20 de novembro de 2008

O Estudante de Medicina e o Paciente

A chegada do aluno à fase clínica do curso, com o contato com o paciente, dá-se no terceiro ano do curso de medicina, provocando, muitas vezes, sentimentos de ansiedade e medo. Seus contatos, até então com animais de laboratório, cadáveres e tubos de ensaio, passarão a ser agora com pessoas. Sobre o tema da relação do estudante de medicina com o paciente, posta-se agora um texto redigido por um dos nossos monitores de Semiologia Médica (Centro de Ciências Médicas, UFPB). Relação estudante de medicina-paciente Por Bruno Melo Fernandes Somente pode haver ensino médico de qualidade onde exista uma relação efetiva aluno/paciente/comunidade. No centro dessa relação tem de estar o paciente. Paciente-sujeito, e não apenas objeto de estudo, entendido e tratado de acordo com sua cultura. O estudante não pode se esquecer de que, no momento em que o indivíduo perde a sua saúde, necessita de uma compreensão maior, sua dependência cresce e sua sensibilidade aflora com maior intensidade. Espera-se que nesta circunstância o estudante saiba ouvir com atenção, ter calma e prudência nas atitudes, ser tolerante e razoável com as manifestações do paciente, ter respeito e dedicação. Não deve jamais participar de procedimentos desumanos e/ou cruéis contra a pessoa humana, ou fornecer informações ou meios que permitam a outrem realizá-los. A visão idealizada do estudante com relação ao médico, em geral se estenderá para toda a vida. Turrel, citado por Rocco (1992), enumerou as seguintes dificuldades a serem enfrentadas pelo jovem estudante: suas inibições e cautelas quanto ao sexo, próprias dos valores éticos da classe média, deverão ceder lugar à frieza e serenidade para estudar estruturas anatômicas e fisiológicas e examinar excrementos sem repugnância; deve dissecar cadáveres, superando o respeito aos mortos que lhe foi ensinado; deve inspecionar e questionar sobre o mais íntimo de homens e mulheres; deve assistir à morte de pacientes, dominando seus sentimentos, e prosseguir seu trabalho sem se deixar abater pelas emoções. Enfim, aprende que o trabalho diário do médico constitui uma transgressão às proibições comuns e um controle absoluto sobre suas emoções. Um tema recorrente na relação estudante-paciente é a queixa generalizada dos alunos de não terem nada a dar aos pacientes, sentindo-se culpados em só receber (anamneses, exames físicos) sem dar nada em troca, pois não sabem, ou não podem, fazer diagnósticos ou aplicar uma adequada terapêutica. Sentem-se como “sanguessugas”. Aqui entra em jogo o fator altruísmo, isto é, a tendência do adolescente estudante a dar tudo aos outros, especialmente aos mais necessitados, a salvar o mundo, enfim. Não há espaço para dividir ou expressar suas emoções, tendo até que escondê-las, por receio de ser “acusado” de ser muito frágil, sensível, “mole” e, portanto, “não servir para ser médico”. Também não há espaço para dúvidas, particularmente quanto a sua escolha profissional. A desistência é sempre vista e vivida como um fracasso. De forma geral, há dois momentos especialmente críticos para o estudante de medicina: a entrada no hospital e a saída da faculdade. Ambos são momentos em que o estudante se aproxima da atuação como médico e teme não realizá-la plenamente. Para o estudante que recém ingresso no hospital cabe apenas examinar quem já foi examinado, fazer a anamnese de quem já tem diagnóstico, já está internado e em tratamento. Sente que seu trabalho não serve ao paciente e, muitas vezes, se ressente de usá-lo como objeto. Até então nada lhe ensinaram sobre o sentir, o ser da pessoa doente. Curioso é o fato de, a partir da década de 60, na medida em que se deu grande atenção à relação médico-paciente, negligenciou-se a relação professor-aluno. De igual maneira e na mesma medida, as questões referentes aos binômios estudante-paciente, estudante-estudante e instituições-estudante passaram a ser quase ignoradas. É importante ressaltar que a relação entre o estudante de medicina e os pacientes dos hospitais universitários é ainda pouco estudada. O papel do paciente como recurso didático e a influência dos contatos diretos com os doentes sobre os estudantes na incipiência da prática médica são aspectos da graduação médica que não são bem valorizados. Ainda assim, as pesquisas realizadas contemplam uma realidade própria dos hospitais universitários: estão repletos de pacientes pobres, com pouca instrução e crescidos em uma cultura de deificação do médico. Esses pacientes são extremamente suscetíveis à ação dos estudantes, pela baixa capacidade de resistência ao pedido e à falta de entendimento real do caráter público da instituição. É importante destacar também o papel do professor na construção da relação médico-paciente. O relacionamento aluno-professor pode constituir um espelho do relacionamento estudante-paciente. Somente o poder é que está colocado em sentido inverso. Inconscientemente, os alunos exercem a autoridade modelada naquilo que viram e sentiram nas atitudes do professor: o dilema moral maior e principal é o da possibilidade de infringir danos aos seus pacientes durante a fase de aprendizado. Durante anos, a Medicina desenvolveu princípios éticos de proteção ao paciente e estes princípios são valores que os estudantes devem aprender a honrar.

Referências LIMA, M.C.P. O psicodrama e o ensino médico: reflexões a partir de uma experiência inédita. Rev. Bras.Psicodrama, v.5, n.1, p.11-9, 1997. KAUFMAN, A. Reflexões sobre educação médica: uma abordagem socionômica. São Paulo, 1998. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ROCCO, R.P. Relação estudante de Medicina-paciente. In: MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p.45-56. BOMBARDA, José Manoel. O Universo Psicológico do Futuro Médico: Vocação, Vicissitudes e Perspectivas. Rev. Bras. Psiquiatr. , São Paulo, v. 21, n. 2, 1999 .