25 de janeiro de 2010

SEMIO-QUIZ: Homem idoso com dor abdominal intensa e aguda

Figura 1
Figura 2
Um paciente de 77 anos é admitido em um serviço de Pronto-socorro (PS) no início da manhã apresentando uma história de quatro horas de dor abdominal intensa e generalizada, "como cãibras". Teve vômitos biliosos na noite anterior. A dor piorou consideravelmente tarde da noite e uma ambulância foi chamada.
Chegou ao PS sem vômitos. Queixou-se que sofre de indigestão "episódica", e a última ocorreu há alguns meses. O paciente relata também episódios anteriores esporádicos de intensa dor em abdome superior após as refeições, com irradiação para a região lombar direita e duração de minutos a horas, associada a vômitos intermitentes. Ele afirma que usa antiácido mas obtém apenas uma pequena melhora.
Antecedentes patológicos: hipertensão arterial sistêmica, doença cardíaca isquêmica, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e gota. Não tem antecedentes cirúrgicos significativos. Os medicamentos de uso contínuo atualmente são aspirina, atenolol, furosemida, nitroglicerina e um inalador para sua DPOC (não lembra os nomes).
Foi feita infusão de 500 mL de solução salina 0,9%, além de analgesia, com melhora dos sinais vitais.
Exames laboratoriais: Leucograma = 15.800 (diferencial não disponível); proteína C-reativa = 247 mg / L, sódio = 148 mEq / L, potássio = 3,1 mEq / L, uréia = 28,6 mg / dL, creatinina = 1,5 mg / dL. Gasometria arterial = pH 7,31, HCO3 20 mEq/L, PCO2 ? lactato 23,4 mg/dL.
Radiografias de tórax e abdome em posição ortostática mostraram as imagens acima (ver Figuras 1 e 2 no topo desta postagem).
Foi passada uma sonda nasogástrica e instituída dieta zero. Mantida uma sonda vesical para monitorização do débito urinário. Feita monitorização de sinais vitais. Mais 1000 mL de solução salina a 0,9% foram administrados. Cefuroxima e metronidazol são iniciados por via intravenosa, e após o parecer do cirurgião plantonista, o paciente foi levado ao centro cirúrgico para uma laparotomia exploradora de urgência.
A laparotomia levou ao diagnóstico. Mas quais são as hipóteses diagnósticas para esse paciente?

28/01/09 - Relato do diagnóstico etiológico e evolução clínica: Publicado originalmente por McCOMBIE et al. (2009) em Medscape CME (eMedicine Case Presentations) Este paciente apresentou quadro de obstrução intestinal mecânica do delgado complicada por perfuração e peritonite subsequentes. A história do paciente e seu exame físico são compatíveis com essa sequência fisiopatológica de eventos. O exame radiológico (Rx simples de tórax e abdome em posição ortostática) sustentou esta hipótese pela presença de uma grande quantidade de ar intraperitoneal livre e alças intestinais dilatadas. Durante a laparotomia exploradora, verificou-se presença de conteúdo intestinal no peritônio e uma perfuração no íleo distal. A causa da obstrução foi visualizada: um cálculo biliar de 30 mm de diâmetro impactado no íleo terminal. A vesícula biliar estava aderida ao duodeno. O cálculo foi cuidadosamente mobilizado proximalmente e removido através de uma enterolitotomia. A perfuração foi fechada e, após a lavagem copiosa da cavidade peritoneal, o abdome foi fechado. Esse diagnóstico é difícil de fazer, com até 50% dos diagnósticos realizados na laparotomia. Ocorre em consequência de uma fístula interna entre algum ponto das vias biliares (geralmente a vesícula) e o tubo digestivo. Os pacientes muitas vezes não têm história prévia de sintomas biliares, sendo outras causas de obstrução cogitadas inicialmente.

Indícios radiográficos são responsáveis pela maioria dos diagnósticos precoces. Em uma radiografia abdominal, a tríade de Rigler (pneumobilia, obstrução do intestino delgado e cálculo biliar ectópico geralmente visto na fossa ilíaca direita) é considerada altamente sugestiva de íleo biliar. Deve-se lembrar que apenas 10% dos cálculos biliares são visíveis em radiografias. Isso pode ser estendido a outras modalidades de imagem. A tríade de Rigler pode ser vista em 15% dos pacientes através de radiografia simples de abdome, 11% em ultrassonografias, e 78% com a tomografia computadorizada (TC). A TC pode mostrar a fístula também. McCombie et al. (2009) citam estudos que reforçam o papel da TC na avaliação de pacientes com íleo biliar, destacando a sua capacidade de detectar o tamanho, localização e número exato de cálculos ectópicos, e eles também afirmam o seu valor diagnóstico em muitos casos de abdome agudo. Embora ultrassonografias tenham pior desempenho que as radiografias simples para demonstrar a tríade de Rigler, continua sendo um excelente exame para demonstrar comprometimento biliar. Conclusão diagnóstica

  1. Diagnóstico etiológico: Íleo biliar + colelitíase;
  2. Diagnósticos sindrômicos: Abdome agudo perfurativo, peritonite, sepse, distúrbio hidroeletrolítico, distúrbio ácido-básico, hipovolemia;
  3. Comorbidades: Doença coronariana, hipertensão arterial, DPOC, gota.

Referência: Este caso clínico foi publicado originalmente por McCombie et al. (2009) no MedscapeCME eMedicine Case Presentations CME McCOMBIE, J. J. et al. A 77-Year-Old Man With Suddenly Worsened Abdominal Pain. MedscapeCME. Disponível em: http://cme.medscape.com/viewarticle/714983?src=cmemp&uac=124206FK. Acesso em: 25 jan 2010.