12 de janeiro de 2014

Febres Hemorrágicas

Por Fabiana Flávia Neves
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Define-se febre hemorrágica como a associação de doença febril aguda e manifestações hemorrágicas, e causada por diversas doenças clinicamente semelhantes, geralmente de etiologia viral, de alta letalidade, ocorrência em regiões tropicais e com limitações diagnósticas. As mais conhecidas no Brasil são dengue, febre amarela, hantavirose, arenovirose, febre maculosa, leptospirose, hepatites virais, febre tifoide, meningococcemia e malária.

Palavras-chave: Febre. Sangramento. Vírus.

Febre hemorrágica é um termo geral usado para uma doença grave, geralmente causada por vírus. Uma série de doenças estão incluídas na categoria "febres hemorrágicas virais", com diferenças no tipo de vírus, distribuição geográfica, incidência, reservatório, modo de transmissão e sintomas clínicos. O denominador comum é o surgimento de uma doença com hemorragias associadas a febre. Outra característica comum é o risco potencial que esses pacientes podem representar quanto à transmissibilidade através de contatos interpessoais, antes que o diagnóstico seja estabelecido. Felizmente, a maioria desses vírus não se transmitem prontamente.
As famílias de vírus que mais frequentemente causam febres hemorrágicas são as famílias Arenaviridae (febre de Lassa, Junin e Machupo), Bunyaviridae (febre hemorrágica da Crimeia-Congo, Febre do Vale Rift, Hantaan febres hemorrágicas), Filoviridae (Ebola e Marburg) e Flaviviridae (febre amarela, dengue, febre hemorrágica de Omsk). Estas condições ocorrem mais comumente em áreas tropicais do mundo. Quando febres hemorrágicas virais ocorrem em países da Europa ou da América do Norte, são geralmente observadas em pessoas que viajaram recentemente para países tropicais. Presentes na Europa são a Hantaan e Puumula, também chamadas de "epidemia-nefropatia '(transmitida através da exposição direta/ indireta para roedores infectados) e as febres da Crimeia-Congo (transmitida pela picada de carrapatos). A febre hemorrágica Ebola (FHE) e a febre hemorrágica de Marburg (FHM) são duas doenças clínicas semelhantes causadas por vírus do gênero Ebolavirus (EBOV) e Marburgvirus (MARV), respectivamente, ambos da família Filoviridae, No entanto, EBOV e MARV são altamente patogênicas, e têm sido tradicionalmente associados a surtos devastadores, com alta letalidade, embora sejam raras (FELDMAN; GEISBERG, 2011). Além disso, EBOV e MARV são considerados potenciais agentes de armas biológicas (BORIO et al., 2002). 
A febre hemorrágica tem menos de três semanas de evolução, e as manifestações hemorrágicas associadas são geralmente epistaxe, gengivorragia, hemoptise, melena, petéquias, sufusões, equimoses e exantema purpúrico. São doenças de alta letalidade, que podem ocorrer em surtos, com difícil diagnóstico diferencial e limitações no diagnóstico laboratorial. Ainda são caracterizadas, em geral, por tratamento sintomático e de suporte clínico complexo (MINAS GERAIS, 2010).
As doenças que cursam com febre hemorrágica mais conhecidas no Brasil são as seguintes: dengue, febre amarela, hantavirose, arenovirose, febre maculosa, leptospirose, hepatites virais, febre tifoide, meningococcemia, sepse e malária, entre outras de origem viral.
Sabe-se que as principais causas de febre hemorrágica são as virais em praticamente todo o mundo, destacando-se quatro principais no Brasil: a febre amarela, o dengue hemorrágico/ síndrome de choque do dengue, a febre hemorrágica por arenavírus e a síndrome pulmonar e cardiovascular por hantavírus. Contudo, não se pode esquecer o diagnóstico diferencial extenso com as demais doenças citadas acima. (FIGUEIREDO, 2006).
As febres hemorrágicas de origem viral (FHV) são causadas por vírus de RNA pertencentes a 4 famílias: Flaviviridae (febre hemorrágica de Omsk, febre da floresta de Kyasanur, dengue hemorrágico/síndrome de choque do dengue e febre amarela), Bunyaviridae (febre hemorrágica do Congo e da Crimeia, do Vale Rift, com síndrome renal por hantavírus e síndrome pulmonar e cardiovascular por hantavírus), Arenaviridae (febres hemorrágicas dos vírus Junin, Machupo, Guanarito e Sabiá na América do Sul e do vírus Lassa na África) e Filoviridae (febres hemorrágicas dos vírus Marburg e Ebola). A incidência de FHV está fortemente associada com a distribuição geográfica dos vírus (certas áreas da África, Ásia, Oriente Médio e América do Sul), aliado a sistemas biológicos complexos e padrões sazonais (FIGUEIREDO, 2006; BOSSI et al, 2004).
O homem adquire a febre amarela ao penetrar no nicho ecológico desta arbovirose. O ciclo humano desta doença não é observado no Brasil há mais de 60 anos. O vetor conhecido do vírus é o Aedes aegypti, que tem no homem seu reservatório. Após inoculação pelo mosquito no homem, o vírus se espalha por todo o organismo atingindo fígado, baço, rins, medula óssea e músculos cardíacos esqueléticos. Pode ser observado o sinal de Faget, ou seja, o pulso torna-se relativamente mais lento, apesar da temperatura elevada. Nos casos graves pode ocorrer dano endotelial, microtromboses, coagulação intravascular disseminada (CIVD), anóxia tissular, oligúria e choque. As hemorragias ocorrem por síntese hepática diminuída de fatores da coagulação, a CIVD e a função plaquetária alterada (FIGUEIREDO, 2006).
As manifestações clínicas no dengue surgem após dois a oito dias de incubação e apresentam-se de várias formas clínicas: assintomáticas, febre da dengue dos tipos indiferenciado e clássico, dengue hemorrágica/síndrome de choque do dengue, hepatite e encefalite. A dengue hemorrágica/síndrome de choque da dengue inicia-se como na forma clássica, com febre alta, náuseas e vômitos, mialgias, artralgias e faringite. Os fenômenos hemorrágicos surgem no segundo ou terceiro dia, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades, assim como púrpura, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas moderadas. A síndrome de choque da dengue é a forma mais grave, e surge a partir do terceiro dia, culminando com sinais de insuficiência circulatória. Instala-se acidose metabólica e CIVD. O óbito costuma ocorrer em 4 a 6 horas se não houver intervenção (FIGUEIREDO, 2006).
Arenaviroses são zoonoses de roedores. Existem relatos de transmissão pessoa a pessoa por contato próximo e/ou prolongado. As febres levam a extravasamento capilar e alterações hemorrágicas, porém o mecanismo imunopatológico é pouco conhecido. Após incubação de 10 a 14 dias, surge doença febril insidiosa com mal estar, lombalgias e mialgias, dor epigástrica e retro-orbital, tonturas, fotofobia e constipação. Após 4 a 5 dias, a doença se agrava com síndrome vascular, doença neurológica e hepatite. As viroses por hantavírus também são zoonoses de roedores. São conhecidas duas doenças humanas: a febre hemorrágica com síndrome renal, mais comum na Ásia e Europa, e a síndrome pulmonar e cardiovascular por hantavírus, que ocorre nas Américas. As partículas virais presentes nos excrementos e saliva de roedores infectados levam, através de um complexo processo, à liberação de citocinas pró-inflamatórias, alteração de barreira capilar estimulando o extravasamento de líquido ao interstício e edema pulmonar. As plaquetas são destruídas, participando do processo vascular, bem como de fenômenos hemorrágicos. Ocorre depressão da função miocárdica, que leva ao choque cardiogênico. Podem elevar-se os níveis de creatinina sérica pela hipovolemia com má perfusão renal e também por infecção viral do néfron. Manifesta-se por febre, mialgia, astenias, náuseas e cefaleia. Após o terceiro dia, surge tosse, inicialmente seca e posteriormente com expectoração muco-sanguinolenta, acompanhada por dispnéia, que pode evoluir no mesmo dia para insuficiência respiratória. O quadro culmina com colapso cardiocirculatório (Op. Cit.)
A leptospirose é outra infecção aguda que apresenta, dentre quadro clínico extenso, a febre hemorrágica. Pode cursar desde formas assintomáticas até formas graves, com alta letalidade (10 a 40%). O agente etiológico é bactéria aeróbia denominada Leptospira interrogans. O principal reservatório são os roedores, e estes podem eliminar a bactéria durante meses. A transmissão ocorre por exposição direta ou indireta à urina de animais infectados. A via inter-humana é rara. O período de incubação varia de dois a 26 dias (média 10 dias). Apresenta-se com o início abrupto de febre, arrepios, mialgia, cefaleia, mal-estar e/ou prostração, associados a um ou mais sinais: sufusão conjuntival ou conjuntivite, náuseas e/ou vômitos, calafrios, icterícia, alteração do volume urinário, fenômenos hemorrágicos e/ou alterações hepáticas, renais e vasculares. Vale ressaltar a importância da pesquisa dos antecedentes epidemiológicos nos últimos 30 dias para associar ao quadro clínico (EVERETT, 2012; MINAS GERAIS, 2010).
De acordo com um estudo na Índia, realizado por Karande et al. (2005), as características clínicas que foram significativamente associadas com a leptospirose incluem: derrame conjuntival, hemorragia, dor abdominal, hepatoesplenomegalia e edema (EVERETT, 2012; KARANDE et al, 2005).
Já a malária é uma doença infecciosa febril aguda cujos agentes etiológicos são protozoários  do gênero Plasmodium. O quadro clínico típico é caracterizado por febre alta, calafrios, sudorese profusa e cefaleia, que ocorrem em padrões cíclicos, dependendo da espécie de plasmódio infectante. São sinais de malária grave e complicada: hiperpirexia (temperatura acima de 41°C), convulsão, hiperparasitemia (acima de 200.000/mm3), vômitos repetidos, oligúria, dispneia, anemia intensa, icterícia, hemorragias e hipotensão arterial. Difere das demais doenças causadoras de febre hemorrágica principalmente pelo padrão cíclico dos sinais e sintomas (BRASIL, 2010).
A febre maculosa é uma doença infecciosa febril aguda, que varia desde formas leves e atípicas até formas graves com elevada taxa de letalidade. O início, geralmente abrupto, é caracterizado por sintomas inespecíficos. Em geral, entre o segundo e o sexto dia da doença, surge o exantema maculopapular, principalmente nas regiões palmar e plantar, que pode evoluir para petéquias, equimoses e hemorragias, como sangramento digestivo e pulmonar. No Brasil, o principal reservatório da Rickettsia rickettsii são os carrapatos do gênero Amblyomma. Adquirida pela picada de carrapato infectado e a transmissão ocorre quando o artrópode permanece aderido ao hospedeiro por, no mínimo, de 4 a 6 horas. A doença não se transmite de pessoa a pessoa (BRASIL, 2010).
A febre tifoide é uma doença bacteriana aguda com curso insidioso. Os principais sinais e sintomas são: febre alta (pode haver sinal de Faget), cefaleia, astenia, esplenomegalia, roséola tífica (manchas rosadas no tronco), dor abdominal, diarreia e tosse seca e bradipsiquismo. A transmissão é por via oral e o agente etiológico é a Salmonella typhi.Complica com hemorragia digestiva (10%), perfuração intestinal (5%), miocardite, pneumonia e insuficiência renal aguda (MINAS GERAIS, 2010).
A meningococcemia (sepse) é considerada importante causa de febre hemorrágica. Causada pelo diplococo gram-negativo Neisseria meningitidis, que é transmitido através do contato íntimo de pessoa a pessoa por meio de gotículas de secreções de nasofaringe, sendo o portador assintomático.  A meningococcemia caracteriza-se por febre, calafrios, prostração, petéquias e equimoses, podendo evoluir para um quadro hemorrágico mais grave (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Portanto, percebe-se que são inúmeros os diagnósticos diferenciais diante de um caso de febre hemorrágica, pois estas são causadas por vários agentes diferentes, embora o quadro clínico inicial seja semelhante em todas estas doenças.

Referências
BORIO, L.; INGLESBY, T.; PETERS, C. J et al. Hemorrhagic fever viruses as biological weapons: medicaland public health management. JAMA, 8;287(18):2391-405, 2002.
BOSSI P. et al. Bichat guidelines for the clinical management of Haemorrhagic fevers and bioterrorism-related Haemorrhagic fever viruses. Eurosurveillance. 9:1-8, 2004.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Doenças infecciosas e parasitárias – Guia de bolso. 8ª Edição. Brasília: 2010.
EVERETT, E. D. Microbiology, epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis of leptospirosis. Disponível em: <http://www.uptodate.com>. Acesso em: 12 jan 2014.
FIGUEIREDO, L. T. M. Febres hemorrágicas por vírus no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 39(2): 203-210, 2006.
MINAS GERAIS. SECRETARIA DO ESTADO DE SAÚDE. Febres hemorrágicas: diagnóstico e tratamento. 2010. Disponível em: www.saude.mg.gov.br/publicacoes/copy_of.../dengue3.pdf>. Acesso em: 12 jan 2013.

Imagem: Dayse Ferreira.