25 de maio de 2012

Repercussões Sistêmicas da Doença Periodontal

Resumo
A doença periodontal é um quadro infeccioso e inflamatório extremamente prevalente na população e está associada a maior risco de doenças cardiovascularesresultados adversos da gravidez, artrite reumatóide, hiperlipidemia e diabetes mellitus. Vários patógenos periodontais foram detectados em placas de ateroma. A manifestação inicial da doença periodontal é a gengivite que, se não tratada precocemente, pode evoluir para periodontite crônica, com risco de repercussões sistêmicas importantes. O clínico deve conhecer a existência dessa associação mórbida.

Palavras-Chave: Periodontite. Inflamação. Aterosclerose.

A doença periodontal associa-se a risco aumentado de doenças cardiovasculares, resultados adversos da gravidez, artrite reumatóide, hiperlipidemia e diabetes mellitus. Muitos estudos de coorte, estudos in vitro e em animais sugerem que a inflamação sistêmica devida a agentes patogênicos da doença periodontal pode desempenhar um papel importante na iniciação e progressão dessas doenças. Portanto, infecções periodontais devem ser consideradas como fator de risco importante para várias doenças sistêmicas, e o clínico deve estar ciente disso (MANJUNATH et al., 2011).
A doença periodontal é uma enfermidade infecciosa muito comum, afetando cerca de 50%  da população europeia (BELSTROM et al., 2012) e 93% da brasileira (CHAMBRONE et al., 2008). Assim, quase todas as pessoas apresentam algum grau de doença periodontal inflamatória crônica. Esta ocorre inicialmente na gengiva em resposta a antígenos bacterianos da placa dentária que se acumulam ao longo da margem gengival, a placa bacteriana, que é um biofilme constituído por bactérias, proteínas salivares e células epiteliais descamadas. Sua manifestação inicial é a gengivite que, se não tratada precocemente, pode evoluir para periodontite. Assim, em uma primeira fase, os sinais e sintomas clínicos são "surdos", sem qualquer tipo de dor e que, por isso, passam despercebidos ao próprio paciente. A hemorragia gengival associada é um dos primeiros sintomas que chama realmente a atenção (ALMEIDA et al., 2006).
Inicialmente ocorre um desequilíbrio entre bactérias e defesas do hospedeiro, o que leva a alterações vasculares e à formação de exsudado inflamatório. Esta fase manifesta-se clinicamente por alteração da cor da gengiva, hemorragia e edema, sendo uma situação reversível se a causa for eliminada. Esta situação, definida como gengivite, possibilita um maior acesso dos agentes bacterianos agressores e/ou seus produtos às áreas subjacentes, podendo resultar na formação de bolsas periodontais, com perda óssea e uma contínua migração apical do epitélio. Este tipo de epitélio oferece menos resistência aos agentes agressores, o que perpetua o processo inflamatório (ALMEIDA et al., 2006). Portanto, a gengivite é precursora da doença periodontal, e apresenta-se como hiperemia e edema gengival (Figura), decorrentes da má higiene oral. 

Figura. Sinais de gengivite. Foto: nycomprehensivedentistry.com

ligação entre saúde oral e doenças cardiovasculares tem sido proposta há mais de um século. Recentemente, a preocupação com possíveis ligações entre doença periodontal e doença vascular aterosclerótica intensificou-se e está dirigindo um campo ativo de investigação sobre uma possível associação dcausalidade. Os dois transtornos compartilham vários fatores de risco comuns, como o tabagismo, idade e diabetes mellitus (LOCKHART et al., 2012).
A teoria de que a aterosclerose passa por um processo inflamatório acentuou o interesse no papel que alguns agentes infecciosos podem ter no início, ou mesmo na modelação, da aterogênese. Dentre os principais agentes destacam-se Chlamydia pneumoniae, citomegalovírus e Helicobacter pylori. As infecções desencadeariam alterações na biologia das células endoteliais e do músculo liso, predispondo à aterogênese. 
Nesta perspectiva, colocou-se a hipótese de as doenças periodontais, como doenças infecciosas, terem um papel na formação de ateromas. Vários agentes patogênicos periodontais foram detectados em placas de ateroma, principalmente Porphyromonas gengivalis, Prevotella intermedia, Tannerella orsythensis e o Actinobacillus actinomycetemcomitans (ALMEIDA et al., 2006).
Há uma forte ligação entre doença periodontal e diabetes mellitus. A doença periodontal tem incidência aumentada em indivíduos diabéticos, e sua progressão e gravidade são maiores nesses pacientes (ALMEIDA et al., 2006). A fisiopatologia da doença periodontal associada ao diabetes mellitus está ilustrada na figura abaixo (ALVES et al., 2007).


Figura: Fisiopatologia da periodontopatia associada ao diabetes mellitus
Fonte: ALVES et al. (2007)

Por outro lado, pacientes diabéticos com periodontite grave podem apresentar maior dificuldade em alcançar o controle glicêmico (MAEHLER et al., 2011). A associação epidemiológica entre ambas remete à necessidade de verificação de tratamento periodontal regular no paciente diabético e à relevância de enfatizar a importância de o clínico conhecer essa associação.
A periodontite também está associada à hiperlipidemia. Esta seria induzida pela periodontite, e parece estar associada à liberação de citocinas, em resposta à infecção por gram-negativos, principalmente a interleucina-1 e o fator de necrose tumoral. Ambas as citocinas podem alterar o metabolismo lipídico e produzir hiperlipidemia (ALMEIDA et al., 2006).
Há evidências de que a periodontite está associada com um risco aumentado de acidente vascular cerebral. No entanto, os resultados deste meta-análise devem ser interpretados com cautela, devido à heterogeneidade dos estudos, assim como a diferenças na definição de periodontite (SFYOERAS et al., 2012).
Atualmente, há uma grande controvérsia acerca da possibilidade de condições inflamatórias crônicas como a periodontite não tratada, condicionarem também a ocorrência de artrite reumatóide (ALMEIDA et al., 2006).
Recentemente foi sugerido também que a doença periodontal na gravidez seja uma causa determinante de baixo peso ao nascer (LOURO et al., 2001).
A doença periodontal  é  considerada um problema de saúde pública em todo o mundo devido à sua alta incidência e prevalência,  e por estar associada a doenças sistêmicas importantes. O clínico deve conhecer a existência dessa associação mórbida.

Referências
ALMEIDA, R. F.; PINHO, M. M.; LIMA, M. C. et al. Associação entre doença periodontal e doenças sistêmicas. Rev Port Clin Geral, 22: 379-90, 2006.
ALVES, C.; ANDION, J.; BRANDAO, M. et al. Mecanismos patogênicos da doença periodontal associada ao diabetes melito. Arq Bras Endocrinol Metab. 51 (7): 1050-1057, 2007. 
BELSTROM, D.; DAMGAARD, C.; NIELSEN, C. H. et al. Does a causal relation between cardiovascular disease and periodontitis exist? Microbes Infect, 14(5): 411-8, 2012.
LOCKHART, P. B.; BOLGER, A. F.; PAPAPANOU, P. N,e t al. Periodontal Disease and Atherosclerotic Vascular Disease: Does the Evidence Support an Independent Association?: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation, 125 (20): 2520-2544, 2012.
SFYOERAS, G. S.;N.; SALEPTSIS, V. G. et al. Association between periodontal disease and stroke. Vasc Surg,  55 (4): 1178-84, 2012. 
CHAMBRONE, L.; LIMA. L. A. P. A.; CHAMBRONE, L. A. Prevalência das Doenças Periodontais no Brasil. Parte II. 1993-2003, Revista Odonto, 16 (31): 69-63, 2008.
LOURO, P. M.; FIORI, H. H.; LOURO FILHO, P. et al. Doença periodontal na gravidez e baixo peso ao nascer. J Pediatr (Rio J) 77(1): 23-28, 2001.
MAEHLER, M.; DELIBERADOR, T. M.; SOARES, T. M. F, et al. Doença periodontal e sua influência no controle metabólico do diabetes. RSBO, 8(2): 211-8, 2011.  
MANJUNATH, B. C.; PRAVEEN, K.; CHANDRASHEKAR, B. R. Periodontal infections: a risk factor for various systemic diseases. Natl Med J India, 24 (4): 214-9, 2011.

Imagem: perio.org.