5 de agosto de 2010

Espiritualidade e Saúde

Por Charles Saraiva Gadelha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A influência da espiritualidade na saúde das pessoas vem sendo muito estudada e documentada. Tem sido demontrada uma íntima relação desta com o bem-estar psicossocial e físico. Aspectos da espiritualidade devem ser levados em conta na construção da relação médico-paciente e no próprio processo de manejo terapêutico, oferecendo, assim, uma abordagem holística ao paciente.

Palavras-chave: Espiritualidade. Religião. Qualidade de vida. Nas últimas décadas, a medicina vem enfocando cada vez mais um modelo de atendimento mais abrangente na área da saúde. Os pacientes querem ser tratados como pessoas, e não como doenças, e devem ser observados como um todo, incluindo-se as suas dimensões física, emocional, social e espiritual, sem separação. Desde a Assembléia Mundial de Saúde, em 1983, a inclusão de uma dimensão “não material” ou “espiritual” de saúde vem sendo discutida extensamente, a ponto de haver uma proposta para modificar o conceito clássico de saúde da Organização Mundial de Saúde para “um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não meramente a ausência de doença” (WHO, 1998). Dessa forma, a atenção ao aspecto da espiritualidade torna-se cada vez mais necessária na prática de assistência à saúde. Cada vez mais a ciência se curva diante da grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser humano. Para Jung (1986), a espiritualidade não está obrigatoriamente associada à fé religiosa, mas sim à relação transcendental da alma com a divindade e na mudança que daí advém. A espiritualidade estaria, assim, relacionada com uma atitude, uma ação interna, uma ampliação da consciência, um contacto do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e no fortalecimento e amadurecimento que esse contacto poderá trazer para a sua personalidade. Definições mais recentes do conceito de espiritualidade focam-se na multidimensionalidade da experiência humana e incluem dimensões, tais como busca pessoal pelo significado e propósito da vida, ligação a uma dimensão transcendental da existência, as experiências e sentimentos associados a essa busca e ligação (amor, esperança, paz interior) (SAAD et al., 2001). Vemos assim que, apesar de existirem algumas variações no que diz respeito à definição deste conceito, todas elas têm em comum o fato de salientarem a importância que a espiritualidade tem ao providenciar um contexto em que as pessoas possam dar sentido às suas vidas, terem fé, sentirem-se completas e em paz consigo mesmas e com os outros (MILLER; THORESEN, 2003). É nesse sentido que parte da comunidade médica tem lutado pela introdução das questões de ordem espiritual na relação médico-paciente. Além destes aspectos, em um estudo prospectivo, Lutgendorf et al. (2004) avaliaram a relação entre frequência de prática religiosa, níveis séricos de interleucina-6 e mortalidade em 557 adultos idosos. A prática de atividades religiosas, pelo menos, uma vez por semana, foi significativo preditor de menor mortalidade em 12 anos de seguimento e da menor elevação de marcadores inflamatórios. Ironson et al. (2006) avaliaram os efeitos de mudanças na religiosidade e na espiritualidade após o diagnóstico de soropositividade para o HIV e suas consequências sobre as dosagens de CD4 e carga viral. Utilizando um modelo de regressão linear, avaliou-se a associação de efeitos entre a prática religiosa, CD-4 e carga viral. Independentemente do tipo de prática religiosa, quadro inicial da doença, medicações em uso, idade, sexo, etnia, educação, hábitos de vida, depressão e suporte social, a mudança na prática de atividades religiosas foi fator preditor independente para redução da carga viral e aumento dos valores de CD4. Hummer et al. (1999) avaliaram dados do National Health Interview Survey (NHIS) em 21.204 casos e, entre estes, 2.216 óbitos, associando a frequência de prática religiosa a aspectos sociodemográficos, de saúde e comportamento. Verificaram que pessoas que nunca tiveram ou que exerceram prática religiosa irregular apresentavam risco de óbito 1,87 vez maior quando comparadas àquelas com prática religiosa de pelo menos uma vez por semana. Tal associação se traduziu em diferença de cerca de até sete anos adicionais, na expectativa de vida, entre os grupos. Outras evidências sugerem que a prática religiosa semanal pode ser fator protetor contra doenças cardiovasculares, por promover melhor controle de ansiedade/estresse e hábitos saudáveis de vida (POWELL et al., 2003). Há também riscos a serem considerados nessa área. Pensamentos negativos gerando sentimentos de culpa oriundos de determinada crença religiosa podem ocasionar mais sofrimento ao paciente, levando à sensação de abandono, desamparo e baixa auto-estima. Determinadas orientações religiosas podem fazer o indivíduo abandonar o tratamento médico tradicional, havendo piora imediata do seu quadro clínico, embora a maioria das religiões não estimule a interrupção do tratamento médico (KOENIG et al., 1991) Entretanto, a influência da religiosidade/espiritualidade tem demonstrado potencial impacto positivo sobre a saúde física, definindo-se como possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças, na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças. É por tudo isto que se acredita que todos os recursos disponíveis, inclusive os de ordem espiritual, que encorajem a cura, o ajustamento psicológico e uma melhor qualidade de vida dos doentes, devem ser seriamente considerados. Referências HUMMER R. A. et al Religious involvement and U.S. adult mortality. Demography 36 (2): 273-285, 1999. IRONSON, G.; STUETZIE, R.; FLETCHER, M. A. 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