19 de maio de 2012

Transtorno do Estresse Pós‐Traumático

Por Anne Diniz Maia
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) consiste em uma reação anormal de ansiedade extrema a uma experiência anterior de evento estressante. Os sobreviventes do evento estressante (guerras ou violência urbana como assaltos, sequestros, agressões físicas ou sexuais, desastres naturais, ataques terroristas) desenvolvem sintomas relacionados à revivescência do trauma, esquivamento psíquico e hiperestimulação do sistema nervoso autonômico. A revivescência do trauma pode ocorrer a partir de lembranças intrusivas, pesadelos traumáticos e “flashbacks” dissociativos.

Palavras-chave: Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Trauma. Diagnóstico.


Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um quadro de grave ansiedade que pode ocorrer após experiência ou testemunho de um evento traumático. Evento traumático é um acontecimento com risco de vida, tais como combates militares, desastres naturais, ataques terroristas, sequestros, assaltos, acidentes graves ou agressão física ou sexual (McNALLY, 2012).
As consequências emocionais de traumas psicológicos intensos já tinham sido reconhecidas e descritas por autores como Jean-Martin Charcot, Sigmund Freud e Pierre Janet. Entretanto, foi com o uso de critérios diagnósticos da Organização Mundial da Saúde e da Associação Americana de Psiquiatria que foram definidas mais precisamente as  características desse quadro (KAPCZINSKI; MARGIS, 2003). Charcot estudou a reação psicológica aos "choc nerveux" induzidos traumaticamente, enquanto Janet e Freud, seus discípulos, foram na direção oposta, a do aprofundamento dos insights sobre os componentes emocionais das situações traumáticas – e de sua relação com a histeria (SCHESTATSKY et al., 2003). 
O estudo epidemiológico metodologicamente mais rigoroso sobre militares americanos no Iraque e no Afeganistão evidenciou que 4,3% das tropas desenvolveram TEPT. Entre os combatentes mobilizados, 7,6% desenvolveram o quadro (McNALLY, 2012). Também há alta incidência de sintomas agudos de TEPT em pacientes vítimas de traumas civis (violência urbana, desastres naturais). Os paciente vítimas de violência interpessoal persistente também estão em maior risco de desenvolver sintomas agudos de TEPT (ALARCON et al., 2012). Por outro lado, o TEPT está relacionado também com síndromes coronarianas agudas (ou seja, infarto do miocárdio ou angina instável). Os clínicos devem estar cientes de que fatores psicossociais, e TEPT em particular, podem estar associados com a baixa adesão à terapêutica (EDMONDSON et al., 2012).
O quadro TEPT de pode ser diagnosticado quando os sintomas perduram por quatro semanas ou mais depois do evento traumatizante e quando provocam comprometimento psicossocial da vítima. Na tentativa de minimizar o terror e o sofrimento causados os pacientes tentam esquivar-se, evitando relembrar o trauma. Alguns chegam a desenvolver uma espécie de entorpecimento emocional, um tipo de anestesia, podendo ocorrer o fenômeno da amnésia psicogênica. Esse tipo de amnésia, pode ser anterógrada (dificuldade para  lembrar de fatos recentes) ou retrógrada (dificuldade para  lembrar de fatos anteriores ao trauma).
Figueira e Mendlowicz (2003) afirmam que o transtorno de estresse pós-traumático é uma condição em que predomina ansiedade intensa no paciente, precipitada por um trauma de natureza extrema. Os sobreviventes ao evento estressante desenvolverão sintomas relacionados à revivescência do trauma, esquivamento psíquico e hiperestimulação do sistema nervoso autonômico.
De acordo com o IV Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV) da American Psychiatric Association (1994), a revivescência do trauma pode ocorrer a partir de lembranças intrusivas, pesadelos traumáticos e “flashbacks” dissociativos. Por outro lado, no entorpecimento emocional ocorrem esforços para evitar pensamentos, sentimentos, atividades, locais ou pessoas associados ao trauma, e aparece uma sensação de distanciamento em relação às outras pessoas. Já a hiperestimulação autônoma é caracterizada por insônia, irritabilidade, dificuldade em concentrar-se e hipervigilância.
A CID‐10, Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, da Organização Mundial de Saúde (1993), apresenta os seguintes critérios diagnósticos para o TEPT: 
A‐ Exposição a evento ou situação estressante, de curta ou longa duração de natureza ameaçadora ou catastrófica, a qual provavelmente causaria angústia invasiva em quase todas as pessoas; 
B‐ Rememoração ou revivência persistente do fator estressor em  flashbacks intrusivos, memórias vividas, sonhos recorrentes e angústia em circunstâncias semelhantes ou associadas ao estressor/agressor;
C‐ Tentativas de evitar situações semelhantes ou associadas ao estressor/agressor;
D‐ Um dos seguintes aspectos ou sintomas deve estar presente: 
1‐ Incapacidade de relembrar, parcial ou completamente, alguns aspectos do período de exposição ao agressor/estressor;
2‐ Sintomas persistentes de sensibilidade e excitação psicológica aumentada demonstrada por dois dos seguintes sintomas:
(a) Dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo/insônia;
(b) Irritabilidade ou explosões de raiva.
Após exposição a um estresse mental ou físico podem ocorrer sintomas como tristeza, ansiedade, raiva e/ou desespero, que se misturam a retraimento social, desorientação, diminuição da atenção, desespero e hiperatividade inadequada. Isso se caracteriza como reação aguda ao estresse. Essa reação poderá ser classificada em leve, moderada ou grave. Deve-se ressaltar que essa reação tende a ocorrer nos 12 primeiros meses seguintes ao aparecimento dos sintomas.
Analisando os critérios do DSM-IV para Reação Aguda ao Estresse, além da exposição do indivíduo ao evento traumático grave, vem acompanhado a isso, intenso medo e uma sensação de impotência no momento da exposição. Enquanto a pessoa vivencia o evento ou logo após, passa a ter diferentes sintomas dissociativos, como sensação de distanciamento, redução da consciência quanto às coisas que a rodeiam e incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma. Esses sintomas devem interferir significativamente na vida do indivíduo para ser classificado como TEPT.
O número de exposições e o desenvolvimento de sintomas do TEPT deve ser levado em consideração, pois  é possível subdividir grupos de indivíduos em relação ao transtorno. Alguns autores citam quadros de indivíduos que apresentaram diferentes exposições a eventos traumáticos, desenvolvendo múltiplos episódios de TEPT. Existem indivíduos que apresentam sintomas relacionados ao primeiro evento traumático após a ocorrência de um segundo ou terceiro evento (não tendo desenvolvido TEPT antes).
As informações dos diferentes grupos de vítimas, a sintomatologia do TEPT ligada  a natureza do evento traumatizante, número de exposições, a vulnerabilidade do indivíduo, a reação frente ao estressor e a rede de apoio após o evento são fatores que auxiliam o conhecimento das consequências relacionadas ao trauma.
Ao longo da história da Psiquiatria, em um primeiro momento houve uma ênfase na experiência subjetivamente vivenciada pelo paciente, em um segundo momento houve um reconhecimento sobre a intensidade dos estressores traumáticos, o que ocorreu paralelamente aos horrores das Grandes Guerras. 

Referências
ALARCON, L. H.; GERMAIN, A.; CLONTZ, A. S. et al. Predictors of acute posttraumatic stress disorder symptoms following civilian trauma: highest incidence and severity of symptoms after assault.  Trauma Acute Care Surg, 72 (3): 629-35, 2012.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and statistic manual of mental disorders. 4rd ed. Washington (DC); 1994. 
EDMONDSON, D.; SHAFFER, J. A.; DENTON, E. G. et al. Posttraumatic stress and myocardial infarction risk perceptions in hospitalized acute coronary syndrome patients. Front Psychol, 3:144., 2012
FIGUEIRA, I.; MENDLOWICZ, M. Diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático. Rev. bras. psiquiatr. 25 (Supl I) : 12-6, 2003.
GRAEFF, F. Bases biológicas do transtorno de estresse pós-traumático. Rev. bras. psiquiatr. 25 (Supl I): 21-4, 2003.
KAPCZINSKI, F. & MARGIS, R. Transtorno de estresse pós traumático: critérios diagnósticos. Rev. bras. psiquiatr. 25 (Supl I) : 3-7, 2003.
KRISTENSEN, C. A.; PARENTE, M. A. M. P.; KAZNIAK, A. W. Transtorno de estresse pós-traumático e funções cognitivas. Psico-USF, 11 (1): 17-23, 2006.
McNALLY, R. J. Are we winning the war against posttraumatic stress disorderScience, 336 (6083): 872-4, 2012.ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. 
SCHESTATSKY, S.; SHANSIS, F.; CEITLIN, L. M. et al. A evolução histórica do conceito de estresse pós-traumático. Rev. Bras. Psiquiatr.  25 (suppl.1): 8-11, 2003.

Imagem: geninv.net