14 de setembro de 2025

DIVERSIDADE RELIGIOSA NO CONTEXTO DA SAÚDE: Discussão de Casos e Dilemas com a Turma MEDUFPB 120


Profa. Rilva Muñoz e Grupos da Turma 1 MedUFPB120
Introdução
Na aula 12 da disciplina Diversidade Étnica e Cultural na Saúde no semestre letivo 2025.1, realizada em 31 de agosto de 2025 com a turma do terceiro período do Curso de Medicina da UFPB, abordou-se o tema Diversidade Religiosa e Saúde
A atividade teve como eixo central a análise de situações clínicas em que valores e práticas religiosas se entrelaçam com o cuidado em saúde, exigindo dos futuros médicos sensibilidade ética, competência comunicacional e respeito às diferenças culturais.
Nesse encontro, foram propostas reflexões a partir de casos discutidos em grupo, nos quais os estudantes foram convidados a identificar dilemas reais vivenciados na prática clínica, problematizando a forma como o profissional de saúde deve lidar com demandas decorrentes de crenças religiosas distintas. A abordagem buscou evidenciar a pluralidade de experiências espirituais e suas repercussões no processo de adoecimento, tratamento e vínculo terapêutico.
Nesse contexto, os objetivos de aprendizagem foram direcionados a: reconhecer a diversidade religiosa como fator determinante de saúde, refletir criticamente sobre suas implicações na relação médico-paciente, desenvolver empatia e competência cultural e aprimorar habilidades de comunicação clínica capazes de acolher valores religiosos sem julgamentos ou imposições. Assim, a aula se constituiu como espaço formativo para integrar conhecimentos biomédicos e dimensões socioculturais, preparando os estudantes para uma prática médica mais inclusiva, ética e humanizada.
Os casos propostos para a discussão em grupos foram os seguintes:
        ◦ Caso 1: Paciente Testemunha de Jeová em choque hipovolêmico recusa transfusão.
        ◦ Caso 2: Mulher muçulmana que solicita profissional de saúde feminina para realizar exame ginecológico.
        ◦ Caso 3: Paciente indígena que atribui a doença a causas espirituais e deseja consultar o pajé antes de iniciar tratamento.
        ◦ Caso 4: Idoso de matriz africana internado, cuja família solicita permissão para realizar rituais com uso de velas/incensos.
       ◦ Caso 5: Criança de família evangélica e vacinação.

Caso Clínico 1
Um paciente de 52 anos, vítima de acidente automobilístico, chega ao pronto-socorro em choque hipovolêmico após intensa hemorragia. O cirurgião indica transfusão sanguínea imediata para salvar sua vida. Contudo, o paciente, consciente e orientado, declara ser Testemunha de Jeová e recusa firmemente a transfusão por motivos religiosos. A questão levantada para debate foi: como proceder diante da recusa? Quais princípios éticos e legais estão em jogo?
Reflexões dos participantes
Yago destacou que esse é um caso clássico na prática médica, em que a autonomia religiosa entra em conflito com a conduta clínica. Ele ressaltou que, para os Testemunhas de Jeová, receber sangue pode significar impureza, exclusão da comunidade religiosa e risco de condenação espiritual. Por isso, para o paciente, a recusa não é apenas sobre prolongar alguns anos de vida, mas preservar sua integridade espiritual e social. Iago enfatizou a importância de compreender as crenças religiosas e respeitar escolhas individuais, mesmo que elas colidam com a lógica biomédica.
Letícia enfatizou que, se o paciente está lúcido e plenamente capaz, sua vontade deve ser respeitada. Defendeu o registro formal da recusa no prontuário, preferencialmente com assinatura do paciente, para resguardar a equipe e evitar repetição desgastante da negativa. Sugeriu que a equipe de saúde explore alternativas aceitáveis dentro da fé do paciente, como técnicas minimamente invasivas. Por fim, destacou a necessidade de comunicação clara, apresentando riscos e possíveis complicações, de modo que a decisão seja consciente e informada.
Maria Eduarda Hipólito apontou três princípios éticos envolvidos:
    • Autonomia: o direito do paciente decidir sobre seu corpo, mesmo diante do risco de morte;
    • Beneficência: obrigação do médico de buscar salvar a vida, mas sem impor tratamentos contra a vontade do paciente;
    • Não maleficência: evitar danos psicológicos, espirituais ou à dignidade do paciente.
Ela ressaltou ainda que a legislação brasileira reconhece o direito do paciente adulto e capaz de recusar tratamento, desde que plenamente esclarecido. Maria Eduarda citou também que o Conselho Federal de Medicina orienta o respeito à autonomia nesse tipo de situação.
Marlon apresentou uma visão de síntese, destacando a complexidade do caso. Ele reforçou que impor a transfusão, além de ferir a autonomia, poderia acarretar sérias consequências sociais e espirituais para o paciente. Sugeriu que hospitais adotem protocolos e documentação específicos para Testemunhas de Jeová, facilitando a tomada de decisão ética e juridicamente amparada. Ele defendeu também a busca por métodos alternativos que respeitem a fé do paciente.
João Pedro lembrou que todos os princípios da bioética — autonomia, beneficência, não maleficência e justiça — estão envolvidos no caso. Sublinhou que, mesmo sendo a transfusão a melhor opção científica, a autonomia deve prevalecer. Trouxe ainda a reflexão sobre situações em que não há identificação ou manifestação prévia do paciente: nesse contexto, o médico deve agir pela beneficência e realizar a transfusão, pois não teria como saber das crenças religiosas. Nesse cenário, estaria respaldado pela justiça e não incorreria em infração ética.
Vicente, encerrando a discussão do grupo, destacou que, se o paciente está lúcido, sua decisão deve ser respeitada. Caso contrário, é importante que existam registros prévios — como diretivas antecipadas de vontade — para orientar a equipe médica. Ele reforçou que, embora a missão da saúde seja preservar a vida, o cuidado não é absoluto: deve ser exercido dentro dos limites da autonomia do paciente e das normas ético-legais. Assim, evita-se prejuízo tanto ao paciente quanto ao profissional.
Portanto, o grupo concluiu que esse é um caso de alta complexidade ética. O papel do médico é respeitar a autonomia do paciente capaz, mesmo que isso contrarie a conduta de salvar vidas pela transfusão. A equipe deve garantir comunicação clara, registro formal da recusa, busca por alternativas compatíveis com a fé do paciente e alinhamento com protocolos institucionais e normas legais. O debate reforçou a necessidade de formação médica atenta à diversidade ética e cultural, essencial para lidar com dilemas como esse.

Caso Clínico 2
Mulher muçulmana que solicita profissional de saúde feminina para realizar exame ginecológico.
Aisha, 34 anos, muçulmana praticante, procura a unidade de saúde com queixas ginecológicas. Ela solicita que seja atendida exclusivamente por uma médica, recusando-se a ser examinada por profissionais do sexo masculino. No dia da consulta, apenas médicos homens estão de plantão.
Questões para o grupo: Como equilibrar o direito da paciente à sua crença religiosa com a organização do serviço de saúde? Como acolher sua demanda sem expor a paciente a constrangimento?
Reflexões dos participantes
A primeira participante enfatiza que, do ponto de vista ético e legal, o caso envolve princípios fundamentais:
    • Autonomia: todo paciente tem o direito de decidir quem o examina, com base em seus valores e crenças.
    • Beneficência e não maleficência: cabe à equipe buscar o melhor para a paciente e evitar qualquer forma de dano ou desrespeito.
    • Justiça: garantir equidade de acesso à saúde, considerando necessidades individuais.
    • Direito à liberdade religiosa: protegido pela Constituição, em consonância com a dignidade da pessoa humana.
Ela reiterou que são esses princípios que devem nortear a conduta profissional.
O segundo reflete que a situação mostra que a escuta ativa desde o primeiro contato é essencial. A paciente expôs sua demanda, mas ela não foi considerada na prática do serviço. É importante reconhecer que crenças religiosas muitas vezes ultrapassam o campo racional, sendo princípios inegociáveis para a pessoa. Quando o serviço invalida ou ignora essa demanda, transmite uma mensagem de intolerância e preconceito.
Os demais integrantes do grupo consideraram que o respeito a essas especificidades não apenas garante um atendimento digno, mas também fortalece o vínculo, incentivando o retorno da paciente ao serviço. Assim, a conciliação entre crenças pessoais e organização do sistema de saúde é possível, desde que se utilize a escuta e a empatia como ferramentas centrais.
Abordou-se a questão e que uma solução prática seria reorganizar o atendimento: direcionar a paciente para um dia em que haja uma médica disponível, ou, se não houver, encaminhá-la a outra unidade onde sua demanda possa ser atendida. Dessa forma, seria possível evitar constrangimentos e respeitar seus princípios religiosos.
Outra integrante do grupo de discussão afirmou que é preciso também pensar em alternativas diante de situações emergenciais. Caso a unidade não conte com médica disponível, pode-se acionar um profissional de sobreaviso ou garantir cuidados paliativos até que a paciente seja referenciada a outro serviço. O cuidado não deve se restringir ao aspecto físico, mas também contemplar dimensões espirituais e emocionais, reconhecendo a integralidade da saúde.
Além disso, o caso evidencia falhas de comunicação organizacional. A demanda da paciente deveria ter sido registrada e respeitada no momento do agendamento. A ausência dessa atenção caracteriza preconceito, pois desconsidera suas necessidades específicas, tal como ocorreria com demandas de pessoas com deficiência ou de outros grupos culturais e religiosos.
Cogitou-se também que o preconceito se manifesta quando a demanda legítima de uma paciente não é validada. Isso gera sentimentos de exclusão, rejeição e invalidação de seus princípios. É preciso compreender que a realidade do paciente pode ser diferente da do profissional, e o exercício da empatia ajuda a reconhecer a legitimidade dessa diferença.
Um participante mencionou que o caso também aponta para desafios comunicacionais. Muitas vezes, o agendamento não especifica detalhes importantes, o que gera falhas na oferta de um atendimento adequado. Para evitar isso, protocolos de registro e comunicação devem ser reforçados. Além disso, a formação dos profissionais precisa incluir conteúdos sobre diversidade religiosa e cultural. Conhecimentos prévios sobre práticas de diferentes tradições — como restrições relacionadas a sangue em Testemunhas de Jeová ou a gênero no islamismo — são fundamentais para garantir um atendimento respeitoso.
Por outro lado, pontuou-se que, em situações de urgência ou emergência, quando apenas médicos homens estiverem disponíveis, é necessário dialogar com a paciente e sua família para avaliar a possibilidade de flexibilização, sem impor nada. No islamismo, o papel do marido pode ter peso significativo, e a negociação pode ajudar a garantir o atendimento imediato sem ferir totalmente os princípios religiosos. Ainda assim, a prioridade deve ser sempre preservar a dignidade da paciente.
Portando, o grupo concluiu que o caso traz à tona a necessidade de equilibrar princípios éticos (autonomia, beneficência, não maleficência, justiça), direitos constitucionais (liberdade religiosa, dignidade) e a organização prática dos serviços de saúde. Soluções incluem melhor escuta ativa, protocolos de comunicação, reorganização de escalas, encaminhamentos adequados e capacitação dos profissionais para lidar com a diversidade cultural e religiosa, sempre com empatia e respeito.

Caso Clínico 3
Araci, 45 anos, indígena de uma comunidade tradicional, é internada em hospital universitário com diagnóstico de pneumonia grave. Durante a conversa, afirma acreditar que sua doença foi causada por um desequilíbrio espiritual e pede para consultar o pajé de sua comunidade antes de iniciar o tratamento antibiótico. A equipe médica se mostra resistente, argumentando que isso atrasará a terapêutica.
Questões para o grupo: Como lidar com essa demanda cultural? É possível conciliar a medicina tradicional com o tratamento biomédico? Qual deve ser a postura da equipe de saúde?
Reflexões dos participantes
Maria Klara Pontes afirmou que a situação traz vários desafios éticos, clínicos e comunicacionais. Do ponto de vista ético, é necessário respeitar a autonomia e as crenças espirituais da paciente, mas sem negligenciar o dever de oferecer o tratamento imediato indicado – no caso, a antibioticoterapia, essencial para o quadro de pneumonia grave.
O desafio comunicacional está em estabelecer um diálogo respeitoso, que valorize a religião e a visão cultural da paciente, mas também transmita de forma clara a urgência do tratamento biomédico para preservar sua vida.
Felícia ponderou que essa situação revela riscos importantes. Muitas vezes, a equipe de saúde encara a espiritualidade como superstição ou atraso, reforçando uma visão etnocêntrica. Quando a crença do paciente é tratada com sarcasmo, impaciência ou pressão para aceitar apenas o modelo biomédico, isso gera discriminação, minando a confiança da paciente na equipe e no tratamento.
As consequências podem ser graves: baixa adesão, recusa ao tratamento, ou até abandono do cuidado. Além disso, atitudes desrespeitosas contribuem para a exclusão histórica dos povos indígenas do sistema de saúde.
Ela ponderou ainda que há também um risco ético e legal: os direitos culturais dos povos originários são assegurados pela Constituição e por políticas públicas. Ignorar esses direitos pode configurar violação e trazer responsabilidade profissional.
Maria Eduarda Gomes destacou que, no caso estudado, uma estratégia fundamental é buscar a conciliação entre saberes. O antibiótico deve ser iniciado rapidamente, mas é possível viabilizar a participação do pajé – presencialmente, por meio remoto ou com adaptações ao contexto hospitalar. Isso permitiria reconhecer a dimensão espiritual sem comprometer a segurança clínica.
Thalison salientou que a postura da equipe deve ser de mediação entre o tratamento biomédico e as práticas tradicionais indígenas. Ele considerou que a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas orienta a integralidade do cuidado, possibilitando a integração entre a dimensão espiritual e o cuidado hospitalar. Assim, permitir a consulta com o pajé, organizar essa participação de forma segura e promover um diálogo respeitoso fortalece a aliança terapêutica. Isso contribui para a adesão ao tratamento e demonstra respeito à identidade da paciente.
Yaslanny mencionou que esse caso reforça a importância de um cuidado ético, humanizado e intercultural. Ela resumiu que o seu grupo decidiu responder de forma direta às três questões propostas:
    1. Como lidar com a demanda cultural?
Acolher a crença da paciente com respeito e empatia, reconhecendo sua importância para favorecer adesão ao tratamento.
    2. É possível conciliar medicina tradicional e biomédica?
Sim, e não apenas é possível como é a conduta desejada. A articulação entre os saberes fortalece o cuidado, desde que haja diálogo saudável.
    3. Qual deve ser a postura da equipe de saúde?
Portanto, de acordo com o grupo, a equipe de saúde deve adotar uma postura ética, humanizada e intercultural, valorizando a diversidade cultural e respeitando a autonomia do paciente. É necessário equilibrar a urgência clínica – iniciar o antibiótico rapidamente – com a escuta das demandas espirituais, construindo decisões compartilhadas.

Caso Clínico 4
Dona Cida, 70 anos, está internada em enfermaria para tratamento de insuficiência cardíaca. Sua família, ligada a uma religião de matriz africana, pede autorização para realizar um ritual de oração no quarto, incluindo o uso de velas, incensos e cânticos. A equipe da enfermaria mostra-se desconfortável, alegando risco de incêndio e incômodo aos outros pacientes.
Questões para o grupo: Como equilibrar segurança hospitalar e respeito à diversidade religiosa? Quais alternativas podem ser construídas para atender parcialmente a demanda da família sem comprometer a rotina hospitalar?
Reflexões dos participantes
Flávio afirmou que o primeiro desafio na situação proposta é ético. A Constituição Federal garante o direito à liberdade religiosa e a Lei nº 9.982/2000 assegura assistência religiosa nos hospitais. A equipe deve, portanto, buscar o equilíbrio entre os direitos da paciente e de sua família e as normas institucionais de segurança. Além disso, quando o paciente se sente acolhido em sua fé, isso pode contribuir positivamente para sua recuperação.
Os desafios clínicos estão ligados aos riscos do ritual: possibilidade de incêndio pelo uso de velas e incensos em espaço fechado, crises alérgicas ou desconforto respiratório em outros pacientes, além da necessidade de manter a rotina da enfermaria em ambiente terapêutico tranquilo.
Por outro lado, os desafios comunicacionais dizem respeito à necessidade de escuta ativa e de evitar respostas imediatas, negativas ou carregadas de preconceito. Muitas vezes, práticas de matriz africana são alvo de estigmas sociais e acabam desvalorizadas.
A postura da equipe não deve ser autoritária nem deslegitimadora da fé, mas sim respeitosa e acessível, reconhecendo a espiritualidade como parte do cuidado integral. Isso exige diálogo claro, livre de julgamentos, e validação da importância do ritual, ainda que precise ser adaptado.
Maria dos Milagres destacou que o preconceito religioso no ambiente hospitalar é uma realidade que reflete o racismo estrutural e institucional. Ele se manifesta na negação de práticas espirituais, na proibição do uso de colares e turbantes, em comentários pejorativos como “macumba” ou “coisa do mal” e na recusa ao cuidado quando profissionais não respeitam prescrições alimentares ou evitam lidar com objetos sagrados.
Além disso, há a tentativa de imposição religiosa, substituindo práticas de matriz africana por rituais de outras tradições, o que fere a autonomia espiritual do paciente e pode levar à perda de confiança, abandono do tratamento e violação da dignidade humana.
Segundo Dandara, outro ponto central no caso foi a discriminação institucional, marcada por protocolos rígidos que negam pedidos dos pacientes sem oferecer alternativas que preservem sua liberdade de crença – um direito assegurado pelo artigo 5º da Constituição.
A estigmatização dos rituais afro-brasileiros tem raízes históricas no período colonial e na escravidão, quando foram associados a práticas de bruxaria. Esse estigma persiste até hoje e se traduz no desrespeito cultural, ao considerar a fé de matriz africana “menos legítima” do que outras manifestações espirituais, como orações cristãs. Essa hierarquização perpetua a exclusão e reforça a necessidade de um acesso à saúde mais integral e humanizado.
Emmanuel, por sua vez, destacou que existem alternativas para viabilizar o ritual de forma segura. O paciente pode ser encaminhado para uma capela hospitalar, uma sala multirreligiosa ou outro espaço adaptado, como jardim, varanda ou sala de convivência. Caso isso não seja possível, pode-se realizar o ritual no leito com objetos simbólicos não inflamáveis, como colares ou elementos representativos da fé, que tragam conforto espiritual sem comprometer a segurança.
Além das alternativas práticas, é importante ressaltar o papel das políticas institucionais. A Constituição e a Política Nacional de Humanização do SUS (2003) reforçam o cuidado integral, que deve contemplar aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais.
No caso de idosos, o Estatuto do Idoso também garante o direito a uma vida digna, incluindo a prática religiosa. Por outro lado, cabe ao hospital zelar pela biossegurança e bem-estar coletivo.
Por isso, é fundamental criar salas ecumênicas, estabelecer protocolos conjuntos com comitês de biossegurança e promover educação permanente para profissionais, com rodas de conversa e comissões intersetoriais, de modo a pactuar diretrizes que respeitem esses direitos fundamentais.
José Allefy, para concluir, afirmou que é essencial destacar a importância da humanização do cuidado e do respeito à diversidade das crenças. O compromisso do profissional de saúde vai além da técnica: ele se concretiza na escuta atenta, no reconhecimento da singularidade do paciente e no respeito às suas escolhas, inclusive espirituais. Combater a intolerância religiosa na medicina significa reafirmar a ética, a dignidade e a justiça, construindo um ambiente de cuidado mais inclusivo e equitativo.

Caso Clínico 5
O caso proposto para estudo envolveu a criança Mateus, 7 anos, que foi levado ao posto de saúde pela mãe para consulta de rotina. Durante a avaliação, a equipe percebe que ele está com o esquema vacinal incompleto, faltando vacinas importantes para a idade. A mãe explica que pertence a uma igreja evangélica neopentecostal cuja doutrina prega que a fé e a oração são suficientes para a proteção da saúde, e que, por isso, ela prefere não vacinar o filho. A equipe de saúde se vê diante do dilema: respeitar a crença da família ou acionar medidas de proteção à criança, já que a vacinação é uma política pública obrigatória.
Questões disparadoras: Como equilibrar o respeito à liberdade religiosa da família e a responsabilidade do Estado pela saúde da criança? Quais estratégias de comunicação podem ser utilizadas para dialogar sem confronto e reduzir a resistência vacinal? Quando é necessário acionar medidas legais ou de proteção?
Gabriel Bernardo mencionou que diante dessa situação, a equipe de saúde se depara com um dilema: respeitar a crença religiosa da família ou acionar medidas legais de proteção à criança, já que a vacinação é uma política pública obrigatória. Três questões foram levantadas:
1. Como equilibrar o respeito à liberdade religiosa da família e a responsabilidade do Estado pela saúde da criança?
2. Quais estratégias de comunicação podem ser utilizadas para dialogar sem confronto e reduzir a resistência vacinal?
3. Em que momento é necessário acionar medidas legais ou de proteção?
Ele afirmou que a liberdade religiosa é um direito fundamental assegurado pela Constituição. No entanto, esse direito encontra limites quando há risco à vida e à saúde da criança. No caso de Mateus, a recusa da mãe em vaciná-lo precisa ser analisada em conjunto com a responsabilidade do Estado de garantir o direito da criança à saúde, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A vacinação é uma política pública obrigatória, que protege não apenas o indivíduo, mas toda a coletividade, ao reduzir a circulação de doenças. Assim, o equilíbrio entre os dois polos deve ocorrer com respeito à crença da família, sem julgamentos ou discriminação, mas reafirmando sempre que a prioridade é a proteção integral da criança, direito inalienável garantido por lei.
O diálogo deve ser a primeira ferramenta: escutar a mãe, compreender sua fé, mas deixar claro que o Estado tem o dever de garantir a saúde da criança, mesmo diante de objeções religiosas.
Para reduzir a resistência vacinal, é fundamental investir em estratégias de comunicação respeitosas: 
- Escuta empática, permitindo que a mãe exponha suas razões sem interrupções.
- Validação da fé, reconhecendo que a oração é uma forma importante de cuidado para a família.
- Explicação acessível, sem jargões médicos, sobre a segurança e eficácia das vacinas, mostrando que são usadas há décadas e amplamente testadas.
- Reforço da complementaridade, esclarecendo que fé e medicina podem caminhar juntas, ambas cuidando da vida da criança.
Exemplos concretos, como o retorno do sarampo e o risco de poliomielite, para demonstrar a importância da imunização.
Envolvimento comunitário, articulando parcerias com líderes religiosos que apoiam a vacinação.
Para Renan, quanto à necessidade de medidas legais, estas devem ser consideradas após o esgotamento do diálogo. Se a família persistir na recusa, a equipe deve acionar o Conselho Tutelar.
Cabe lembrar que, segundo o ECA, o direito da criança à saúde é indisponível. O Conselho pode determinar a vacinação obrigatória, não como punição à mãe, mas como forma de garantir a proteção integral do filho e da coletividade.
Portanto, Gabriel e Renan consideraram que o caso de Mateus evidencia a tensão entre a liberdade religiosa da família e o direito inalienável da criança à saúde, assegurado pelo ECA e pelas políticas públicas de imunização. O equilíbrio deve ser buscado com respeito e diálogo, reconhecendo a fé da mãe sem desqualificá-la, mas reafirmando que a prioridade ética, legal e clínica é a proteção integral da criança.
A comunicação da equipe de saúde deve ser pautada pela escuta empática, pela validação da espiritualidade e por uma linguagem acessível e clara, mostrando que fé e medicina podem caminhar juntas. O uso de exemplos concretos e o envolvimento de líderes religiosos locais podem ajudar a reduzir resistências e fortalecer a adesão vacinal.
Por fim, quando o diálogo não for suficiente, a recusa persistente exige o acionamento do Conselho Tutelar, como medida de proteção ao direito da criança. Essa ação não tem caráter punitivo à família, mas busca garantir tanto a saúde individual de Mateus quanto a saúde coletiva, preservando o princípio da dignidade humana.

Considerações Finais
A discussão realizada em sala de aula evidenciou a importância de integrar, no exercício médico, não apenas o conhecimento técnico-científico, mas também a capacidade de compreender e respeitar a diversidade religiosa dos pacientes. Ao analisar casos concretos, os estudantes identificaram dilemas éticos e comunicacionais que emergem quando crenças religiosas interferem na prática clínica, reconhecendo a necessidade de equilibrar direitos individuais, princípios constitucionais e a organização dos serviços de saúde.
O diálogo coletivo possibilitou perceber que validar as demandas religiosas dos pacientes não significa abrir mão da responsabilidade médica, mas, ao contrário, constitui um caminho para fortalecer a confiança, garantir acolhimento e promover uma atenção integral à saúde. Além disso, ressaltou-se que falhas de comunicação e a ausência de preparo cultural podem gerar situações de preconceito e intolerância, comprometendo a qualidade do cuidado.
Assim, nesta aula, reafirmou-se o compromisso da formação médica com uma prática pautada pela ética, pela empatia e pela competência cultural, orientada para a valorização da dignidade humana em toda a sua pluralidade. Esse aprendizado fortalece nos estudantes a compreensão de que o cuidado em saúde é inseparável do respeito às diferenças e da promoção da equidade.