4 de novembro de 2011

Semiologia Clínica das Hemopatias Malignas

Por Gabriel Braz Garcia
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
As hemopatias malignas, oriundas de crescimento desordenado de tipos de células da linhagem hematopoiética, caracterizam-se por comprometer de maneira global as condições físicas. O diagnóstico clínico geralmente encontra-se na dependência do tipo de malignidade. Em geral, os sinais e sintomas estão relacionados à hiperproliferação em sítios distintos, em especial com linfonodomegalia, ao aparecimento de sintomas constitucionais e às condições mórbidas associadas.

Palavras-Chave: Hematologia. Sinais e Sintomas. Exame Físico.

As hemopatias malignas caracterizam-se por comprometer de maneira global as condições físicas. Existe uma grande diversidade de apresentações; podem se revelar como manifestações muito pouco evidentes, em que a medula óssea está comprometida sem que sinais e sintomas indicativos existam, ou como quadros nitidamente neoplásicos, com aumento de volume dos linfonodos, hepatomegalia, esplenomegalia ou neoplasias extralinfáticas (ossos, mamas, ovários, testículos, glândulas de secreção externa, tecido subcutâneo) (PORTO; PORTO, 2009).

O diagnóstico clínico encontra-se na dependência do tipo de malignidade: leucemias agudas e crônicas, linfoma tipo Hodgkin e não-Hodgkin, policitemia vera, mielofibrose idiopática, mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldeströn, amiloidose. Em geral, a sintomatologia está relacionada à hiperproliferação em sítios distintos, ao aparecimento de sintomas constitucionais e às condições mórbidas associadas, como infecções.

A anamnese é fundamental no diagnóstico, como sempre. Há desordens que passam despercebidos durante um longo tempo; outras vezes estas afecções instalam-se de modo abrupto, determinando quadros dramáticos de hemorragia, anemia intensa, infecções de difícil controle, podendo levar o paciente à caquexia, torpor e morte. Assim, ao exame físico, é fundamental observar as condições gerais e nutricionais, o que pode orientar no prognóstico.

Os sinais e sintomas inespecíficos incluem a fadiga, fraqueza, perda de peso e anorexia (LOPEZ, 2004). Pode haver também uma curva térmica característica, tida como elevada, intermitente e pouco responsiva a antitérmicos, denominada “febre de Pel-Ebstein”, vista nos pacientes com linfomas tipo Hodgkin.

A dor pode ser referida em orofaringe, tronco e membros, sendo secundária à presença de infecções, crescimento tumoral com distensão de tecidos ou à compressão de raízes nervosas. Dores ósseas são frequentes no mieloma múltiplo, muitas vezes complicadas com fraturas patológicas pelo adegalçamento do tecido ósseo.

Infiltrações de pele por células leucêmicas ou linfomatosas podem ocorrer, sob forma de máculas ou pápulas. Lesões herpéticas são relativamente comuns por deficiência imunológica. Ao exame da pele, ressalta-se ainda a presença do prurido como achado frequente, associado ou não a sudorese.

Manifestações dermatológicas podem ser proeminentes em alguns tipos de linfomas que afetam primariamente a pele. A micose fungóide, por exemplo, é uma neoplasia dos linfócitos T helper, que pode permanecer sem manifestações extracutâneas por muitos anos.

A forma típica de apresentação da micose fungóide consiste de três padrões: um estágio precoce com lesões inespecíficas, placas eritêmato-escamosas, lembrando psoríase e parapsoríase. Um segundo estágio que se caracteriza por infiltração das placas eritêmato-descamativas preexistentes, surgimento de novas placas infiltradas e nódulos. E um terceiro estágio identificado pelo aparecimento de tumores de vários tamanhos e de cor eritêmato-acastanhada, sendo raras formas iniciais tumorais (DUQUIA et al., 2005).

No sistema nervoso central, quadros de infiltração podem determinar cefaléia e vômitos, determinados pela hipertensão intracraniana, além de paraparesia, de instalação lenta ou subaguda. Destaca-se, ainda, na leucemia mielóide crônica, a protrusão típica do globo ocular, por compressão, o cloroma, comprometendo a acuidade visual.

Em algumas desordens, como mieloma múltiplo e macroglobulinemia, tem-se, por hiperproteinemia, um aumento da viscosidade sanguínea, o que gera edema, sinais de insuficiência cardíaca e hipertensão arterial.

Contudo, os sinais mais ligados às hemopatias malignas são a linfonodomegalia e a hepatoesplenomegalia. Nas hipertrofias ganglionares malignas, encontram-se linfonodos consistentes, assimétricos, não dolorosos, de volume variável, de consistência firme, borrachenta, sem eritema local ou sinais inflamatórios cutâneos (PORTO; PORTO, 2009).

As lifadenomegalias podem ser encontradas em diversas cadeias linfáticas, desde as de cabeça e pescoço (occipitais, submandibulares, supraclaviculares), com inspeção facilitada; até cadeias mais profundas, como as mediastínicas, gerando quadro grave, com compressão de vias aéreas ou vasos (SEIDEL, 2007). Um fato curioso é que, às vezes, há dor nos gânglios hipertrofiados após ingestão de bebidas alcoólicas nos casos de linfoma tipo Hodgkin. Em alguns linfomas, inclusive, pode haver necrose do tecido tumoral, presença de flutuação e mesmo fistulização.

As manifestações do linfoma de Burkitt, um tipo de linfoma não-Hodgkin altamente agressivo e ocorre predominantemente nas primeiras décadas de vida, ocorrem em ossos gnáticos, especialmente maxila. Na cavidade oral, este tumor pode progredir muito rapidamente e se apresentar como uma tumefação facial ou uma massa exofítica envolvendo os maxilares (FREITAS et al., 2008).

Podem ocorrem manifestações osteoarticulares também. Em doenças mieloproliferativas, a dor óssea também é referida, principalmente na metáfise dos ossos longos. Inicialmente de caráter intermitente, a dor tende a se intensificar e tornar-se persistente, sendo caracteristicamente noturna. Leucemias e linfomas têm sido, dentre as neoplasias, os principais responsáveis por alterações articulares (CAMPOS et al., 2008).

As síndromes mieloproliferativas crônicas, atualmente denominadas neoplasias mieloproliferativas, de acordo com a 4ª edição da classificação da Organização Mundial da Saúde, são doenças clonais de célula-tronco hematopoética, nas quais há proliferação aumentada das séries mieloides com maturação eficaz, o que leva à leucocitose no sangue periférico, aumento da massa eritrocitária ou trombocitose. Várias progridem para fibrose medular ou transformação leucêmica (CHAUFFAILLE, 2010).

Esse grupo de mieloproliferações engloba as seguintes doenças: leucemia mieloide crônica, policitemia vera, mielofibrose idiopática crônica, trombocitemia essencial, leucemia neutrofílica crônica, leucemia eosinofílica crônica não especificada, mastocitose e neoplasia mieloproliferativa inclassificável.

Os sintomas da policitemia vera são: cefaleia, pletora, cansaço, tontura e sudorese. Prurido está presente em torno de 40% dos pacientes e é atribuído a aumento de histamina e ao número de mastócitos na pele. Episódios trombóticos (AVC, síndrome de Budd-Chiari, infarto do miocárdio, tromboembolismo pulmonar ou trombose venosa profunda) estão entre as complicações mais comuns, aparecendo em aproximadamente 33% dos pacientes. Sangramentos também são descritos (25% dos casos). Há aumento da incidência de úlcera péptica (CHAUFFAILLE, 2010).

A policitemia vera cursa com três fases: a fase prodrômica ou pré-policitêmica, inicial, na qual há apenas eritrocitose discreta ou limítrofe; fase pletórica com a sintomatologia acima descrita; e fase tardia, de esgotamento ou consumo, na qual há fibrose medular e as queixas são de fraqueza, pela anemia, e desconforto abdominal pela esplenomegalia evidente.
 
Por outro lado, na mielofibrose, um quarto dos pacientes é assintomático e o diagnóstico é feito pela esplenomegalia ou por achado fortuito. Os demais apresentam sintomas secundários à anemia (fraqueza, cansaço, palpitação e dispneia), esplenomegalia (saciedade, desconforto ou dor em quadrante superior esquerdo do abdômen), estado hipermetabólico (perda de peso, sudorese noturna ou febre), eritropoese extramedular, sangramentos (petéquias, hemorragia em trato gastrointestinal), alterações ósseas (dor nas juntas ou ósseas por osteoesclerose), hipertensão portal (ascite, varizes de esôfago ou gástricas, sangramento de TGI, encefalopatia hepática, trombose de veia porta ou hepática) .

É válido destacar, entretanto, que embora a semiologia dirigida às hemopatias sejam de grande valia, o diagnóstico é confirmado apenas através da biópsia de estrutura neoplásica, seguida da avaliação imuno-histológica, assim como toda afecção maligna. Com isso, é possível traçar um plano terapêutico adequado, junto à determinação do prognóstico.

Referências
CAMPOS, L. M. A. et al. Comprometimento musculoesquelético como primeira manifestação de neoplasias. Rev. Assoc. Med. Bras. 54 (2): 132-138.
CHAUFFAILLE, M. L. L. F. Neoplasias mieloproliferativas: revisão dos critérios diagnósticos e dos aspectos clínicos. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 32 (4): 308-316, 2010.
DUQUIA, R. P. et al. Micose fungóide hipopigmentar com 20 anos de evolução. An. Bras. Dermatol. 80 (2): 189-191, 2005.
FREITAS, R. A.; BARROS, S. S. L. V.; QUINDERE, L. B. Linfoma de Burkitt oral: relato de caso. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 74 (3): 458-461, 2008.
LÓPEZ, M.; LAURENTYS-MEDEIROS, J. Semiologia Médica: As Bases do Diagnóstico Clínico. 5a. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2004.
PORTO, C. C.; PORTO, A. L. Semiologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009
HARRISON. Medicina Interna, 17ª edição. Rio de Janeirro: McGraw Hill Interamericana do Brasil, 2008.
PEREIRA, J. et al. Leucemia/Linfoma de células T do adulto: uma revisão da literatura. Rev. Soc. Bras. Clín. Méd; 5 (2): 62-67, 2007. 
SEIDEL, H. M.  et al. MOSBY Guia de Exame Físico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

Imagem: healthgiants.com