9 de fevereiro de 2009

I Seminário Didático de MCO2: Relatório da leitura crítica de um artigo

VILLAS BOAS, P. J. F.; RUIZ, T. Ocorrência de infecção hospitalar em idosos internados em hospital universitário. Rev. Saúde Pública, v. 38, n. 3, pp. 372-378, 2004.
Seminário Didático de Análise Crítica de Artigos Científicos
O artigo acima foi apresentado e discutido no seminário de hoje em MCO2. Encerrada a discussão, uma providência ex-post é a divulgação externa dos resultados e a contribuição dos participantes. Esta é uma parte importante em qualquer seminário.
O tema do artigo apresentado é relevante na atualidade: infecção hospitalar em idosos, e foi publicado em um periódico "Qualis A Nacional". Contudo, ao ler o trabalho com espírito crítico e aguçando a curiosidade na formulação de questões a cada seção do artigo, encontramos aspectos que devem ser comentados, sobretudo considerando que a finalidade é o aprendizado e o incentivo do raciocínio crítico dos estudantes. Esse objetivo didático é extremamente importante.
Os principais problemas do artigo situam-se nas seções de "Métodos" e "Resultados". O estilo de redação do trabalho também deve ser mencionado pela falta de clareza de muitas sentenças. Temos a impressão que palavras e frases não foram cuidadosamente organizadas e editadas.
A maior parte das observações deste relatório foi colhida na discussão com os alunos 2008.2 de MCO2. A participação da turma foi boa, com questionamentos e comentários bastante pertinentes sobre os aspectos metodológicos e estilísticos do trabalho. O resultado da análise do artigo, que foi a primeira do semestre e desta turma no curso de graduação em Medicina da UFPB, pode ser considerado muito bom, a par da fase incipiente em que ainda se encontra esta turma na sua formação acadêmica (segundo período), embora tenha a seu favor o cumprimento do primeiro módulo (MCO1), o Módulo I de Pesquisa Aplicada à Medicina, no semestre passado.
A participação verbal dos alunos foi relativamente homogênea, com iniciativas interessantes de quase todos eles em contribuir com a discussão. Houve interferência negativa pelo número de alunos sobre a dinâmica do seminário, sendo difícil de conduzí-lo, o que já era esperado, pois a turma é muito grande. Um seminário com uma turma desse tamanho é uma tarefa quase hercúlea.
Da nossa discussão, encontramos as seguintes falhas no artigo lido:
1) Título: "Ocorrência de infecção hospitalar em idosos internados em hospital universitário" tem duas falhas mais importantes; primeiro, "ocorrência" é uma palavra vaga e apenas alonga o título, sem nada contribuir na sua expressividade, e poderia ser removida ou substituída por "risco" ou mesmo "incidência"; segundo, "internados em hospital universitário" é tautológico, porque se é antecedido por "infecção hospitalar", é porque o paciente esta internado, e "em hospital universitário" soa também muito vago: por que não se definiu em que hospital foi realizado o estudo? A pesquisa foi feita em apenas um hospital.
2) Resumo: Há uma sentença inicial no item "objetivos" que não é adequada ali - se o resumo é estruturado, não se poderia iniciar este item com a frase "A infecção hospitalar é uma importante causa de morbidade e mortalidade na população idosa." A seguir, no resumo, há menção ao intervalo de confiança de 0,95%, e não de 95%, como deveria ser. No resumo, os autores referem-se à odds ratio como "o odds ratio", mas esta medica é uma razão, e não um coeficiente ou índice e, portanto, deveria ser "a odds ratio".
3) Introdução: No terceiro parágrafo, define-se infecção hospitalar de acordo com o Ministério da Saúde, porém não se insere a respectiva referência. O terceiro parágrafo é totalmente dissonante, nem deveria estar ali, e sim na "Discussão", onde também figura, sendo esta mais uma razão para a eliminação de todo este parágrafo da "Introdução". O quarto parágrafo dispensa comentários por sua redação confusa, e será transcrito a seguir: "Os determinantes de risco de infecção hospitalar estão entre as características e exposições dos pacientes que o predispõem às infecções. Os pacientes submetidos a esses fatores de risco apresentariam taxas mais elevadas de infecção hospitalar"
4) Objetivos: Neste item não figuram aspectos que foram incluídos nos resultados, tais como relação com mortalidade e permanência hospitalar, etiologia das infecções e uso de antimicrobianos. Mas poderia ser considerado um aspecto aceitável, se considerarmos que os autores optaram apenas pela inclusão do objetivo geral da pesquisa.
5) Métodos:
(5.1) Não há menção ao nome do hospital onde foi realizado o estudo, nem os setores deste que foram pesquisados, e nem à caracterização do serviço ou da instituição. Não havia necessidade de ocupar-se tanto espaço com a fórmula de cálculo do tamanho da amostra. Por outro lado, "a fórmula de Fisher e Belle" não existe enquanto "fórmula" de Fisher e Belle. Poderia ter sido feita a referência do livro onde se recomenda essa fórmula de cálculo, já que há várias fórmulas com este fim, dependendo do objetivo da pesquisa. No caso, é um estudo de incidência, e portanto, existe uma fórmula para tal, e não deveria ter sido mencionada como "fórmula de Fisher e Belle", só porque esta fórmula está explicitada em um conhecido livro de Metodologia e Bioestatística, dos autores Fisher e Van Belle, assim como é mencionada em outros livros de Estatística.
(5.2) No cálculo da amostra considera-se uma incidência de infecção hospitalar de 8,5%, mas não foi incluída a devida referência desta incidência.
(5.3) Não ficou explícito o modelo do estudo, que por dedução, o leitor conclui que é um estudo de coorte. Além disso, não foi descrito o número de avaliações/visitas feitas aos pacientes, já que é um estudo de seguimento.
(5.4) A avaliação pós-alta de incidência de infecção de sítio cirúrgico foi feita de forma pouco acurada, realizando-se apenas contato telefônico com os pacientes para verificar a ocorrência de infecção. Mais apropriado seria a visita domiciliar do pesquisados aos pacientes observados, ou a visita destes ao hospital, para observação pelo médico ou enfermeiro. Na vigilância após a alta hospitalar ainda não foi validado nenhum método e vários têm sido utilizados: método de busca ativa, notificação passiva pelo cirurgião ou pelo paciente, revisão de prontuários, avaliação de exames microbiológicos e revisão de bancos de dados de planos de saúde. Não se pode afirmar que um único método seja totalmente eficiente, mas é provável que a observação direta da ferida cirúrgica pelo médico, geralmente usada como "padrão ouro" na detecção das infecções de sítio cirúrgico, apresente maior sensibilidade e especificidade. Não se dispõe de muitos trabalhos que relatem o valor da sensibilidade dos diferentes tipos de coleta de dados utilizados. Nas experiências referidas por Hofherr (1979) e Thoburn (1968), a notificação dos médicos identificou 36% e 64% das infecções, respectivamente. Por outro lado, a busca ativa apresentou sensibilidade de 68,5% (BLAKE, 1980), 70% (BIRNBAUM, 1981) e 80% (MULHOLLAND, 1975), utilizando diversas fontes de dados.
(5.5) As variáveis independentes pesquisadas foram escolhidas de acordo com que trabalho prévio ou que autor (es)?
(5.6) A classificação do potencial de contaminação do tipo de cirurgia realizada não tem referência. Deveria ter. Além disso, na vigilância das infecções de sítio cirúrgico, utiliza-se o componente cirúrgico do sistema de vigilância das infecções hospitalares National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, Estados Unidos), no qual os pacientes devem ser acompanhados até o 30º dia do pós-operatório ou até um ano, se houver implante de prótese.
(5.7) Não há critérios de exclusão de pacientes da amostra selecionada. Deveria haver. É necessário saber que pacientes foram excluídos e por quê. Dos 760 idosos hospitalizados no hospital, foram selecionados 322. Quais foram os critérios adotados para esta seleção? Foi uma seleção aleatória?
(5.8) Os números da amostra estão discrepantes. Ora o número de pacientes é 322, ora é 332.
(5.9) A análise estatística foi bem apropriada ao desenho e objetivos do estudo. Em uma primeira etapa, utilizou-se uma medida de associação, a odds ratio, para verificar a existência de associações entre os fatores de risco analisados e o desfecho (infecção hospitalar); e na segunda etapa da análise inferencial, ajustou-se um modleo de regressão múltipla envolvendo as variáveis que, na análise bivariada da fase anterior (odds ratio) apresentaram um valor de p > 0.05.
6) Resultados:
(6.1) Esta seção deveria ter começado com a caracterização sócio-demográfica e clínica da amostra, que só foi feita no oitavo parágrafo. O primeiro parágrafo encontra-se confuso, e será transcrito a seguir: "A taxa de pacientes com infecção hospitalar nos pacientes estudados foi de 18,6% (61 pacientes de 332) e a taxa de infecção hospitalar nos pacientes estudados, de 23,6% (76 episódios em 332)."
(6.2) Há resultados que não foram mencionados na seção "Métodos": etiologia das infecções e uso de antimicrobianos. E há dados que foram incluídos em "Métodos" e não foram reportados, como a caracterização do diagnóstico principal de internação conforme a CID-10, e que não foram considerados nos "Resultados".
(6.3) De forma geral, as três tabelas têm títulos incompletos. Na terceira coluna da tabela 3 deveria ter sido colocado "odds ratio ajustada", pois foi associada à regressão múltipla.
7) Discussão: O primeiro parágrafo deveria estar na Introdução. As referências mencionadas são antigas, entre 1978 e 1998, com apenas duas referências de 2000 a 2003. Há vários trechos com falhas na redação. Há muita repetição dos dados apresentados em "resultados", inclusive com valores numéricos. Os resultados deveriam ser apenas salientados na discussão. Alguns aspectos importantes dos dados não foram discutidos, como a taxa de uso de antibioticoterapia profilática e sua relação com a incidência elevada de infecção hospitalar que foi encontrada na pesquisa.
Referências mencionadas neste relatório BIRNBAUM, D. e KING, L. A. Disadvantages of Infection Surveillance by Medical Record Chart Review. Am. J. Infect. Com. 9 (1): 15-7, 1981. BLAKE, S. et alii. Surveillance: Retrospective versus Prospective. Am. J. Infect. Cont. 8 (3): 75-8, 1980. HOFHERR, L. Nosocomial Infection Surveillance Techniques-a review. APIC Journal 7 (3): 12-5, 1979.