sino para avisar os saudáveis de sua aproximação. Durante o período de colonização, a América Latina tornou-se, gradativamente, uma nova área endêmica mundial; ao mesmo tempo em que a hanseníase tendia ao desaparecimento na Europa.

Desde a Antiguidade a lepra foi tratada como sinal de impureza ou pecado. Assim, durante séculos, a regra foi uma só: discriminar os doentes e privá-los do convívio social. O nome lepra tem sido evitado atualmente devido ao estigma de uma doença deformante, contagiosa e incurável que a doença carrega. Desde a última metade do século XX com a introdução da poliquimioterapia para hanseníase, a imagem histórica da lepra não corresponde mais àquela realidade antiga.

Samuel fez referência ao fato de que em 1995 o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou uma lei que proibia o uso do termo "lepra" e seus derivados na linguagem empregada nos documentos oficiais do governo. Em vez de lepra, deveria ser usado o termo hanseníase.

Após discorrer sobre a história da hanseníase, Samuel passou a falar sobre a pior epidemia de todos os tempos, a Peste Negra, que atingiu a Europa e a Ásia entre os anos 1347 e 1351. A peste bubônica recebeu esse nome por ter causado uma das maiores dizimações da humanidade. Considerada como um castigo divino, foi uma das maiores epidemias que assolou a humanidade.

No final da Idade Média e no Renascimento, a Europa foi varrida por grandes pestes, de diversos tipos. Existem motivos históricos para o surgimento dessas epidemias, nessas épocas. Durante a Idade Média, as cruzadas cristãs colocaram os europeus em contato com outros povos e com doenças desconhecidas, para as quais o organismo dos ocidentais não tinha nenhuma resistência. No Renascimento, as grandes navegações tiveram um efeito semelhante.

Desconhecendo as origens biológicas da doença, muitos culpavam os grupos sociais marginalizados da Baixa Idade Média por terem trazido a doença à Europa. Alguns registros da época acusavam os judeus, os leprosos e os estrangeiros de terem disseminado os horrores causados pela Peste Negra.

No entanto, as condições de vida e higiene nos ambientes urbanos do século XIV são apontadas como as principais propulsoras dessa epidemia. Na época, as cidades medievais agrupavam desordenadamente uma grande quantidade de pessoas. As aglomerações urbanas trouxeram mudanças sociais e culturais, mas também geraram uma vastidão de problemas práticos. Junto de imponentes catedrais, amontoavam-se casebres miseráveis. Os esgotos e o lixo nas ruas sem calçamento eram um espaço de propagação ideal para ratos e pulgas.

Assim, uma vez estabelecida, a Peste difundia-se com facilidade através das rotas comerciais. Todos os carregamentos por terra e pelos navios podiam transportar ratos e pulgas infectados. As más condições higiênicas atraiam insetos e roedores portadores da bactéria da peste. Os hábitos de higiene pessoal também ofereciam grande risco, pois os banhos eram raros.

O pânico foi a primeira reação ao aparecimento da doença. Buscava-se a fuga como salvação, mas nem todos podiam fugir. A princípio, a Peste era considerada sinal da ira divina, e muitos viam, como únicos remédios, a penitência e a oração. As autoridades eram notificadas quanto à existência de doentes, que eram isolados em suas casas, enquanto durasse a enfermidade.

Os mortos eram removidos das casas pelas janelas e seus corpos retirados em carroças para fora das cidades. O lugar de enterro também tinha a finalidade de prevenir a propagação da epidemia, mas chegou um momento em que havia falta de locais para sepultar tantos mortos. Quando morria um paciente, arejavam-se e fumigavam-se os cômodos e queimavam-se os seus pertences.

A partir do século XIV, quem atendesse um paciente com a peste deveria ser isolado, por quatorze dias, antes de reassumir suas relações sociais com outras pessoas. O mesmo valia para viajantes ou mercadores infectados, ou simplesmente suspeitos de ter a doença. Mais tarde, estendeu-se o período de isolamento para 30 dias e, posteriormente, para 40 dias, origem do termo “quarentena”. As primeiras estações de quarentena foram estabelecidas na Itália, onde, depois de uma inspeção das embarcações que ali chegavam, todos os passageiros e cargas de navios ficavam detidos nos barcos e navios por esse período.

A razão para tal período residia na crença, generalizada nos séculos XIII e XIV, de ser o quadragésimo dia o de separação entre as formas agudas e crônicas das doenças. Recorria-se, também, à Bíblia, para atribuir ao numero 40 um significado especial, pois o dilúvio durou quarenta dias, assim como outros episódios bíblicos. Na alquimia, também se considerava importante o número, pois se acreditava na necessidade de 40 dias para certas transmutações.

Em Veneza, foram adotadas medidas como a quarentena e o isolamento das embarcações que chegavam à cidade em uma ilha para evitar que novos focos da Peste Bubônica pudessem surgir. Apesar de não conseguirem evitar as mortes em seus municípios, tais medidas tornaram a quantidade de vítimas inferior ao de outras cidades da Europa que não haviam tomado qualquer providência para combater a doença.

A Igreja Católica perdeu credibilidade junto aos fiéis por causa das perdas decorrentes da Peste Negra. As orações e celebrações em que se pedia o fim da epidemia no continente não foram atendidas e, como resultado dessa resposta divina que nunca chegou, as pessoas foram instigadas a aderir aos movimentos que começavam a questionar a Igreja em suas bases e dogmas.

Contrariando o que muitas pessoas pensam a respeito daquele período, algumas autoridades públicas de algumas localidades não agiram como se a Peste Negra fosse um castigo divino contra a humanidade e encararam o problema como uma questão de saúde pública. Não possuíam muitos recursos para combater o problema, mas tentaram se organizar para refrear a epidemia.

O ímpeto da Peste Negra diminuiu com o passar do tempo, mas ciclos esporádicos e isolados continuavam a ocorrer periodicamente. Isso ainda se repetiria ao longo de mais alguns séculos e o desaparecimento da enfermidade da Europa só aconteceu no século XVII.

Só em 1897, no Japão, observou-se o bacilo da peste em pulgas de ratos e sugeriu-se, pela primeira vez, que as pulgas de ratos contaminados poderiam não apenas abrigar os microorganismos, mas também transmitir a infecção ao homem.

Depois, Igor passou a apresentar a história da medicina relacionada à varíola, uma das doenças que mais matou no mundo e que foi considerada erradicada há três décadas. Até o final do século XVIII, a varíola foi verdadeiro flagelo humano, dizimando populações ou desfigurando o rosto dos sobreviventes com cicatrizes e perda de visão. Calcula-se que no século XVIII houve, somente na Europa, 60 milhões de vítimas de varíola. A varíola chegou às Américas com os espanhóis e, em contato com populações sem nenhuma imunidade, assumiu proporções trágicas, ajudando Cortez, ao dizimar quase metade dos exércitos astecas. Disseminou-se, devastando o império Inca. A varíola também contribuiu para a colonização dos Estados Unidos e do Canadá, devastando as tribos indígenas a partir do século XVII. É provável que algumas dessas epidemias tenham sido deliberadamente causadas pelos europeus.

Os registros mais antigos da varíola foram encontrados em egípcios mumificados há cerca de 3 mil anos. Do Vale do Nilo, disseminou-se para a Índia, chegando à China no século I d.C. As primeiras descrições da doença são do médico chinês Ko Hung (340 d.C) e do persa Rhazes, em seu livro De Pestilentia, no século X. A primeira referência à doença na Europa foi feita por Gregório de Tours, cronista do reino franco, em 582, relatando a morte de dois jovens príncipes por uma moléstia que chamou de "corales". Ela retornou às terras européias no século VIII, junto com os sarracenos, e espalhou-se pelo continente, levada pelos cruzados, provocando epidemias devastadoras.

Este é um aspecto interessante descrito a respeito da varíola, pois esta representou o mais determinante fator para a dominação européia dos povos das Américas pelos estrangeiros. Não somente pela varíola, mas por outras doeçnas infecto-contagiosas. Sem oferecer nenhuma resistência para varíola, sarampo e gripe, os nativos morreram tão rápido que em poucas décadas tribos inteiras foram extintas. Tanto na colonização da América do Norte quanto, especialmente, na da América Latina, o contacto com os europeus dizimou, pela doença e pela mais avançada tecnologia militar, guerreiros e civis da população primitiva das terras "conquistadas". O papel mais relevante foi representado por epidemias de doenças que acometeram populações inteiramente despreparadas imunologicamente.

Menciona-se principalmente a varíola, mas também o sarampo, além de tuberculose, febre tifóide, gripe, resfriado, difteria, coqueluche, como os “principais generais”. Por outro lado, na África, abaixo do Saara, deu-se o inverso. Foi o europeu a sucumbir diante das doenças "exóticas". A malária, a febre amarela e diversas arboviroses deram ao continente africano sua fama de "tumba do homem branco".

A varíola foi a primeira doença infecciosa extinta da face da Terra pela vacinação preventiva. A história da vacina antivariólica merece ser relembrada pela magnitude da vitória alcançada e pela esperança que o método nos trouxe de obter a erradicação de outras doenças infecciosas. A técnica conhecida como "variolização" era a inoculação de material retirado das pústulas de um enfermo na pele de um indivíduo são. A variolização foi introduzida na Europa no século XVIII, pelos esforços da esposa do embaixador inglês em Constantinopla, Lady Mary Montagu. Apesar de a variolização fazer com que a doença se manifestasse de forma mais branda do que pelo contágio natural, os doentes apresentavam sintomas e ocorriam cicatrizes no rosto e no corpo das pessoas inoculadas, ou mesmo morrerem ou desenvolverem formas graves da doença.

Ao observar que pessoas que ordenhavam vacas não contraíam a varíola, desde que tivessem adquirido a forma animal da doença, o cirurgião britânico Edward Jenner extraiu o pus da mão de uma ordenhadora que havia contraído a varíola bovina e o inoculou em um menino saudável de oito anos, em 1796. O menino contraiu a doença de forma branda e ficou curado. Posteriormente, alguns meses depois, Jenner inoculou no mesmo menino líquido extraído de uma pústula de varíola humana, mas ele não contraiu a doença, o que significava que estava imune à varíola.

Desde a publicação do trabalho de Jenner, que demonstrou em fins do século XVIII que uma proteção mais segura e mais confiável poderia ser obtida pela inoculação do vírus da varíola bovina (vaccínia), a variolização foi sendo substituída nos países europeus e suas colônias, pela vacinação antivariólica a partir da varíola bovina. A palavra vacina veio do latim vaccinus, de vacca (vaca).

Outro aspecto relevante referido na história da varíola foi no Brasil. A situação do Rio de Janeiro, no início do século XX, era precária. A população sofria com a falta de um sistema eficiente de saneamento básico. Este fato desencadeava constantes epidemias, entre elas, febre amarela, peste bubônica e varíola. A população de baixa renda, que morava em habitações precárias, era a principal vítima Preocupado com esta situação, o então presidente Rodrigues Alves colocou em prática um projeto de saneamento básico e reurbanização do centro da cidade. O médico sanitarista Oswaldo Cruz foi designado pelo presidente para ser o chefe do Departamento Nacional de Saúde Pública, com o objetivo de melhorar as condições sanitárias da cidade.

A campanha de vacinação obrigatória foi colocada em prática em novembro de 1904 por Oswaldo Cruz. Embora seu objetivo fosse positivo, ela foi aplicada de forma autoritária. Em alguns casos, os agentes sanitários invadiam as casas e vacinavam as pessoas à força, provocando revolta. Em 1904, no início do período republicano brasileiro, o Rio de Janeiro foi palco de uma campanha popular conta a vacinação. A insurgência ficou conhecida como “Revolta da Vacina”. Populares destruíram bondes, apedrejaram prédios públicos e espalharam a desordem pela cidade. Em novembro de 1904, o presidente Rodrigues Alves revoga a lei da vacinação obrigatória, colocando nas ruas o exército para acabar com os tumultos. Visando legitimar a radical repressão, os relatórios das autoridades tratam sempre os revoltosos como desordeiros. Em contraposição ao julgamento das autoridades, intelectuais afirmavam que a composição dos revoltosos era variada, com pessoas de diferentes profissões e posições sociais. Ironicamente, em 1918, Rodrigues Alves morreu ao contrair a gripe espanhola.

Embora considerada erradicada desde 1980, o vírus da varíola ainda existe, e sob máxima segurança, em dois laboratórios - um na Rússia e outro nos Estados Unidos. No entanto, supõe-se que o mundo seria mais seguro se estas amostras de vírus fossem destruídas. Os governos russo e americano emitiram pronunciamentos indicando que as amostras de varíola são essenciais no caso de uma futura ameaça biológica que exija mais testes com o vírus, além de serem necessárias para a pesquisa e desenvolvimento de vacinas experimentais.

Em 1996, os países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) acertaram, pela primeira vez, que a varíola deveria ser destruída, mas isso tem sido adiado repetidas vezes, sob o pretexto de que cientistas possam desenvolver melhores vacinas e medicamentos contra a doença. Há cinco meses, a OMS discutiu o futuro das amostras de vírus de varíola, que Rússia e Estados Unidos querem preservar. O temor, particularmente, é de que países possam ter mantido secretamente o vírus, a fim de utilizá-lo como arma biológica.

Em seguida, Tiago passou a expor a história da tuberculose. Considerada por muito tempo como a mais importante causa de morte no mundo, a tuberculose teve seu apogeu mais recente no início século XIX, e agora volta a crescer, entre o final do século XX e o início do século XXI. Assim, enquanto novas doenças vão surgindo e atemorizando o mundo, a tuberculose, uma das mais antigas, ainda é uma grande ameaça à saúde pública.

A OMS, em 1993, ao analisar as taxas de incidência e as taxas de mortalidade da tuberculose, verificou que estas eram de tal maneira alarmantes, tanto nos países mais pobres, como nas bolsas de pobreza dos países mais ricos, que decidiu reconhecer a tuberculose, como um grave problema de Saúde Pública a nível mundial, considerando-a uma "Emergência Global".

Discutida pelos paleopatologistas desde o século XVIII, a tuberculose foi muito tempo buscada em testemunhos arqueológicos a partir do conhecido Mal de Pott. Esta forma assumida pela tuberculose óssea destrói a parte anterior de uma ou mais vértebras, causando uma corcunda ou cifose dorso-lombar acentuada. Esta característica marcante levou a que muitos autores atribuíssem à tuberculose as deformidades representadas em esculturas, pinturas, e mesmo na arte rupestre. Existem relatos de evidência de tuberculose em ossos humanos pré-históricos encontrados na Alemanha e datados de 8.000 a.C. Em 1910, Sir Marc Ruffer (1859-1916), relatou a presença de tuberculose da coluna vertebral em Nesparehan, um sacerdote de Amon, da dinastia 21 do Egito, mostrando as características típicas da doença de Pott, com o colapso da vértebra torácica. Na Grécia Antiga a tísica já era um quadro clínico, definido por emagrecimento progressivo, abatimento, tosse e expectoração com sangue, tal como descreve o Corpus Hipocraticus.

Sabia-se muito pouco sobre a tuberculose deste até o início de Renascimento, por volta do século XVI. Nesta época um fato histórico interessante, era o da cura da tuberculose ganglionar através do toque do Rei. Os pacientes portadores desta forma de tuberculose se dirigiam uma vez por ano, em uma data determinada, aos reis da França e da Inglaterra para receberem o toque real, acompanhado de orações feitas pelos próprios reis ou por cardeais que os serviam. Desta forma foi criado o mito da “doença real”, que se prolongou até o final do século XVIII. O mais curioso, é que muitos pacientes realmente melhoravam. O possível motivo é que a higiene e limpeza realizadas no local da fístula, que precediam o toque real, poderiam de alguma forma, exercer algum efeito terapêutico.

O reconhecimento oficial da transmissão pelo contágio foi feito apenas no século XVIII por Paul Vuillemin, discípulo de Pasteur, e a confirmação da bactéria causadora da doença, o Mycobacterium tuberculosis, no final do século XIX, por Robert Köch. Mas observações empíricas anteriores, desenvolvidas na Ásia e na própria Europa, aproximariam a explicação etiológica daquela adotada pela ciência moderna.

No século XVIII as cifras de mortalidade por tuberculose eram muito elevadas e rígidas medidas foram adotadas para combater a Peste Branca (nome adquirido em contraponto à Peste Negra ou Bubônica). Quando se fala em tuberculose associa-se geralmente a doença, às representações sociais relacionadas com a pobreza, com a exclusão social, com os sem-teto e com o alcoolismo.

No século XIX, a doença foi associada a um "fatalismo romântico". Artistas, poetas e intelectuais morriam de tuberculose e em quase todas as famílias havia um doente. Nesta época, a tuberculose foi a principal causa de morte na Europa e nos Estados Unidos. Somente na metade do século XX, cientistas chegaram à descoberta de drogas eficazes à cura da doença.

Tiago lembrou que a tuberculose foi muito retratada na literatura,como nas "Espumas Brancas" de Castro Alves, na moléstia de Marguerite Goutier, do romance de Alexandre Dumas, em Machbeth, de Shakespeare, na "Traviata" de Verdi, em "La Bohème ", entre outras obras.

A tuberculose é uma doença que aparece representada de maneira ambivalente em diferentes momentos da História. Até meados do século XIX, o tuberculoso trazia uma aura de excepcionalidade, que o colocava, aos olhos de seus contemporâneos, numa posição de certo refinamento. A concepção da tuberculose seria própria de uma sensibilidade marcadamente romântica, que se difundia em especial entre intelectuais e artistas.

O século XVIII e o início do século XIX configuram-se como um período marcado pela queda definitiva de uma antiga ordem político-social e pela conformação de uma nova ordem, burguesa, avessa a paixões exaltadas e articulada à idéia de produtividade. A tuberculose emerge socialmente não mais como manifestação física de uma espiritualidade refinada; ao contrário, sua persistência e seu alastramento, particularmente entre as populações desfavorecidas, será motivo de preocupação por ser sintoma de desordem social. A doença é temida ainda por ser expressão de algo que é socialmente digno de censura, bem como por representar o estágio último de miséria humana. Nesse sentido persiste, no imaginário social e comoforma de relação da sociedade com o doente, o processo de estigmatização da tuberculose e do tuberculoso, como afirma Porto (PORTO, A. Representações sociais da tuberculose: Estigma e preconceito. Rev Saúde Pública, 43-49, 2007).

Tiago ainda mencionou os locais destinados ao tratamento e isolamento dos doentes, chamados de sanatórios, dentro do contexto mundial e nacional, em regiões de clima propício aos tuberculosos.

Tiago passou, então, a discorrer sobre o sarampo na história da medicina. Referiu a Peste Antonina com o uma epidemia de sarampo que surgiu no século II d.C. e matou quase um terço da população de Roma. Depois, espalhou-se pela Itália e também pela região da Gália, onde hoje é a França. Foi assim denominada em alusão ao Imperador Marco Aurélio, que estava no poder na época e era da linhagem dos antoninos. Ele mesmo acabou morto durante a epidemia no ano 180. O sarampo matou cerca de um terço da população em algumas áreas, e dizimou o exército romano. A primeira descrição científica do sarampo e sua distinção da varíola e varicela é creditada ao médico persa Rhazes (860-932), que publicou um livro intitulado ''O Livro de varíola e sarampo''

Em cerca de 150 anos, o sarampo foi estimado ter matado cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Durante a década de 1850, o sarampo matou um quinto da população do Havaí. Em 1875, o sarampo matou mais de 40 mil habitantes de Fiji, cerca de um terço da população. No século 19, a doença dizimou a população Andamanese. Em 1954, o vírus causador da doença foi isolado de um menino de 11 anos dos Estados Unidos, Edmonston David, e adaptada e propagam-se filhote de cultura de tecidos de embriões. Até o momento, 21 cepas do vírus do sarampo foram identificados. Vacinas licenciadas para prevenir a doença tornaram-se disponíveis em 1963.

O sarampo foi considerado eliminado na América do Norte, Central e América do Sul, o último caso endêmico na região foi relatado em 2002 na Arentina e no Canadá. Surtos continuam a ocorrer, no entanto, seguindo as importações de vírus do sarampo outras regiões do mundo. Em junho de 2006, um surto em Boston resultou de um morador nfectado na Índia, e em outubro de 2007, uma criança americana, que havia sido vacinadas, contraiu doença na Suécia.

A seguir, Tiago passou a relatar aspectos históricos rlacionados à febre amarela. Referiu que a origem do vírus causador da febre amarela foi motivo de discussão e polêmica durante muito tempo, porém estudos recentes utilizando novas técnicas de biologia molecular comprovaram sua origem africana. O primeiro relato de epidemia de uma doença semelhante à febre amarela é de um manuscrito maia de 1648 em Yucatan, no México. Então, passou a ser uma doença associada ao terceiro mundo, não porque respeite classes sociais, mas porque ocorre em associação com florestas, onde estão seus hospedeiros naturais, os macacos e os mosquitos. E as principais florestas tropicais estão no terceiro mundo, inclusive no Brasil, onde, ao longo dos anos, têm sido registrados casos de febre amarela silvestre. O último caso de febre amarela urbana ocorreu no Acre, em 1942. O risco atual se deve à proliferação ao Aedes aegypti nas zonas urbanas, que também pode ser um vetor da febre amarela.

Na Europa, a febre amarela já havia se manifestado antes dos anos 1700, mas foi em 1730, na Península Ibérica, que se deu a primeira epidemia, causando a morte de 2200 pessoas. Nos séculos XVIII e XIX os Estados Unidos foram acometidos repetidas vezes por epidemias devastadoras, para onde a doença era levada através de navios procedentes das índias Ocidentais e do Caribe.

No Brasil, a febre amarela apareceu pela primeira vez em Pernambuco, no ano de 1685, onde permaneceu durante dez anos. A cidade de Salvador também foi atingida, onde causou cerca de 900 mortes durante os seis anos em que ali esteve. A realização de grandes campanhas de prevenção possibilitou o controle das epidemias, mantendo um período de silêncio epidemiológico por cerca de 150 anos no País.

Oswaldo Cruz foi fundamental no combate à febre amarela, principal problema sanitário do Rio de Janeiro no século XIX. A doença era transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que também transmite a dengue. Por iniciativa de Oswaldo Cruz, brigadas de mata-mosquitos - agentes sanitários munidos de larvicida e instrumentos apropriados para a eliminação dos focos - passaram a percorrer a cidade, lavando caixas d'água, desinfetando ralos e bueiros, limpando telhados e calhas e eliminando depósitos de larvas do inseto.

Luã continuou a apresentação do seminário, falando sobre a gripe espanhola e estabelecendo um confronto entre esta e a Gripe A. Três epidemias da doença ocorreram no século 20 mataram dezenas de milhões de pessoas, com cada uma destas pandemias sendo causada pelo surgimento de uma nova variedade do vírus em humanos. Frequentemente, estas novas variedades resultam de uma gripe existente em espécies animais para seres humanos. A gripe aviária, chamada H5N1 mostrou-se a de maior risco para uma nova pandemia de gripe desde que começou a matar humanos na Ásia nos anos 1990. Não parece ter havido mutação viral para uma forma que se disseminasse facilmente entre as pessoas. Em 2009, o México registrou os primeiros sintomas da gripe suína transmitida pelos porcos aos humanos. O vírus sofreu mutações e atualmente é transmitido de humanos para humanos.

A Gripe Espanhola foi uma das mais importantes pandemias causadas por vírus até hoje, levou à morte entre 20 milhões e 40 milhões de pessoas — cerca de metade da população mundial — entre 1918 e 1919. Esta pandemia foi descrita como "o maior holocausto médico da história" e pode ter matado tantas pessoas quanto a Peste Negra.

Apesar do nome, especialistas ainda divergem sobre o local onde a gripe se originou. Ao certo, sabe-se que foi na Espanha que surgiram as primeiras notícias sobre a doença: o país, neutro no conflito, não impunha a censura à imprensa, como acontecia com as potências beligerantes. Assim que a doença surgia em outros países, era logo chamada de “espanhola”.

Os primeiros casos da doença foram identificados nos Estados Unidos em março de 1918. A doença chegou à Europa provavelmente em abril, levada por tropas francesas, britânicas e norte-americanas. No Brasil, a doença matou mais de 300 mil pessoas.

A gravidade inesperada da doença matou entre 2 e 20% dos infectados, muito alta comparada com as taxas de mortalidades das epidemias de gripe, de cerca de 0.1%.Outro grande diferencial desta pandemia foi a alta taxa de mortalidade de jovens adultos, com 99% de mortes causadas pela pandemia em pessoas abaixo dos 65 anos, e mais da metade entre jovens adultos entre 20 e 40 anos (curva de mortalidade etária com formato em “W”). Isto não é comum, pois a gripe normalmente causa mais mortes em crianças abaixo de dois anos e idosos acima de 70 (curva em formato em “U”).
Rodrigo passou a apresentar um retrospecto sobre a malária, também chamada de paludismo, impaludismo, maleita ou febres terçã e quartã. Desde a Antiguidade fica registrada a observação correta de que a malária está associada a pântanos, regiões palustres, várzeas e alagadiços (malária vem do italiano, malária, ar ruim ou nocivo; paludismo vem do latim, palus, pântano).

A história da malária mostra, mesmo diante de problemas médicos racionalmente limitáveis, que grupos sociais podem manipular a realidade de acordo com seus interesses. Cerca de 40% da população mundial vive em áreas com risco de transmissão de malária, resultando em não menos que 300 milhões de pessoas infectadas no mundo a cada ano, mais de 90% em países africanos, com um número de mortes entre 1 e 1,5 milhões.

Muitas são as tentativas de se estabelecer a origem da malária no mundo, muito embora os estudos acabem fragmentados e escassos para determinar a real origem da doença. Porém, admite-se que a malária tenha se originado na África tropical, que é entendido como o "Berço da Humanidade", acompanhou a saga migratória do ser humano pelas regiões do Mediterrâneo, Mesopotâmia, Índia, e Sudeste Asiático. A chegada da doença ao Novo Mundo ainda hoje é motivo de especulações, já que não se dispõe de informações confiáveis. É possível discutir hipóteses tais como viagens através do Oceano Pacífico em tempos remotos, asim como viagens de colonizadores espanhóis e portugueses a partir do século XVI.

A malária existe desde a mais remota antiguidade. Estudos arqueológicos demonstram a doença por meio de relatos sobre a ocorrência de febre e esplenomegalia, além de inscrições em templos egípcios descrevendo casos de febre intermitente. Hipócrates, em seus estudos, descreve quadros febris característicos de malária, além de relatos de esplenomegalia.

Portanto, a malária acompanha a humanidade provavelmente desde seu nascedouro na África há dezenas de milhares de anos. O caráter intermitente e exclusivo da malária permitiu reconhecer a sua presença também em escritos chineses de 3000 a.C., nas tábuas cuneiformes mesopotâmicas (2000 a.C.) e em escrituras Vedas na índia (1800 a.C.).

Na história médica ocidental, referências à malária vêm desde Hipócrates, que a descreveu em detalhes, sendo o primeiro médico a descartar a natureza supersticiosa e relacionar a doença às estações do ano ou aos locais freqüentados pelos doentes. Depois dele, narrativas se sucedem na história romana e por toda a Idade Média. Um fato comum a todas estas crônicas é que a ocorrência de malária está associada a regiões pantanosas, várzeas e alagadiços.

Também foi o primeiro a descrever detalhadamente o quadro clínico da malária e algumas de suas complicações. Depois dele, no século II d.C., diversos médicos gregos e romanos deixaram várias referências sobre a doença, que ocorria em epidemias cíclicas na Grécia, Itália e diversas partes da Europa, onde era conhecida como "Febre Romana".

Durante quase 1500 anos pouco foi acrescentado ao conhecimento sobre a doença e seu tratamento. Somente no século XVII ocorreu a observação por padres jesuítas da utilização, por populações indígenas da América do Sul, da casca de uma árvore nativa para o tratamento de alguns tipos de febre. Seu uso se espalhou rapidamente pela Europa e passou a ser conhecido como "pó dos jesuítas" e a árvore de onde era extraído recebeu o nome de Cinchona em 1735. Seu princípio ativo, o quinino, foi isolado em 1820.

Segundo o excelente artigo de Camargo (CAMARGO, E. P. A malária encenada no grande teatro social. Estud. av. 9 [24]: 211-228 , 1995), “a malária foi sempre, em todos os tempos, um grande algoz da humanidade”. Algumas epidemias, como a da peste do século XIV, podem ter tido maior dramaticidade pela agudeza de sua ocorrência, mas nenhuma outra doença se compara à malária pela perenidade com que flagela a humanidade. Ela ocorreu em todas as partes do mundo, com exceção das regiões polares. Há quem atribua a decadência grega após as guerras do Peloponeso à malária, assim como a morte de Alexandre, o Grande.

O primeiro medicamento realmente eficaz contra a malária foi o extrato da casca da quina. Consta que os chineses, desde o século II, já usavam com sucesso infusões de uma planta, Artemisia, para a cura da malária. Porém, a droga dela derivada, artemisinina, só entrou na farmacopéia ocidental há cerca de dez anos. Na China, durante o século II a.C., a planta Qinghao (Artemisia annua), foi descrita em um tratado de medicina com 52 remédios, encontrado no túmulo Mawangdui. Nos Estados Unidos, esta planta é conhecida como absinto doce. Em 340 d.C., as propriedades antifebris do Qinghao foram primeiramente descritas por Ge Hong da Dinastia oriental Yin. O ingrediente ativo da Qinghao, conhecida como a artemisina, foi isolado por cientistas chineses em 1971. Derivados deste extrato, conhecidos coletivamente como artemisina, são hoje considerados como potentes antimaláricos, especialmente em combinação com outros medicamentos.

Durante quase três séculos, a partir do século XVII, o único e realmente importante tratamento disponível mundialmente para a malária foi o quinino. O uso da quina como febrífugo se origina no Peru em meados de 1600, e daí, foi levado por mercadores e jesuítas à Europa.

Em 1934, introduzida imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a cloroquina foi considerada uma cura milagrosa contra a malária falciparum, o tipo mais mortal. No entanto, o parasita evoluiu, a variedade resistente se espalhou e a cloroquina é hoje considerada praticamente inútil contra a malária por Plasmodium falciparum em muitas partes do mundo, inclusive na África subsaariana. Levou décadas para essa forma resistente se espalhar pelo mundo, portanto, espera-se que as drogas com base na artemisina ainda sejam eficazes por muitos anos.

A origem do quinino, extraído da árvore cinchona, permanece envolta em mistério. Os historiadores discutem se a cinchona era um medicamento indígena ou se foi descoberto pelos europeus. Evidências sugerem que a malária não existia no Novo Mundo antes da chegada dos espanhóis. Diz-se que as farmacopéias dos povos Inca não mencionam a cinchona, sugerindo que seu uso ocorreu com a chegada dos espanhóis. No entanto, mesmo que a malária não fosse nativa da América do Sul, muitos anos se passaram entre a chegada dos espanhóis (e, presumivelmente, a malária) e os primeiros escritos sobre cinchona pelos europeus. Aparentemente, durante este intervalo, os nativos teriam desenvolvido e tratamento. Tal visão é apoiada pela vasta gama de plantas medicinais usadas por curandeiros indígenas e do grande número destas plantas levadas para a Europa naquela época. Remédios de plantas nativas foram mais eficazes para a malária que as técnicas de médicos europeus da época.

O auge da distribuição da malária pelo planeta ocorreu provavelmente em 1900. Foi nessa virada de século que se conheceu o ciclo da doença. Em relação à descoberta do agente infeccioso da malária, coube ao médico do exército francês Charles Alphonse Laveran, trabalhando na Argélia em 1880, a identificação dos parasitas nas hemácias humanas. A transmissão da malária por mosquitos só foi comprovada em 1898, por Ronaldo Ross, estudando a malária em aves. Antes, porém, outros pesquisadores já admitiam a transmissão da malária por insetos hematófagos, provavelmente mosquitos.

Camillo Golgi, um neurofisiologista italiano, estabeleceu que havia pelo menos duas formas da doença, um com periodicidade terçã (febre a cada dois dias) e um com periodicidade quaternário (febre a cada três dias). Ele também observou que as formas produzidas diferentes números de merozoítos (novos parasitas) no vencimento e que a febre coincidiu com a ruptura e liberação de merozoítos na corrente sanguínea. Foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina por suas descobertas em neurofisiologia em 1906.

Em 1890, os investigadores italianos Giovanni Batista Grassi e Raimondo Filetti introduziram pela primeira vez os nomes Plasmodium vivax e P. malariae para dois dos parasitas da malária que afetam os seres humanos. Charles Alphonse Laveran acreditava que havia apenas uma espécie, Malariae oscillaria. Um americano, William H. Welch, analisou o assunto e, em 1897, chamou o parasita da malária terçã maligna de P. falciparum. Havia muitos argumentos contra o uso desse nome, no entanto, o uso foi tão extenso na literatura que uma volta ao nome dado por Laveran não era mais possível. Em 1922, John William Watson Stephens descreveu o parasita da malária humana quartã, o P. ovale. O P. knowlesi foi primeiramente descrio por Robert Knowles e Mohan Biraj das Gupta em 1931 em um macaco. A primeira infecção detectada em humanos com P. knowlesi foi em 1965.

A malária é, ainda hoje, a mais importante endemia mundial. Até 1940 viviam em áreas malarígenas em todo o mundo quase dois bilhões de indivíduos. Após 15 anos de intensa campanha antimalárica mundial, esse número caiu pela metade. Mas ainda hoje, estimativas da OMS anotam a ocorrência de 100 milhões de casos de malária por ano. O Brasil registra de 600 a 800 mil casos anuais, a maioria na região amazônica.

Um estudante de química alemão, Othmer Zeidler, sintetizou o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) em 1874, durante sua tese de doutoramento. A propriedade inseticida do DDT só foi descoberta em 1939 por Paul Müller, na Suíça. Vários militares na II Guerra Mundial utilizaram o novo inseticida inicialmente para o controle de piolho transmissor do tifo. O DDT passou a ser usado para o controle da malária no final da II Guerra depois de ter sua eficácia comprovada contra mosquitos da malária por cientistas britânicos, italianos e americanos. Müller ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1948.

A pulverização das casas com DDT foi um imediato sucesso em muitos países do mundo. Mas os países que obtiveram sucesso foram aqueles que já apresentavam certo desenvolvimento sanitário e que tinham recursos para prover tratamento em massa e manter um serviço de vigilância ativo contra a malária. Nesses casos, o DDT apenas aplicou o golpe definitivo no mosquito e a cadeia de transmissão da malária, já enfraquecida, rompeu-se definitivamente. Estados Unidos e certos países da Europa erradicaram a malária em alguns anos. Entretanto, a malária da África central e meridional nem foi tocada pelo DDT. Assim, acabou-se a ilusão de erradicação da malária em escala mundial.

Na última parte do seminário, Rodrigo abordou a história da Aids. Entre 1977 e 1978 ocorreram os primeiros casos nos EUA, Haiti e África Central, descobertos e definidos como aids, em 1982, quando se classificou a nova síndrome. Os primeiros casos foram reconhecidos nos Estados Unidos, em função de um conjunto de sintomas (sarcoma de Kaposi e pneumonia pelo Pneumocistis carinii) em pacientes homossexuais masculinos provenientes de grandes cidades norte-americanas (Nova York, Los Angeles e São Francisco). Embora estes sintomas já fossem conhecidos anteriormente, no seu conjunto apresentavam características próprias: a pneumocistose, por exemplo, ocorria em pacientes com câncer em estágios avançados; já o Sarcoma de Kaposi era bem conhecido entre idosos procedentes da bacia do mediterrâneo. Eles nunca haviam sido observados, até então, ao mesmo tempo, em pacientes homossexuais masculinos sem histórico de outras doenças.

Ainda em 1982, a comunidade científica certifica-se que o vírus é transmitido por meio do sangue e do contato sexual a partir da definição de grupos de risco no Haiti e entre hemofílicos.

Em 1984, a equipe de Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França, isola e caracteriza um retrovírus (vírus mutante que se transforma conforme o meio em que vive) como o causador da Aids e inicia-se a disputa com os grupos do médico americano Robert Gallo pela primazia da descoberta do vírus da imunodeficiência humana, o HIV.

Com base neste material enviado pelo grupo francês, Gallo divulgou a descoberta como se fosse sua, vindo a retratar-se somente no início da década de 90. Gallo é um importante virologista, e já havia identificado outros dois retrovírus, o HTLV-1 e o HTLV-2 (Human T Leukemia-limphoma vírus type 1 e 2) e, por isso, o agente etiológico da AIDS foi inicialmente conhecido, nos Estados Unidos, como HTLV–3. Na França, ele foi reconhecido como LAV, associado a linfadenopatia. Depois das disputas da comunidade científica serem devidamente esclarecidas, chegou-se ao consenso de denominá-lo de HIV, ou, em português, vírus da imunodeficiência humana.

Em 1985 estava no mercado um teste sorológico de metodologia imunoenzimática, para diagnóstico da infecção pelo HIV que podia ser utilizado para triagem em bancos de sangue. Após um período de conflitos de interesses político-econômicos, esse teste passou a ser usado mundo afora e diminuiu consideravelmente o risco de transmissão transfusional do HIV.

Segundo se acredita, o vírus SIV (vírus da imunodeficiência de símios) de primatas sofreu mutações e, embora inócuo nos animais, causa destruição no sistema imunológico humano. O parentesco entre os HIVs e os SIVs sugere a hipótese de uma infecção interespecífica recente, com adaptação das cepas símias ao homem. Tal hipótese explica a maioria dos fatos conhecidos em relação ao HIV-2 e seus laços genéticos com o vírus de primatas africanos.

A pandemia, que hoje grassa, resulta da sobreposição de, pelo menos, duas epidemias diferentes, provocadas por dois germes distintos: HIV-1 e HIV-2. São parentes colaterais, pois as seqüências de seus genomas são tais que um não pode ser descendente do outro. A epidemia causada pelo HIV-2 poderia ter passado despercebida se a gravidade da primeira não tivesse chamado atenção dos médicos e orientado as pesquisas dos virologistas. Essa segunda epidemia esteve, no início, circunscrita a um foco apenas, na África oriental, enquanto a disseminação mundial do HIV-1 partiu de três focos identificados: um na África central e outros dois no litoral da América do Norte. Os dois focos americanos têm origem comum, mas não se sabe se, nos dois continentes, os surtos tiveram origens independentes ou se um provocou o outro.

Em 1986, foi aprovada pelo órgão norte-americano de controle sobre produtos farmacêuticos FDA (Food and Drug Administration), a primeira droga antiviral, a azidotimidina ou AZT. Este revelou um impacto discreto sobre a mortalidade geral de pacientes infectados pelo HIV.

Em 1994, um novo grupo de drogas para o tratamento da infecção passou a ser estudado, os inibidores da protease. Estas drogas demonstraram potente efeito antiviral isoladamente ou em associação com drogas do grupo do AZT (daí a denominação "coquetel"). Houve diminuição da mortalidade imediata, melhora dos indicadores da imunidade e recuperação de infecções oportunistas. Ocorreu um estado de euforia, chegando-se a falar na cura da AIDS.

No dia 1° de dezembro, vários países comemoram o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Essa data foi instituída como forma de despertar a necessidade da prevenção, promover o entendimento sobre a pandemia e incentivar a análise sobre a aids pela sociedade e órgãos públicos. No Brasil, a data começou a ser comemorada no final dos anos 1980, envolvendo os governos federal, estaduais, distrital e municipais e organizações sociais.

Rodrigo ainda comentou sobre o laço vermelho, que é visto como símbolo de solidariedade e de comprometimento na luta contra a Aids. O projeto do laço foi criado, em 1991, pela Visual Aids, grupo de profissionais de arte, de Nova York, que queriam homenagear amigos e colegas que haviam morrido ou estavam morrendo de Aids. Visual Aids tem como objetivos conscientizar as pessoas para a transmissão do HIV/aids, divulgar as necessidades dos que vivem com HIV/aids e angariar fundos para promover a prestação de serviços e pesquisas. O laço vermelho foi escolhido por causa de sua ligação ao sangue e à idéia de paixão, e foi inspirado no laço amarelo que honrava os soldados americanos da Guerra do Golfo.

Desde que foi descoberta, a epidemia já deixou mais de 60 milhões de pessoas infectadas e gerou quase 30 milhões de óbitos relacionados ao HIV pelo globo. Mesmo com uma redução de quase 20% nas novas infecções nos últimos 10 anos, em regiões como a África Subsaariana estima-se que existam 22 milhões de pessoas vivendo com HIV, o que representa 5% do total de habitantes.

Rodrigo citou, então, os números recentes do Ministério da Saúde que mostram que o Brasil está próximo a registrar o caso número 600 mil de Aids no país. Desde o primeiro caso, em 1980, até a última atualização (junho/2010), foram contabilizados 592.914 casos de infecção pelo vírus HIV.

Há hoje 33,2 milhões de infectados, ao contrário dos 39,5 milhões citados nas estatísticas de 2006. O número anual de novas infecções também teria caído: 4,3 milhões de casos novos em 2006, contra 2,5 milhões em 2007. De acordo com essas avaliações a incidência mundial teria alcançado o pico na segunda metade dos anos 1990.

Os dados do Boletim Epidemiológico Aids/DST 2008 mostram que, de 1980 a junho de 2008, foram registrados 506.499 casos de aids no Brasil. Durante esses anos, 205.409 mortes ocorreram em decorrência doença. A epidemia no país é considerada estável. A média de casos anual entre 2000 e 2006 é de 35.384. Em relação ao HIV, a estimativa é de que existam 630 mil pessoas infectadas.

Rodrigo mencionou também que o Brasil tem sido citado como exemplo em lançamento de política sobre Aids, por permitir reduzir o preço do antiretroviral em mais de dois terços por dose. O Brasil também tem feito um trabalho melhor ao providenciar medicamentos contra a doença. Em 1996, o Congresso aprovou uma lei federal determinando o fornecimento universal de medicamentos antirretrovirais. Os gastos com esse tipo de droga deu um salto de R$ 25 milhões em 1996 para mais de um bilhão de reais em 2009.

Além disso, as campanhas nacionais de prevenção para grupos de alto risco tem sido enérgicas, e têm contribuído para um declínio acentuado dos casos da doença no Brasil. Devido à criação de programas nacionais de prevenção direcionados a homossexuais e mulheres – em 2002 e 2007, respectivamente -, o Brasil tem apresentado um declínio acentuado nos casos de infecção do vírus HIV nos dois grupos.

Por fim, Rodrigo relatou que em 30 anos de história de Aids, houve relato de um único caso de cura. Médicos que fizeram um transplante com células-tronco em um homem infectado por HIV com leucemia, em 2007, acreditam que o paciente tenha sido curado. Um relatório foi publicado recentemente no jornal Blood, da Sociedade Americana de Hematologia, afirmando que, com base em resultados de extensos testes, é razoável concluir que a cura da infecção por HIV foi obtida nesse paciente. Este caso ocorreu na clínica universitária da Charité de Berlim com um paciente com Aids que sofria de leucemia ao qual, intencionalmente, transplantaram a medula de um doador imune ao vírus HIV. O doador de medula desse paciente era portador de uma rara mutação genética hereditária CCR5 Delta 32, está presente em menos de 1% das pessoas de cor branca no norte e no oeste da Europa. O HIV utiliza a proteína CCR5 para entrar nas células-alvo. Sem tais células, o microorganismo não consegue infectar o sistema imunológico. Ou seja, as pessoas com essa mutação, não desenvolvem a Aids, mesmo entrando em contato com o vírus. Assim atualmente a terapia genética traz esperança para a cura da Aids.

Sobre a história da Aids, ler ainda neste mesmo weblog a postagem feita no seguinte link:
http://semiologiamedica.blogspot.com/2010/09/uma-breve-historia-da-aids.html.

Após a apresentação do seminário, deu-se início à discussão com o restante da turma. Inicialmente parabenizamos o grupo pela apresentação do seminário e lembramos que a dengue, a pneumonia atípica asiática (SARS) e o episódio do Ebola na África não foram mencionados explicitamente durante a apresentação. O caso do Ebola, oriundo do Zaire, na África, surgiu nos anos 1990, matando boa parte da população daquela região. Mas vários alunos do grupo apresentador mostraram que tinham conhecimento da importância e de aspectos históricos destas epidemias durante a discussão posterior à apresentação do seminário.

A título de esclarecimento, Luiz comentou, em relação ao medicamento antiretroviral, que o termo azidotimidina (AZT) era menos usado atualmente, devendo ser substituído por zidovudina.

Ana Elisa sintetizou que assimilou bem o objetivo do seminário, afirmando pertinentemente que, dependendo do momento histórico, as crenças e as repercussões das epidemias eram diferentes, embora haja também aspectos em comum. Emídio, Luã e Tiago concordaram, comentando sobre a distinção de classes sociais que existe hoje em relação à ocorrência das epidemias, o que não ocorria em outras épocas, quando ricos e pobres eram igualmente afetados.

Henrique comentou que havia um interesse econômico importante por parte dos laboratórios farmacêuticos por trás do tratamento e prevenção destas epidemias na atualidade. Luã acrescentou a questão das cobaias humanas usadas pela indústria farmacêutica para testar os novos medicamentos, sobretudo em países do Terceiro Mundo.

Tiago comentou então que, segundo uma teoria, os laboratórios “criam” doenças para vender medicamentos, pois é “mais fácil vender a doença que vender a cura”. Na recente epidemia pelo vírus H1N1, que emergiu no México e levou a uma pandemia, cientistas afirmaram que o vírus poderia ter escapado de um laboratório. Há a possibilidade de que um vírus destes tenha sido criado em laboratório.

Concordamos que os laboratórios farmacêuticos exploram as necessidades de medicamentos das populações e isso é mais notório nos momentos de epidemias. A indústria farmacêutica argumenta que tem que cobrar altos preços pelos medicamentos por causa dos investimentos com pesquisa e desenvolvimento de novas fórmulas. Na prática, eles gastam muito em marketing e aparentemente têm embolsado, em termos de lucro, mais dinheiro do que o valor gasto nessas duas áreas. Então, é válido afirmar que os altos preços cobrados por eles cobrem os imensos consumos em marketing e que mantêm os lucros muito altos.

Luiz lembrou que durante a Guerra Fria houve aprimoramento de meios bélicos de dispersão de agentes infecciosos. Nesse sentido, José Ítalo completou que as armas biológicas podem ser uma das mais sérias ameaças no século XXI. Mas em 1972, passou a valer um tratado, em vigência até hoje, proibindo todos os passos necessários para desenvolver uma arma biológica e que foi ratificado por 144 países, após a Convenção das Armas Biológicas (BWC, na sigla em inglês). As preocupações com o uso de armas biológicas após os atentados de 11 de setembro cresceram no mundo inteiro.

Luiz mencionou as “doenças negligenciadas” e na falta de interesse da indústria farmacêutica, que não vê um mercado lucrativo que justifique a pesquisa de medicamentos mais eficazes e menos agressivos para doenças como malária, leishmaniose visceral e doença de Chagas.

Matheus Leite questionou se a religião influencia o processo de dissemniação do vírus da Aids na África. Os líderes religiosos e padres pregam abstinência e fidelidade como os únicos meios de evitar a infecção. Na África devastada pela Aids, não configura crime contra a humanidade combater o uso do preservativo? É possível aceitar que a Igreja não recomende o uso dos preservativos? Não é este o método mais eficaz para deter o avanço dessa doença que está se convertendo numa verdadeira epidemia endêmica de âmbito planetário? Se analisarmos o problema da Aids na África, devemos pensar também que a influência da Igreja Católica se restringe a mais ou menos 15% da sua população total.

Gilson afirmou, então, que a comunidade católica sofre em medida bem menor da infecção pelo vírus HIV, e parece lógico pensar que o ensinamento em favor da monogamia e da castidade já contenha os seus efeitos positivos por si só. Jader completou comentando que o comportamento dos católicos praticantes já seria uma medida de proteção contra a doença. Ponderamos, contudo, que é preciso rever um dado epidemiológico relevante nesse sentido: vem aumentando o número de mulheres casadas infectadas com o vírus HIV. As mudanças sócio-sexuais das últimas décadas têm mudado o perfil das doenças sexualmente transmissíveis, transformando seu controle em desafio para a saúde pública em todo o mundo. A questão da não adoção de medidas preventivas, como é o caso do uso do preservativo, decorre também do fato de que é difícil dialogar sobre o assunto e isso exige a superação de barreiras culturais e emocionais.

Camila questionou se a Aids configurava uma pandemia. Tiago e Rodrigo responderam que sim, pois era uma doença infecciosa que estava presente nos cinco continentes.  Trata-se de uma epidemia que se disseminou de forma desequilibrada e matou grande número de pessoas no mundo inteiro.

Sobre o seminário anterior do módulo MHB3 sobre as grandes epidemias da história, ler a postagem feita no seguinte link:
http://semiologiamedica.blogspot.com/2011/04/relatorio-do-i-seminario-de-mhb-3-em.html.

Imagem: Ilustração antiga mostrando médico da Idade Média com trajes usados para se proteger da Peste Negra.