15 de novembro de 2013

Fadiga

Por Laís Araújo dos Santos
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A fadiga, relacionada a etiologia específica ou idiopática, deve ser avaliada segundo características temporais, impacto sobre qualidade de vida, doenças concomitantes e medicamentos em uso. Exames laboratoriais devem ser limitados na ausência de outros sintomas. Fadiga crônica não implica a presença necessariamente na síndrome da fadiga crônica. A fadiga crônica é o sintoma mais comum associado com o câncer e outras doenças crônicas progressivas. As principais afecções relacionadas a fadiga são psiquiátricas, endócrino-metabólicas, neurológicashemato-neoplásicas, infecciosas, cardio-pulmonares, doenças reumatológicas e distúrbios do sono. Há superposição frequente entre fadiga e depressão. Boa relação médico-paciente é importante, sobretudo em doentes terminais.

Descritores: Fadiga. Etiologia. Sinais e Sintomas.

A fadiga é uma queixa muito comum. Estima-se que 21 a 33%  dos pacientes que procuram cuidados primários de saúde nos Estados Unidos relatam fadiga significativa, sendo a prevalência maior em mulheres que em homens. Inquéritos de base populacional realizados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos relatam prevalência entre 6% e 7,5%. (LAWRIE et al., 1997).  Um estudo transversal com trabalhadores norte-americanos demonstrou que a prevalência de fadiga pelo período de duas semanas chega a ser de 38 % (RICCI et al., 2007).
Queixas subjetivas relacionadas à saúde são comuns em todas as sociedades, e dor e fadiga estão entre as mais frequentes. Wilhelmsen (2006) atenta para o fato de que a dor é considerada um “bilhete válido” para receber cuidados de saúde, tem sido amplamente pesquisada ​​e existem numerosas clínicas de dor, enquanto a fadiga é ainda controversa. Estudos científicos de fadiga são escassos, e as clínicas de fadiga são inexistentes na maioria dos lugares.
A fadiga clínica incorpora três componentes, presentes em graus variáveis ​​em cada paciente: incapacidade para iniciar uma atividade (percepção de fraqueza generalizada, na ausência de achados objetivos); capacidade reduzida para manter o desempenho em atividades (fácil fatigabilidade), dificuldade de concentração, perda de memória e labilidade emocional (fadiga mental) (MARKOWITZ; RABOW, 2007). Fadiga deve ser distinguida da sonolência, dispnéia e fraqueza muscular, embora estes sintomas também possam ser associados à condição (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
Fadiga aguda devido ao trabalho físico ou mental extenuante é um fenômeno normal, e o tratamento de escolha é o repouso. Fadiga patológica permanece após o repouso e pode interferir na vida social e profissional. Fadiga central (mental ou cognitiva, que se manifesta subjetivamente como falta de energia mental ou falta de motivação) deve ser diferenciada de fadiga periférica (física ou muscular) (WILHELMSEN, 2006).
Segundo Markowitz e Rabow (2007), a avaliação da fadiga inclui a investigação dos seguintes aspectos, além da busca de causas identificáveis: início do sintoma (abrupto ou gradual?), relação com um evento ou doença; fatores temporais (estável, em melhora ou em piora? Qual o padrão diário?); gravidade (a partir de escalas específicas para mensuração); fatores de melhora e piora; impacto na qualidade de vida (capacidade de trabalhar, socializar).        
Com base na duração dos sintomas, três categorias são usadas: a fadiga recente, cujos sintomas duram menos de um mês; a fadiga prolongada, que perdura por mais de um mês, e, finalmente, a fadiga crônica, a qual se estende por mais de seis meses, mas não implica necessariamente a presença da síndrome da fadiga crônica (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
Pacientes com doenças relacionadas a um órgão-alvo, ou a um grupo de órgãos intrinsecamente relacionados, muitas vezes associam a fadiga com atividades que são incapazes de completar, a exemplo da insuficiência arterial periférica. Em contraste, os pacientes com fadiga que não tem relação com órgão específico estão cansados o tempo todo, a fadiga não está necessariamente relacionada ao esforço, nem melhora com o repouso. Sintomas sugestivos de doença oculta subjacente devem ser explorados em uma revisão detalhada de sistemas, incluindo a presença de perda de peso ou suores noturnos. A quantidade e qualidade do sono do paciente deve ser avaliado para determinar há relação de melhora ou piora da fadiga, pois pode sugerir um distúrbio do sono como etiologia. Ainda, deve-se pesquisar todos os medicamentos em uso (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
Avaliações laboratoriais extensivas, na ausência de uma história positiva ou exame físico, são de pouca utilidade na avaliação do paciente fatigado. Como exemplo, em um estudo prospectivo de 100 adultos com a queixa principal de fadiga durante pelo menos um mês, investigações laboratoriais elucidaram a causa da fadiga em somente 5% da amostra. Assim, na ausência de outros achados clínicos, a pequena probabilidade de doença leva aumenta o número de resultados laboratoriais falso-positivos e exames de seguimento desnecessários (LANE; MATTHEWS; MANU, 1990).
Quanto à etiologia, a fadiga crônica é o sintoma mais comum associado com o câncer e outras doenças crônicas progressivas (MARKOWITZ; RABOW, 2007). As principais afecções relacionadas a fadiga são psiquiátricas (depressão, ansiedade, transtorno de somatização), endócrino-metabólicas (hipotireoidismo, diabetes mellitus, hipercalcemia, insuficiência adrenal, insuficiência renal crônica, falência hepática), neurológicas (esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, lesão cerebral traumática), hemato-neoplásicas (câncer, anemia grave), infecciosas (endocardite, tuberculose, mononucleose, hepatite, parasitoses, infecção por HIV e citomegalovírus), cardio-pulmonares (insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica), doenças reumatológicas (como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico) e distúrbios do sono. Em muitas dessas condições, a fadiga é um achado típico e proeminente, por vezes associada com marcadores de atividade da doença (como citocinas e atividade de complemento), mas muitas vezes são fortemente relacionadas a fatores psicológicos (WILHELMSEN, 2006). Causas idiopáticas são diagnósticos de exclusão e podem ser classificadas como fadiga crônica idiopática, síndrome da fadiga crônica ou fibromialgia (GORROLL; MAY; MULLEY, 1995).
Drogas são outra importante causa de sintomas de fadiga crônica. Hipnóticos, relaxantes musculares, antidepressivos, anti-histamínicos de primeira geração, beta-bloqueadores e opióides são causas comuns de fadiga (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
A causa da fadiga crônica ainda permanece não identificada em um subconjunto significativo de pacientes. Como exemplo, um estudo que analisou os diagnósticos finais para os médicos de família holandeses não identificou um diagnóstico específico em 37,5% dos pacientes com queixa de fraqueza geral ou fadiga por qualquer período de tempo (OKKES; OSKAM; LAMBERTS, 2002). Outro estudo analisou prospectivamente 571 pacientes que procuraram consulta médica com novo episódio de fadiga. Após 1 ano de follow-up, 46.9% dos pacientes receberam um ou mais diagnósticos que poderiam estar associados com a fadiga, sendo a maioria sintomáticos, como problemas musculoesqueléticos (19,4%) e psiquiátricos (16,5%). Doenças clínicas bem estabelecidas e caracterizadas ocorreram em apenas 8.2% da amostra. Não foi elucidada uma causa que pudesse explicar a fadiga na maioria dos pacientes (NIJROLDER et al., 2009).
É importante distinguir entre a síndrome da fadiga crônica (SFC), uma causa rara de sintomas de fadiga crônica, e fadiga crônica idiopática. Os critérios diagnósticos para SFC, definidos pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) são:
1) Presença de fadiga avaliada clinicamente, de origem inexplicada, seja persistente ou recorrente, que não é o resultado de esforço físico em curso, que não é aliviada pelo repouso, e resulta em redução substancial nos níveis anteriores de trabalho, atividades educativas, sociais ou pessoais;
2) Quatro ou mais dos seguintes sintomas que persistem ou recorrem durante seis ou mais meses consecutivos de doença e que não são anteriores à fadiga: auto-relato de prejuízo na memória de curto prazo ou concentração, dor de garganta, linfonodos cervicais ou axilares dolorosos, dor muscular, dor poliarticular sem sinais inflamatórios, dor de cabeça com padrão ou gravidade diferente, sensação de sono não repousante e mal-estar pós-exercício que dure  24 horas ou mais.
Em contraste, a fadiga crônica por si é definida pela presença de fadiga durante mais de seis meses. Ademais, SFC representa um pequeno subconjunto de pessoas que se queixam de fadiga crônica, representando 1% a 9% dos pacientes em uma população com fadiga de pelo menos seis meses de duração. Se a fadiga persiste por mais de seis meses e é debilitante, mas não satisfaz os critérios para a síndrome da fadiga crônica, é considerada fadiga crônica idiopática ou não específica (DARBISHIRE; RIDSDALE; SEED, 2003).
         Destaca-se que a fadiga é bastante comum em doentes terminais. Quando a descoberta da etiologia específica não é possível, tratar os sintomas, muitas vezes com uma equipe multidisciplinar, deve ser o foco da atenção, inclusive cessar ou ajustar a dose de opioides e tratar estados que favorecem o quadro, como anemia, anorexia, depressão, delírio ou disfunção cognitiva (MARKOWITZ; RABOW, 2007). Finalmente, uma boa relação médico-paciente é fundamentalDois terços dos pacientes com SFC informaram que estavam insatisfeitos com a qualidade do seu atendimento médico e sentiram que seus médicos não tinham habilidades de comunicação e educação sobre seu diagnóstico (PRICE; COUPER, 2000; WHITING; BAGNALL; SOWDEN, 2001).
A fadiga e a depressão também estão frequentemente associadas: a fadiga física e perda de energia estão em um dos critérios da American Psychiatric Association, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, para diagnóstico de depressão (NORHEIM et al, 2011). Assim, destaca-se, por fim, que há uma sobreposição sintomatológica entre fadiga e depressão. 

Referências
FOSNOCHT, K. M.; ENDE, J. Approach to the adult patient with fatigue. 2012. Disponível em: www.uptodate.com. Acess0 em: 15 nov. 2013.
GORROLL AH, MAY LA, MULLEY AG JR (Eds), Primary Care Medicine: Office Evaluation and Management of the Adult Patient, 3rd ed, JB Lippincott, Philadelphia, 1995.
LAWRIE, S. M.; MANDERS, D. N.; GEDDES, J. R. et al. A population-based incidence study of chronic fatigue. Psychol Med. 27:343, 1997.
NORHEIM KB, JONSSON G, OMDAL R. Biological  mechanisms of chronic fatigue. Rheumatology. 50 (6): 1009-18, 2011. 
WILHELMSEN, I. Fatigue as a window to the brain. N Engl J Med. 354:427-428, 2006.