9 de abril de 2009

Quem tem medo da subjetividade? O fator subjetivo na avaliação formativa do estudante de Medicina

No momento em que os cursos de graduação em Medicina estão revendo seus projetos pedagógicos, é fundamental que se reflita sobre a construção da subjetividade nesse processo. A busca de novas técnicas pedagógicas são fundamentais, contudo podem ser difíceis de implantar na prática e insuficientes para auxiliar os alunos a elaborar a diversidade de embates afetivos com os quais irão lidar.
As mudanças curriculares têm seu ponto nevrálgico no tema da avaliação do aprendizado. Há muitas resistências, por parte dos docentes e dos discentes, às práticas avaliativas menos estruturadas, mais diretivas.
Refletir sobre avaliação é um processo difícil, mas não tão difícil quanto vivenciá-la, seja como avaliador ou avaliando. Na qualidade de avaliador, é preciso tentar ser justo, franco, aberto. É preciso buscar estipular critérios claros e espaços de interação. Por outro lado, como avaliados, os alunos querem mostrar o melhor de si, sua capacidade e potencial, mesmo que naquele momento, o melhor de si seja pouco frente ao que o outro espera (CANEN, 2001).
Pensar em formação médica atualmente remete à análise conjunta do desenvolvimento das habilidades afetivas, psicomotoras e cognitivas. A promoção do desenvolvimento das habilidades afetivas pressupõe vivências nas relações interpessoais e adaptação psicossocial aos ambientes e às pessoas. A avaliação formativa insere-se nesse contexto, com a finalidade de avaliar o processo de desenvolvimento do estudante, seu desempenho.
Insere-se aqui também a reflexão sobre os componentes subjetivos presentes nos relacionamentos humanos, como a transferência e a contra-transferência, conceitos vindos da Psicanálise. Dentro desse processo, a subjetividade intervém também no sistema avaliativo, particularmente na avaliação formativa, haja vista que esta diz diretamente às questões de habilidades pessoais. O julgamento destas habilidades sofre inevitavelmente a influência da história de vida, relacionamentos anteriores, necessidades afetivas, conceito de si, identidades e papéis sociais, ansiedades e defesas.
Conceituar o termo subjetividade é uma tarefa complexa, sobretudo quando se considera esse conceito e sua adequação à educação. Mas antes, veja-se a conceituação de um dicionário: segundo o Larousse Cultural (1999), subjetividade é o caráter do que é subjetivo, que, por sua vez, diz respeito ao sujeito definido como ser pensante, por oposição a objetivo. De fato, a subjetividade engloba todas as peculiaridades inerentes à condição de ser sujeito, envolvendo as capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas e racionais de uma determinada pessoa.
Portanto, o termo subjetividade engloba o conceito de ser humano, de psiquismo, de "indivíduo psíquico"... O assunto da subjetividade merece toda a atenção quando se trata das experiências pessoais, intransferíveis e conscientes, da ordem dos fenômenos internos das pessoas e suas experiências vividas (HOFFMANN, 2003).
Contudo, durante muito tempo a dimensão emocional foi relegada pela Ciência e, portanto, por outras dimensões acadêmicas também. Ao longo da história, houve uma valorização maximizada da objetividade em detrimento à subjetividade.
Mas, qual seria o papel da subjetividade na avaliação formativa do aluno de Medicina? Pelo que se apresentou linhas acima, negar a subjetividade na formação do processo estratégico é negar a própria condição humana. Quando se opta pela "imparcialidade", que significaria não dever assumir posturas e atitudes determinadas pelo querer ou não bem ao outro, mas sim buscando o ser justo e ético, ainda assim não se está sendo afetivo/emocional?
Antes de tentar responder, é preciso revisar aspectos fundamentais da avaliação formativa. Na avaliação formativa, “é fundamental que o professor tenha claramente definido os objetivos a alcançar, devendo, portanto, a avaliação estar voltada para a aprendizagem e o desempenho do aluno. É também indispensável que o professor defina, com seus alunos, os critérios que lhe servirão de referenciais para constatar o alcance desses objetivos” (PINTO, 2002).
Esta é uma citação que coloca em primeiro plano a questão da definição dos objetivos de aprendizagem e os critérios de avaliação de desempenho, ligados aos primeiros. Mas, no modo de aplicar esta avaliação, devem ser considerados aspectos estudados em relação à subjetividade na avaliação (ALBANESE, 2000; CANEN, 2001; NUNES, 2007):
(a) Efeito de halo: tendência para se ser influenciado por um traço particular oupor uma impressão geral acerca de uma determinada pessoa, quando se avaliaoutro traço da mesma pessoa;
(b) Efeito de Pigmalião ou de Rosenthal: traduz a influência que as expectativasdo professor exercem sobre o desenvolvimento e os resultados do aluno;
(c) Efeito de Hawthorne: resultados positivos ou negativos que não são devidos a fatores ligados ao aprendizado do aluno, mas ao efeito psicológico desencadeado pelo fato de a pessoa avaliada ser objeto de uma atenção especial.
Assim, não são os pressupostos da avaliação formativa que trazem a subjetividade à cena avaliativa. A questão está na lógica da avaliação, porque pensar em formação médica atualmente remete à análise do desenvolvimento das habilidades afetivas e psicomotoras, não apenas na dimensão cognitiva, como ocorre na avaliação tradicional, somativa. A promoção do desenvolvimento das habilidades afetivas pressupõe vivências de relações interpessoais e adaptação psicossocial aos ambientes e às pessoas. Aí está a subjetividade: a avaliação formativa insere-se nesse contexto, com a finalidade de julgar o processo de desenvolvimento do estudante, seu desempenho no que diz respeito a atitudes e comportamentos.
Insere-se aqui também a reflexão sobre os componentes subjetivos presentes nos relacionamentos humanos, a saber, a transferência e a contra-transferência. Dentro desse processo, intervém também no sistema avaliativo, particularmente na avaliação formativa, haja vista que esta diz diretamente às questões de habilidades pessoais. Claramente, tal processo envolve a subjetividade das pessoas envolvidas, professor e aluno. No contexto da subjetividade em avaliação ressalta-se a importância de respeitar o ritmo individual na aquisição de aprendizagens significativas, e nesta, a “auto-avaliação” adquire lugar privilegiado, bem como o estudo dos aspectos afetivos/emocionais que interferem no processo de ensino/aprendizagem.
Portanto, a subjetividade é notória na elaboração da avaliação formativa. Esta avaliação de atitudes do aluno depende também da visão de mundo do professor. Nesse sentido, Hoffmann afirma que até as questões elaboradas sofrem a influência da subjetividade:
No momento em que o professor formula uma questão, seja oralmente ou por escrito, revela uma intenção pedagógica e uma relação com o educando, o que implica obrigatoriamente subjetividade [...] As questões elaboradas revelam o entendimento do professor [...] sua visão de conhecimento. (HOFFMANN, 2003, p. 50).
Muito se está falando sobre a avaliação da aprendizagem sob o ponto de vista do professor, mas uma avaliação formativa e que possui fidedignidade pode ser realizada por outros “ângulos” de observação, como, por exemplo, pelo colega ou pelo próprio aluno. A avaliação por pares tem sido apontada como um importante indicador de desempenho, sendo considerada consistente e confiável, fornecendo informações que não poderiam ser identificadas por métodos tradicionais de avaliação. No entanto, a avaliação por pares é subjetiva também e pode ser influenciada pelas impressões gerais que o estudante tem do colega. Esse é um tema que merece ser discutido neste momento de reforma curricular no curso de Medicina. Se esse é o caminho, e é o que parece, se o professor e o aluno não atuam de forma cooperativa e aberta, podem-se cometer desvios, por mais consciente que se julgue agir na processo de ensino-aprendizagem. Referências Grande Dicionário Larousse cultural da língua portuguesa. São Paulo: Nova Cultural; 1999. PINTO, E. Avaliação de ingressantes. In: FELTRAN, R. C. S, et al. Avaliação na educação superior. Campinas: Papirus, 2002, p. 83-108. ALBANESE, M. Problem-based learning: why curricula are likely to show little effect on knowledge and clinical skills. Med Educ. 34 (9):729-38, 2000. CANEN, A. Universos culturais e representações docentes: Subsídios para a formação de professores para a diversidade cultural. Educ. Soc. 22 (77): 207-227, 2001. NUNES, E. D. Merton e a sociologia médica. Hist. cienc. saude-Manguinhos 14 (1): 159-172, 2007 HOFFMANN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. 20 ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2003. Crédito da imagem: www.medicine.uiowa.edu/Osac/curriculum/m4.html