23 de fevereiro de 2013

Síndromes Paraneoplásicas


Por Artur Bastos Rocha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Síndromes paraneoplásicas correspondem a um conjunto de sinais e sintomas presente no paciente oncológico e referentes ao acometimento de um determinado sistema que está distante do sítio neoplásico original e não decorrente de invasão tumoral, metástase ou efeito de massa. Os sistemas mais prevalentemente acometidos são o hematológico, dermatológico, neurológico, endócrino-metabólico e osteomuscular. As manifestações possuem magnitude variável. Embora o diagnóstico muitas vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida em algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais transtornos. É importante pensar nesta possibilidade diagnóstica porque esta suspeição pode levar ao diagnóstico de uma neoplasia maligna subjacente previamente não detectada, e que pode dominar o quadro clínico, assim como por se tratar de um quadro que pode seguir o curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser útil para monitorar a sua evolução.

Palavras-Chave: Síndrome Paraneoplásica. Imunidade Cruzada. Câncer.

As síndromes paraneoplásicas, ou síndromes humorais associadas com neoplasias, são um conjunto de sinais e sintomas que antecedem ou ocorrem simultaneamente à presença de uma neoplasia maligna no organismo, mas não diretamente relacionado ao câncer , ou seja, não decorrente de invasão neoplásica, obstrução, efeito de massa ou efeitos metastáticos do tumor. As síndromes paraneoplásicas mais prevalentes são as de natureza musculoesquelética, tegumentar, endócrino-metabólica, nervosa e hematológica (MASON, 2005). São manifestações extremamente complexas, podendo envolver vários sistemas. Às vezes, síndromes paraneoplásicas podem ser mais graves até que as consequências do tumor primário (FORGA et al., 2005).
A fisiopatologia precisa da maioria das síndromes paraneoplásicas é desconhecida. Porém, o entendimento da etiopatogenia destas síndromes tem aumentado nos últimos anos. Sabe-se que são causadas ​​pela secreção tumoral de substâncias que podem alterar a função hormonal e imunológica, além de gerar reatividade cruzada entre os tecidos malignos e os normais. Acredita-se também que as síndromes paraneoplásicas podem ser decorrentes de mutações responsáveis ​​pelo tumor primário.
As neoplasias mais comumente associadas incluem o câncer de pulmão de pequenas células, câncer de mama, tumores ginecológicos e neoplasias hematológicas. Em alguns casos, o diagnóstico precoce destas condições pode conduzir a detecção de um tumor clinicamente oculto de outra forma, numa fase precoce e tratável (PELOSOF; GERBER, 2010).
Embora o diagnóstico de paraneoplasia muitas vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida em algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais transtornos. Além disso, é importante reconhecer uma síndrome paraneoplásica por vários motivos, entre os quais  três devem ser destacados: (1) Pode levar ao diagnóstico de uma neoplasia maligna ou benigna subjacente previamente não detectada; (2)  Pode dominar o quadro clínico e assim levar a erros no que diz respeito à origem e tipo de tumor primária; e (3) Pode seguir o curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser útil para monitorar a sua evolução (FORGA et al., 2005).
Já os tumores que derivam das células sintetizadoras de imunoglobulinas, como os linfomas, estão mais comumente envolvidos em lesões de sistema nervoso periférico do que em outro tipo neoplásico.
Síndromes paraneoplásicas associados com o câncer de pulmão de células pequenas incluem anormalidades endocrinológicas secundárias à produção hormonal polipeptídica, e sequelas neurológicas devido à produção de auto-anticorpos.
A principais síndromes paraneoplásicas endócrinas são hipercalcemia maligna, hiponatremia (secreção inapropriada do hormônio antidiurético), síndrome de Cushing ectópica, acromegalia ectópica, hipoglicemia devido a tumores diferentes daqueles das células das ilhotas de Langerhans e ginecomastia paraneoplásica.
A hipercalcemia tem como responsáveis três mecanismos básicos: secreção de fatores humorais que alteram a homeostase do cálcio pela ação em órgãos-alvo (osso, rins e intestinos), fatores locais produzidos pelos tumores metastáticos ou hematológicos no osso, estimulando diretamente os osteoclastos, e um possível hiperparatireoidismo primário associado (MARTIN et al., 1999). É importante ressaltar que a proteína relacionada ao hormônio da paratireóide (PTHrP) é o fator humoral mais importante na fisiopatologia da hipercalcemia da malignidade. A história de início agudo, com sinais sugestivos de neoplasias como perda de peso e queda do estado geral, são mais sugestivos de hipercalcemia malgina do que primária, de modo que a história clínica, anamnese e exame físico podem ser elucidativos. O PTHrP é o fator humoral mais importante na fisiopatologia das síndromes paraneoplásicas, pois ele possui estrutura química semelhante ao PTH, ligando-se ao receptor deste último e desempenhando função análoga. Esse fator humoral está mais presente nos tumores sólidos do adenocarcinoma pulmonar, seguido do câncer de mama e câncer renal (MARTIN et al., 1999).
As neoplasias malignas também estão associadas com uma ampla variedade de síndromes paraneoplásicas reumatológicas. Entre estas, a osteoartropatia hipertrófica, a dermatomiosite / polimiosite e a vasculite paraneoplásica são as mais frequentemente reconhecidos. Outras associações menos conhecidas baseiam-se em um menor número de pacientes, e incluem a fascite, paniculite, eritema nodoso, síndrome de Raynaud, gangrena digital, eritromelalgia e síndromes lupus-like. Manifestações musculoesqueléticas de malignidade podem coincidir, seguir ou mesmo antecipar o diagnóstico de câncer, ou ainda anunciar sua recidiva. O curso clínico geralmente paralelo ao do tumor primário, e ao tratamento da doença subjacente, muitas vezes resulta na regressão da doença reumatológica (FAM, 2000).
A osteoartropatia hipertrófica caracteriza-se histologicamente por hiperplasia vascular, edema e excessiva proliferação osteoblástica e fibroblástica. Percebe-se, ao exame clínico das unhas, a presença de unhas em vidro de relógio e baqueteamento digital, onde se evidencia a proliferação de tecido conjuntivo no leito ungueal, com vasos sanguíneos ectasiados e de paredes espessas (CARVALHO et al., 2007).  O exame físico neste paciente torna-se indispensável e fundamental para levantar a hipótese desse diagnóstico. A maior parte dos quadros de osteoartropatia hipertrófica é decorrente de neoplasias intratorácicas, sobretudo o adenocarcinoma pulmonar e, em segundo lugar, o carcinoma de células escamosas (Op. Cit).
Manifestações reumatológicas sugerindo um câncer oculto incluem: rápido início de uma artrite inflamatória incomum ,dores ósseas difusas em um paciente de 50 anos de idade ou mais, vasculite crônica inexplicável, fasciite refratária, síndrome de Raynaud que não responde à terapia vasodilatadora, gangrena digital rapidamente progressiva ou síndrome miastênica Lambert-Eaton.
As síndromes paraneoplásicas neurológicas têm  apresentação variada, sendo algumas mais frequentes, como a degeneração cerebelar subaguda, opsoclonia-mioclonia, encefalite límbica e suas variantes, e a síndrome miastênica de Eaton-Lambert, geralmente associado nos pacientes com carcinoma de pequenas células pulmonares, agravando o quadro de insuficiência respiratória e necessitando de suporte ventilatório mecânico até regressão do quadro. A hipótese mais aceita é a de que muitas destas síndromes são imunomediadas (BARDY et al, 2000).  
O diagnóstico correto dessas síndromes paraneoplásicas depende da suspeição por parte do médico, além do conhecimento de suas manifestações clínicas dos tumores associados a essas síndromes e na pesquisa de autoanticorpos neuronais. 
As síndromes paraneoplásicas cutâneas também podem ser observadas antes ou no momento do diagnóstico da neoplasia de base, ou, raramente, mais tarde, e caracteristicamente possuem uma evolução paralela à do tumor. Para se considerar uma dermatose como sendo de etiologia paraneoplásica é necessária a presença de dois critérios: a dermatose pode aparecer previamente, concomitantemente ou após o desenvolvimento do tumor; e uma vez realizado a exérese da lesão tumoral ocorre involução da dermatose, de modo que o reaparecimento da lesão indica recidiva (COHEN et al., 1989). 
A alteração paraneoplásica de pele mais prevalente é a acantose nigricans maligna, que diferentemente da benigna, que está associada a alterações metabólicas, como resistência periférica à insulina, tende a se manifestar em áreas de articulação como a pele da região occipitocervical. Outra dermatose paraneoplásica prevalente é o paquidermatóglifo, uma forma distinta de ceratodermia caracterizada pela acentuação do padrão normal dos dermatóglifos da superfície palmar das mãos e dedos. A extrema acentuação das cristas e sulcos desse quadro dão a aparência rugosa e estas alterações são proeminentes nas áreas de pressão, incluindo eminências tenar e hipotenar e ponta dos dedos (BRINCA et al., 2011). As palmas são espessadas e têm uma textura musgosa, ocasionalmente as linhas dos dermatóglifos são obliteradas e são descritas como semelhantes a favo de mel (COHEN et al, 1989). O sítio primário neoplásico mais comumente associado a dermatoses paraneoplásicas é o adenocarcinoma gástrico, seguido pelo adenocarcinoma pulmonar (BRINCA et al., 2011).
Quanto às alterações paraneoplásicas hematológicas, predominam os tipos de neutropenia febril, as discrasias sanguíneas e a síndrome da lise tumoral. A neutropenia febril ocorre devido à redução na leucopoiese por causas desconhecidas, de provável etiologia de imunidade cruzada. Já as discrasias também ocorrem em consequência de processos de depleção das colônias formadores de células sanguíneas presentes na medula óssea (CAEIRO, 2006). As neoplasias que mais cursam como causa de síndromes paraneoplásicas são as próprias neoplasias hematológicas, como a leucemia mieloide aguda e crônica. Já a síndrome da lise tumoral caracteriza-se por uma liberação maciça de conteúdo necrótico derivado de células malignas, alterando a homeostase corporal, cursando com alterações metabólicas como hipercalemia entre outros distúrbios no equilíbrio eletrolítico desse pacientes. Além disso, a liberação a necrose tumoral libera fatores que induzem a cascata de coagulação e podem ocasionar episódios tromboembólicos e em casos muito graves, coagulação intravascular disseminada (DARMON, 2008). Uma alteração rara, mas já documentada, é a eosinofilia paraneoplásica, como sinal indicativo de doença linfoproliferativa em atividade (CHAUFFAILLE, 2010).
As síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso são as mais raras nos pacientes com câncer, e sua frequência é desconhecida. Podem afetar qualquer nível do sistema nervoso e frequentemente antecedem a detecção do tumor (BARDY et al., 2000). Os tumores mais prevalentes envolvidos nas síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso central estão envolvidos na expressão de proteínas neuroendócrinas, como o tumor de pequenas células do câncer de pulmão e o neuroblastoma, afetando órgãos com função imunomoduladora, como o timo ou aqueles órgãos que contem tecido neuronal maduro ou imaturo.
As síndromes paraneoplásicas podem ser pistas para se identificarem neoplasias ocultas e, portanto, compreender, identificar e investigar as síndromes paraneoplásicas é fundamental no rastreio e redução dos elevados índices de morbimortalidade que o câncer vem atingindo, já que em alguns casos estes sinais são premonitórios do surgimento da neoplasia maligna, até mesmo em casos que marcadores séricos e exames de imagem não conseguem detectar a tumoração.

Referências
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