13 de agosto de 2010

Semiologia dos Transtornos Alimentares

Por Stephanie Galiza Dantas
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo

Os transtornos alimentares são condições frequentes na prática médica, tornando-se essencial diagnosticá-los adequadamente, em virtude de sua elevada prevalência e morbidade. Os transtornos podem ter início na infância ou na adolescência, sendo estes mais comuns e classificados como anorexia e bulimia nervosas. Os sinais e sintomas decorrem basicamente de complicações advindas dos hábitos alimentares e de distúrbios hidroeletrolíticos, como emagrecimento progressivo, amenorréia, hipotensão, hipocalemia, hipoglicemia e anemia.

Palavras-chave: Transtornos alimentares. Diagnóstico. Sinais e Sintomas. Os transtornos alimentares são doenças psiquiátricas caracterizadas por graves alterações do comportamento alimentar e que afetam sobretudo adolescentes e adultos jovens do sexo feminino.
Aqueles transtornos que se iniciam na primeira infância são classificados em transtorno da alimentação da primeira infância (perda ponderal ou falha em ganhar peso adequadamente, com início antes dos seis anos), pica (ingestão de substâncias não nutritivas, como terra, cabelo e barro) e transtorno de ruminação (episódios repetidos de regurgitação não explicados por nenhuma condição médica).
Por outro lado, os que têm início na adolescência são designados transtornos de alimentação propriamente ditos, a saber: bulimia nervosa (BN) e anorexia nervosa (AN). Ademais, existem as síndromes parciais de AN e BN e o transtorno de compulsão alimentar periódica (episódios de compulsão alimentar, mas sem o uso de medidas extremas para evitar o ganho de peso). A AN e a BN são patologias intimamente relacionadas e apresentam uma série de sintomas em comum: preocupação excessiva com o peso, distorção da imagem corporal e medo patológico de engordar. O perfil dos pacientes corresponde a adolescentes do sexo feminino, raça branca e alto nível socioeconômico e cultural. No entanto, tem-se observado o acometimento de um grupo cada vez mais heterogêneo. Em conformidade com Philippi et al. (2004), os fatores de predisposição para o desenvolvimento dos transtornos alimentares incluem: sexo feminino, história familiar, baixa auto-estima, perfeccionismo e dificuldade em expressar emoções.
Quanto aos fatores precipitantes são mencionados: dieta, separação e perda, alterações na dinâmica familiar, expectativas irreais e proximidade da menarca. No que tange aos fatores mantenedores dos transtornos são referidas alterações endócrinas, alterações da imagem corporal, distorções cognitivas e práticas purgativas. Determinadas comorbidades psiquiátricas estão comumente associadas aos transtornos alimentares, incluindo abuso e dependência de drogas e álcool, síndromes depressivas, transtornos ansiosos, como fobia social e transtorno obsessivo compulsivo, além de transtornos de personalidade. - Anorexia nervosa (AN) A AN consiste na abstenção voluntária de alimentos, resultando em um quadro de inanição deliberada e auto-imposta. Este quadro está associado a distúrbios no ciclo menstrual e alteração da imagem corporal. Relata-se uma prevalência de 0,28% em mulheres jovens, com picos de incidência entre 14 e 17 anos (YAGER at al., 2000).
Na AN ocorre restrição alimentar progressiva, com redução do número de refeições até atingir o jejum. O paciente passa a viver exclusivamente em função da dieta, do peso e da forma corporal, com perda de peso acentuada e progressiva. O medo de engordar é uma característica fundamental na AN, o que a distingue de outras formas de anorexia secundárias a doenças clínicas ou psiquiátricas. Segundo a Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV), há duas apresentações clínicas: AN restritiva (apenas restrição dietética) e AN purgativa (episódios de compulsão alimentar seguidos de métodos compensatórios, como vômitos auto-induzidos, uso de laxantes, diuréticos e/ou prática de exercícios extenuantes). Os sintomas habitualmente apresentados pelo paciente são intolerância ao frio, fadiga, irritabilidade, queda de cabelos, unhas quebradiças, constipação, dor abdominal, anorexia, alterações do esmalte dentário, letargia, extremidades frias, infertilidade, amenorréia e dificuldade de concentração.
Os achados clássicos ao exame físico estão relacionados à desnutrição e à disfunção hipotalâmica e incluem pele seca, hipotermia, bradicardia, hipotensão, bradipnéia e edema de extremidades. A gravidade da desnutrição pode ser estimada através do índice de massa corpórea.
Pode-se observar palidez cutânea, pele seca, sem brilho e, algumas vezes com fina camada de pêlos (lanugo). Este último pode decorrer de uma redução da atividade da enzima 5-alfa redutase e/ou do estado de hipotiroidismo. Pode ser ainda observada uma coloração amarelada da pele, decorrente dos níveis elevados de caroteno (ASSUMPÇÃO; CABRAL, 2002). Úlceras ou escarificações dorsais da superfície das mãos e a presença de calos nos dedos podem ser observados em decorrência dos vômitos excessivos. Este achado recebeu o nome de "Sinal de Russel" e ocorre como resultado de traumatismo da pele, secundário ao uso das mãos como instrumento indutor dos vômitos (Ibid). - Bulimia Nervosa (BN) É um transtorno característico das mulheres jovens e adolescentes, com prevalência de 1,1% a 4,2% neste grupo (YAGER at al., 2000), com média de idade de início aos 20 anos.
O episódio de compulsão alimentar, geralmente no decorrer de uma dieta, consiste no principal sintoma. Embora no início possa estar relacionado à fome, após a instalação do ciclo compulsão alimentar-purgação tende a ocorrer em qualquer situação que gere sentimentos negativos.
Wallin et al. (1994) relataram que a seleção alimentar durante os episódios segue um padrão semelhante, como pães, bolos, massas, sanduíches, chocolates, pizzas e doces. O vômito auto-induzido é o principal método compensatório utilizado, com freqüência variável (um até dez ou mais episódios por dia), ocasionando o alívio do desconforto físico pela hiperalimentação e, sobretudo, atenuando o medo de ganhar peso.
Outros mecanismos usados são laxativos, diuréticos, hormônios tireoidianos, agentes anorexígenos e enemas, além da negligência do tratamento insulínico em diabéticos, sendo esta última uma apresentação especial descrita pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10). De acordo com o DSM-IV, há duas formas de BN, o tipo purgativo (uso de métodos compensatórios mais invasivos: vômitos, laxantes, etc.) e o tipo não-purgativo (apenas dieta, jejuns e exercícios). O quadro clínico pode evidenciar complicações da BN, como sinais de desidratação, dor abdominal, constipação, hipertrofia das parótidas, erosão do esmalte dentário e cáries, podendo, em casos mais graves, ocorrer perfuração esofágica e ruptura gástrica.

Outras complicações clínicas relacionadas à AN são decorrentes da própria desnutrição, enquanto na BN os distúrbios hidroeletrolíticos são mais frequentes, como hipocalemia, hipocloremia, hiponatremia, hipoglicemia, alcalose metabólica e desidratação. Ressalta-se que na anorexia do tipo bulímico o peso do paciente, a rigor, está abaixo do desejado, enquanto na bulimia está normal ou acima.

Outros aspectos que podem auxiliar no diagnóstico diferencial com AN incluem maior incidência de BN nas fases tardias da adolescência, referência de fome, paciente mais extrovertido, comportamento alimentar como motivo de vergonha e culpa, vida sexual mais ativa. Diferentemente da AN, o paciente bulímico não tem desejo de emagrecer cada vez mais e, não obstante a possibilidade de ocorrer irregularidade menstrual, a amenorréia é característica da AN. - Diagnóstico O diagnostico dos transtornos alimentares é eminentemente clínico. No entanto, alguns exames laboratoriais podem ser úteis na identificação de complicações, xomo hemograma (anemia), lipidograma (dislipidemia), glicemia (hipoglicemia e exclusão de diabetes), albumina (hipoalbuminemia), eletrólitos, zinco, estudo do ferro (anemias ferroprivas), função renal e hepática, eletrocardiograma (bradicardia sinusal, arritmia sinusal ou ventricular), densitometria óssea (osteopenia e osteoporose). Por fim, como salientam Borges et al. (2006), antes da definição do diagnóstico de AN ou BN é essencial excluir causas orgânicas que podem simular os quadros de transtornos alimentares, como doenças gastrointestinais e comsumptivas (Aids), depressão e esquizofrenia, síndrome da artéria mesentérica superior (Diferencial para AN) e transtornos da personalidade, AN do tipo compulsivo ou purgativo e depresão com características atípicas (BN). Referências
ASSUMPCAO, C. L.; CABRAL, M. D. Complicações clínicas da anorexia nervosa e bulimia nervosa. Rev. Bras. Psiquiatr. 24 (suppl.3): 29-33, 2002. BORGES, N. J. B. G. et al. Transtornos alimentares: Quadro clínico. Medicina (Ribeirão Preto). 39 (3): 340-348, 2006. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação dos transtornos mentais e do comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. PHILIPPI, S.T.; ALVARENGA, M. Transtornos alimentares: uma visão nutricional. In: Cordás T. A.; Salzano, F. T.; Rios S. R. Os transtornos alimentares e a evolução no diagnóstico e no tratamento. Barueri: Manole, 2004. WALLIN, G. et al. Binge eating versus nonpurged eating in bulimics: is there a carbohydrate craving after all?. Acta Psychiatr Scand, 89: 376-81, 1994. YAGER, J.; ANDERSEN, A.; DEVLIN, M.; EGGER, H.; HERZOG, D.; MITCHEL, J. et al. Pratice guideline for the treatment of patients with eating disorders. In: American Psychiatric Association pratice guidelines for treatment of psychiatric disorders: Compendium 2000. Washington (DC): American Psychiatric Association, 2000.
Crédito da figura da postagem: http://www.piyadehukuk.com