25 de abril de 2011

Desenvolvimento da Teoria Microbiana das Doenças: Relatório do Seminário III de MHB3


"I'll follow, Sir. But first, an't please the Gods, I'll hide my master from the flies, as deep as these poor pickaxes can dig"
(Shakespeare, Cymbeline, Act IV, Sc. 2)

Realizou-se hoje o III Seminário de MHB3 em 2011.1, com o tema "Desenvolvimento da Teoria Microbiana das Doenças", apresentado por Isaac, Renan, Artur, Hygor e Elon, alunos do atual terceiro período do Curso de Graduação em Medicina da UFPB.

Isaac deu início à apresentação, mostrando as raízes históricas da teoria microbiana, que remontam à Antiguidade. Cogitou o texto mais antigo sobre Medicina, o Atharvaveda, livro sagrado dos hindus, composto antes do primeiro milênio a. C, o mais antigo escrito em que se faz referência à hanseníase, e mencionou também o escritor romano Marco Terêncio Varrão, que teria sido o primeiro estudioso a apresentar uma teoria sobre a existência de microorganismos.

Encerrando a Introdução do seminário, Isaac lembrou da figura de Girolamo Fracastoro, que elaborou uma teoria racional sobre a infecção ainda em 1546, tornou-se, assim, um pioneiro na afirmação de que várias doenças eram causadas por germes (sobre Girolamo Fracastoro, leia texto neste blog: "Girolamo Fracastoro: Pioneiro da Teoria Microbiana")
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Renan continuou a apresentação versando sobre a Teoria da Geração Espontânea, ou Abiogênese, que surgiu na Grécia Antiga, com Aristóteles, e segundo a qual alguns seres vivos se desenvolveriam a partir da matéria inorgânica em contato com um princípio vital.

Os primeiros defensores conhecidos das ideias nesse sentido foram Anaximandro (610-547 a.C) e seus discípulos. Referiu Renan também que Jean Baptista Van Helmont, médico belga do século XVII, chegou a elaborar uma "receita" para produzir ratos por geração espontânea, misturando-se uma roupa suja com germe de trigo e esperando vinte e um dias para obter a criação de roedores, embora, obviamente, os ratos eram, na verdade, atraídos pela mistura.

Depois, Renan mencionou o cientista italiano Francesco Redi, que, ao contrário, era adepto da teoria biogênica, e defendeu que a vida não surgia espontaneamente da matéria bruta. Fez, então, experimentos controlados em que a presença de vermes em carne putrefata advinha da deposição de ovos de moscas atraídas pelo material em decomposição. Apesar de não decisivo, seu experimento abalou a credibilidade da Abiogênese. Lembrou que Redi inspirou-se na Ilíada de Homero, que admitiu claramente que varejeiras eram responsáveis ​​pela presença de vermes em cadáveres, o que é considerado o registro mais antigo na Europa sobre larvas necrófagas (PAPAVERO et al., 2010). 

A seguir, Renan mencionou as observações do holandês Anton Van Leeuwenhoek, homem de pouca formação científica, que suscitaram nessa época grande interesse junto comunidade científica e da sociedade em geral. Foi ele quem deu primeiros passos na observação de microorganismos através de um microscópico rudimentar, inventado por ele próprio. Em 1863, Leeuwenhoek observou e descreveu uma grande variedade de formas microbianas em vários fluidos corporais, descargas intestinais de animais, água e cerveja. As observações de Leeuwenhoek e o desenvolvimento do microscópio foram fatores de grande relevância na criação da bacteriologia.

Continuando, Renan apresentou a  "guerra" das hipóteses de John Needham e Lasaro Spallanzani, dois famosos cientistas do final do século XVIII, defendendo a abiogênese e a biogênese, respectivamente.

Volta, então, Isaac, citando outro cientista que se destacou no emprego do microscópio no século XVII: Athanasius Kircher que concluíu que era a presença de "pequenos vermes" ou "animalículos" no sangue o que provocava mortes. Depois, salientou a pioneira contribuição do entomologista italiano Agostino Bassi ao surgimento da teoria microbiana das doenças. Afirmou que Bassi pesquisou a causa de uma grave enfermidade (a muscardina) que atacava os bichos-da-seda no início do século XIX, adotando a hipótese de que a muscardina era causada por fungos microscópicos que podiam transmitir a doença dos animais mortos para os sãos.

Isaac ainda continua, referindo a contribuição de Jacob Henle, influenciado por Bassi, autor do famoso ensaio "Sobre Miasmas e Contágio", em que estabelece uma relação etiológica entre micróbios e doenças. Henle divide as doenças infecciosas em miasmáticas e não contagiosas (malária), miasmáticas e contagiosas (varíola, tifo, cólera, peste) e contagiosas e não  iasmáticas (sífilis, escabiose) (MAZANA; ARIÑO, 1995). Contudo, Jacob Henle, que viria a ser professor de Koch, em 1840 já sustentava que os responsáveis pelas doenças infecciosas poderiam ser organismos microscópicos.

A seguir, Isaac faz referência ao húngaro Ignaz Semmelweis e seu importante trabalho na prevenção da febre puerperal, com base na assepsia das mãos como cuidado básico antes de procedimentos médicos. Semmelweis verificou que as mãos contaminadas por "partículas cadavéricas" dos estudantes e médicos levava à maior mortalidade das parturientes da maternidade de Viena e instituiu a lavagem sistemática das mãos com substância clorada.

Dando continuidade ao seminário, Artur passa a apresentar às disputas vividas pelo iminente químico Louis Pasteur com seus adversários. Um dos maiores rivais de Pasteur era Pouchet, que defendia a Teoria da Geração Espontânea. Cada cientista tinha uma tese convincente e por causa disso só poderiam saber quem estava com a verdade através de experiências que pudessem comprovar os fatos.

No seu principal trabalho, “Hétérogénie” (1859), Pouchet explicou detalhadamente as condições a partir das quais os organismos vivos eram produzidos através de processos químicos como a fermentação e a putrefação. Na sua obra Hétérogénie (ou traité de la génération spontanée), Pouchet descreveu experimentos que tinham sido contrários à geração espontânea, e elaborou novas versões dos mesmos, que
deram resultados que pareciam mostrar a possibilidade de surgimento de formas microscópicas de vida em líquidos esterilizados (Ver MARTINS, 2009).

Devido à grande polêmica causada pelos resultados dos experimentos de Pouchet, a Academia de Ciências de Paris lançou um prêmio para o trabalho que melhor esclarecesse a questão. Pasteur, à época já um cientista respeitado, participou com uma série de experimentos para provar que os microorganismos, que pareciam nascer espontaneamente, provinham do ar.

Somente os resultados das célebres experiências dos balões em pescoço de cisne, realizadas por Pasteur, constituíram um argumento suficientemente forte para convencer a comunidade científica da impossibilidade de existência da geração espontânea.

Pasteur também teve um significativo debate com o grande químico alemão Justus von Liebig, que considerava a fermantação e a putrefação como fenômentos degenerativos. Mas Pasteur demonstrou que aquilo que Liebig atribuía à degradação como fenômeno explicativo da morte, não era mais do que fenômenos de vida, pois a fermentação alcoólica era causada por microorganismos.

Artur ainda relatou a contenda de Pasteur com o médico inglês Henry Charlton Bastian (1837-1915) sobre a geração espontânea. Durante toda a sua vida, Bastian aceitou que o surgimento de alguns organismos nos processos de fermentação ocorria através de geração espontânea.  Em 1876, Bastian atacou um trabalho anterior de Pasteur, que estabelecia que a urina, esterilizada através da fervura não se fermentava e nem mostrava evidências de crescimento bacteriano após incubação. Bastian afirmava que esta esterilidade era obtida apenas se estivesse em meio ácido. Anteriormente acostumado a ferver seus líquidos a uma temperatura de 100oC, Pasteur viu-se forçado a fervê-las agora a temperaturas de 108oC a 120oC, visando assegurar a esterilidade.

Novamente retorna Isaac, referindo-se ao cirurgião inglês John Lister tendo por base os primeiros estudos que Pasteur vinha fazendo no campo da bacteriologia, lançou em 1867 as bases da cirurgia anti-séptica. Nessa época já se conheciam alguns microorganismos, mas ainda não se sabia que eram a causa de doenças humanas, o que só aconteceria alguns anos depois, na década de 1880. John Lister considerava que os microorganismos que vinham sendo estudados por Pasteur estavam presentes também nas mãos dos médicos, podendo contaminar os pacientes durante uma cirurgia.

Lister acreditava ainda que esses microorganismos permaneciam suspensos na atmosfera das salas de cirurgia, podendo contaminar o paciente que estava sendo operado. Suas crenças estavam corretas. Ele resolveu, empiricamente, usar o fenol como desinfetante de incisões cirúrgicas e, mais tarde, durante suas cirurgias, passando a borrifar fenol em toda a sala cirúrgica, paciente e equipe (CAMARGO; SANT'ANNA, 2004).

Artur voltou para apresentar um dos mas vigorosos debates na teoria microbiana entre dois eminentes investigadores: a contenda que mantiveram o cientista francês Antoine Béchamp e Louis Pasteur. O primeiro foi esquecido pela História, enquanto o segundo passou à posteridade como fundador da teoria microbiana e benfeitor da humanidade. Béchamp é um personagem pouco conhecido e pouco mencionado na literatura.

Béchamp opôs-se a Pasteur e defendeu a natureza parasitária da “pebrina”, doença que afetava os bichos-da-seda na época. Após muitos meses combatendo a etiologia parasitária, Pasteur mudou de opinião, mas não deu o devido crédito a Béchamp, que havia afirmado antes a natureza da doença. Béchamp considerava que eram realmente os micróbios que causavam as doenças, pois no corpo humano havia muitos deles que eram inócuos, só se tornando patogênicos devido a alguma alteração interna do corpo. Os microorganismos teriam um papel secundário e as doenças seriam resultado de um mau funcionamento do organismo. Pasteur afirmava que os micróbios vinham de fora para dentro e que o sangue era estéril, Foi Pasteur que conseguiu convencer a ciência oficial.

A formação inicial de Louis Pasteur foi como químico. Ele começou a se envolver com temas biológicos ao estudar, primeiramente, os produtos da fermentação; e, depois, o próprio processo de fermentação (conforme já havia sido estabelecido, e Pasteur confirmou), que era causado por microorganismos vivos. Daí, passou ao estudo sobre a existência da geração espontânea, que combateu inicialmente. Até 1865, quando tinha 43 anos de idade, Pasteur nunca havia pesquisado nenhuma doença. Nesse ano, ele iniciou o estudo da doença dos bichos-da-seda, a pebrina. Foi depois disso que passou a dedicar grande parte de seu esforço ao esclarecimento das causas, prevenção e vacinas contra doenças (MARTINS, 2004).

Artur continuou relatando os estudos sobre a pebrina. Como afirma Martins (1997), em seu livro "Contágio: História da prevenção das doenças transmissíveis",  antes do surto de 1865, houve sucessivas tentativas do governo francês para debelar a enfermidade. No final da década de 1850, a Academia de Ciências de Paris indicou o naturalista Armand de Quatrefages (1810-1892) para a comissão dessa investigação, cujo relatório final indicou que a pebrina era uma doença epidêmica, mas afirmou que os "corpúsculos" (como eram chamados os microorganismos) seriam a consequência e não a causa da enfermidade.

Artur ainda apresentou a contribuição de Pasteur no uso da vacina anti-rábica, iniciando estudos sobre vacinação em animais para, em 1885, efetuar a primeira vacinação contra a raiva humana. Na atualidade é Pasteur quem recebe o crédito pelas pesquisas que levaram à produção da vacina anti-rábica. Na sua dissertação de mestrado, Rodrigues (2010) trata das contribuições de Pasteur sobre o assunto durante o período compreendido entre 1879 e 1895, mas apresenta também as contribuições do veterinário Pierre Victor Galtier (1846-1908) e do médico Émile Roux (1853-1933), concluindo que a vacina contra a raiva foi o produto do trabalho de vários cientistas, tais como Galtier, Roux e Pasteur. Além disso, a autora indica que a contribuição de Pasteur sobre o assunto não é tão significativa como se pensa geralmente. A referida pesquisadora afirma que Galtier e Roux mereciam ter recebido um maior reconhecimento por suas contribuições.

Continuando a apresentação, Hygor passou a discorrer sobre o trabalho de Casimir Davaine (1812-1882), que identificou os microrganismos do carbúnculo no sangue de carneiros mortos pela doença. Através de seus experimentos concluiu que o ser vivo pode ser invadido por um microrganismo, o agente transmissor de uma enfermidade. Baseado nos resultados obtidos por Davaine, Robert Koch começou a estudar o antraz, ou carbúnculo, e finalmente, em 1876, conseguiu isolar a bactéria, conseguindo, portanto a demonstração de que uma bactéria era causa de uma doença. 

Robert Koch (1843-1910), médico alemão considerado o "Pai da Bacteriologia", conseguiu identificar também o bacilo da tuberculose. Outros feitos de Koch foram a descoberta dos esporos, a constatação de que o vapor era mais eficaz que o fenol; a descoberta da tuberculina, que auxilia no diagnóstico da tuberculose e a identificação do vibrião do cólera (GOMES, 2001).  Hygor também mencionou que Koch criou meios de cultura e introduziu coloração para observação de bactérias.

Depois, Hygor mencionou os conhecidos Postulados de Koch, formulados a partir dos trabalhos de seu professor Jacob Henle nos anos 1800; com esses postulados, pretendia-se provar que uma bactéria seria o agente causal de uma certa doença. Estes postulados basearam-se no paradigma uma doença - uma bactéria, e requeriam o isolamento em cultura da bactéria supostamente patogênica.

Para Castillo (2007), a publicação destes postulados poe Koch, junto con outras descobertas de sus contemporâneos, provocou uma revolução na comunidade científica e sobretudo para a nova ciência microbiológica. Mas o próprio Koch, no transcurso de suas investigações elaborou as primeiras exceções aos postulados, baseadas principalmente nas características tanto da bactéria como da enfermidade que produz; posteriornente, em virtude do avanço das diferentes técnicas científicas, descobriram-se mais algumas exceções.


A seguir Hygor referiu-se a
Ferdinand Julius Cohn (1828-1898) que, em 1875, classificou as bactérias a partir de suas características fisiológicas, que em linhas gerais permanece até os dias. Cohn também foi um pioneiro da bacteriologia, mas Hygor comentou que foi difícil encontrar dados sobre seus trabalhos. Ele não era tão famoso como Louis Pasteur e Robert Koch, porque trabalhou na classificação das bactérias, portanto, ele não atraiu tanto a atenção (para ler sobre Cohn, veja Chung, nas referências abaixo)

Por fim, Elon encerrou a apresentação com o tema da antibioticoterapia, começando por comentar, como curiosidade, os primórdios do que seria um primeiro antibiótico natural, a coalhada de soja embolorada, utilizado pelos chineses por volta de 500 a.C. para tratar furúnculos e outras infecções semelhantes. Mencionou, então, como marcos da antibioticoterapia, as descobertas da quinina, do salvarsan, da penicilina e das sulfonamidas.

Em 1929, foi descrita a penicilina por Alexander Fleming (1881-1955). Em 1941, através dos experimentos de Fleming, foi demonstrada a atividade significativa e a ausência de toxicidade do a penicilina, utilizada inicialmente em experimentações clínicas e produzida posteriormente por indústrias. Em 1936, iniciou-se o uso clínico da primeira sulfa (GOMES, 2001).


[Texto em Construção]

Referências
CAMARGO, E. P. ; SANT'ANNA, O. A. Institutos de pesquisa em saúde. Ciênc. saúde coletiva 9 (2): 295-302, 2004.
CASTILLO, C. F. Los Postulados de Koch: Revisión histórica y perspectiva actual. RCCV, 1 (2): 262-266, 2007. Disponível em: http://revistas.ucm.es/vet/19882688/articulos/RCCV0707230262A.PDF. Acesso em: 24 abr. 2011.
CHUNG, KT. Ferdinand Julius Cohn (1828-1898): Pioneer of Bacteriology. Disponível em: http://www.pnf.org/compendium/Ferdinand_Julius_Cohn.pdf. Acesso em: 24 abr. 2011.GOMES, F. S. L. Tratamento de feridas crônicas com coberturas oclusivas. [Dissertação]. Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. Disponível em: http://www.enf.ufmg.br/mestrado/dissertacoes/FlaviaSampaio.pdf. Acesso em: 25 abr.2011.
MARTINS, L. A. P. Pasteur e a geração espontânea: uma história equivocada. Filosofia e História da Biologia, v. 4, p. 65-100, 2009.
MARTINS, R. O mito de Pasteur: a origem da teoria microbiana e os estudos sobre bichos-da-seda. Anais do II Encontro de Filosofia e História da Biologia, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2004.
MARTINS, R. A. Contágio: História da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997. Disponível em: http://www.ifi.unicamp.br/~ghtc/Contagio/. Acesso em: 24 abr. 2011.
MAZANA, J.; ARIÑO, M. R. De la generación espontánea de la vida a la microbiología científica: Apuntes para una historía da patologia infeccciosa. Inmunología, 14 (1): 28-31, 1995.
PAPAVERO, N.; PUJOL-LUZ, J. R.; TEIXEIRA, D. M. From Homer to Redi: Some historical notes about the problem of necrophagous blowflies' reproduction. Arq. Zool. 41 (2-4): 153-170, 2010. 
RODRIGUES, S. P.  Galtier, Pasteur e Roux: Estudos sobre a raiva – 1879/1885. [Dissertação]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2010. Disponível em: http://www.pucsp.br/pos/hciencia/dissertacoes_teses/2010_maio.html. Acesso em: 25 abr. 2011.