24 de outubro de 2012

Discussão sobre Síndromes Urinárias: Fisiopatologia e Semiologia

Moderação: Profa. Rilva Muñoz

Discussão com a Turma 2 de Graduação em Medicina da UFPB 2010.2

A discussão realizada com a turma 2 de Semiologia Médica da UFPB teve início com a recomendação da moderadora de que se começasse pelo tópico da insuficiência renal aguda (IRA). Luiz deu início à discussão, comentando o conceito da síndrome da IRA, porém o fez com sobreposição de aspectos etiopatogênicos referentes às síndromes de insuficiência renal crônica e de insuficiência renal aguda, ao referir que havia insuficiência da filtração glomerular associada a processos inflamatórios crônicos e auto-imunes. Do ponto de vista clínico, ele comentou sobre os achados à ectoscopia, como anasarca, facies renal, aumento da pressão arterial e oligúria, não havendo alterações características à palpação dos rins.

A moderadora comentou, então, que era preciso fazer a distinção entre os dois quadros, o da síndrome de insuficiência renal aguda e o da crônica, tanto do ponto de vista etiopatogênico, fisiopatológico quanto evolutivo e clínico-semiológico. Esperou-se que, na discussão, surgisse a expressão-chave para caracterizar a insuficiência renal aguda (IRA), a necrose tubular aguda (NTA), mas ainda demorou um pouco para que esta fosse mencionada e se chegasse à discussão da IRA propriamente dita, distinguindo-a da insuficiência renal crônica (IRC).

Primeiro, Graziela comentou os mecanismos auto-reguladores dos rins, afirmando que o principal papel da auto-regulação era manter a filtração glomerular relativamente constante e permitir o controle da excreção renal de água e solutos. Referiu ainda que havia auto-regulação do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular, em resposta a mudanças da pressão arterial e da intensidade do fluxo do líquido tubular, partindo do túbulo, da mácula densa, e gerando feedback para o glomérulo, como a diminuição da resistência das arteríolas aferentes, com elevação da pressão hidrostática glomerular, contribuindo para normalizar a filtração. Lembrou que arteríolas aferentes e eferentes dos rins são inervadas por fibras simpáticas, que também inervam as células justaglomerulares produtoras de renina. Mencionou também o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que é tão importante na manutenção da homeostase, e também, por outro lado, é responsável pela fisiopatologia de muitos quadros clínicos envolvendo o rim. Acrescentou também que existe no rim um importante balanço entre estes agentes vasoconstritores e os vasodilatadores, na regulação da filtração glomerular. Dentre os agentes vasodilatadores, citou peptídeos como bradicinina, prostaglandinas e peptídeos natriuréticos. Ela disse ainda que a vasodilatação da arteríola aferente e a vasoconstrição de arteríola eferente eram capazes de alterar a taxa de filtração. Afirmou, por fim, que a falência renal se apresenta clinicamente quando a filtração glomerular cai abaixo de 30 mL/min. Contudo, finalizou declarando que havia um processo de “necrose glomerular aguda ”, onde cometeu um equívoco fisiopatológico. E continuamos esperando pela expressão-chave da fisiopatologia da IRA... 

Nicole passou, então, a discorrer sobre a classificação fisiopatológica da IRA, em pré-renal (diminuição da filtração glomerular acompanhada de lesão renal intrínseca, como ocorre nos quadros de desidratação grave, cirrose, insuficiência cardíaca, hipotensão grave, hemorragias, grandes queimaduras, choque cardiogênico), renal (necrose tubular aguda, glomerulonefrite, hipertensão arterial maligna, infecções, intoxicação por drogas anti-inflamatórias)  e pós-renal (obstruções do fluxo urinário como cálculos, tumores e coágulos). Foi aí apareceu a expressão-chave esperada: necrose tubular aguda (NTA). Em virtude do grande predomínio da NTA como causa de IRA intrínseca, essa entidade serve de base para o estudo fisiopatológico do quadro.

Na IRA pré-renal, haveria vasoconstricção, chegando menos sódio e havendo ativação do SRAA. Nicole comentou ainda que a IRA apresentava geralmente quatro fases: isquemia, com “leve uremia”, seguida por uma segunda fase oligúrica, pela redução da reabsorção e diminuição da volemia, uma terceira fase, com poliúria, e ainda uma quarta fase, de recuperação.

A IRA pré-renal é essencialmente reversível se o distúrbio volêmico for corrigido em tempo. No entanto, a manutenção prolongada dessa hipoperfusão renal pode causar lesão e necrose de células tubulares, principalmente nos segmentos renais localizados na medula externa (pars recta do túbulo proximal e porção espessa da alça de Henle).

Nicole citou ainda algumas repercussões do quadro de IRA: uremia, encefalopatia urêmica, hipertensão arterial sistêmica, edema pulmonar, distúrbios hidreletrolíticos (hiponatremia, hipervolemia, hipercalemia).

A moderadora interveio para corrigir o sentido que havia sido atribuído à palavra uremia. Esta é conceituada como uma síndrome consequente à perda, geralmente lenta e progressiva, da capacidade excretória renal, ou seja, é uma redução arrastada e insidiosa da filtração glomerular, não devendo ser um termo empregado para os casos de IRA. Como consequência da perda progressiva, há elevação das concentrações plasmáticas dos catabólitos derivados do metabolismo proteico, levando ao aumento da ureia e da creatinina, o que se denomina azotemia; este último termo, sim, é um achado laboratorial, e pode ser empregado tanto nos casos de IRA e IRC.

Roberta comentou que o exame físico do paciente com IRC depende da causa básica. Se a causa for doença policística renal, por exemplo, os rins serão palpáveis. 

Então, Lojoama mencionou termos importantes para definir a fisiopatologia da IRA: hipoperfusão e isquemia. Edilza complementou afirmando que, além da isquemia, a IRA poderia decorrer de agressão nefrotóxica. Esta última pode ocorrer por ação de toxinas exógenas (antibióticos, anestésicos, contrastes radiológicos, solventes, venenos de animais peçonhentos) ou endógenas (mioglobina, hemoglobina, ácido úrico e paraproteínas). A moderadora lembrou que os pigmentos derivados do heme (hemoblobina e mioglobina) podem ser causa de agressão nefrotóxica. Uma lesão  muscular  extensa, com  liberação  de  substâncias intracelulares  na  circulação,  pode  ser causada  por  trauma  muscular, hipertermia  maligna e  exercício  físico extenuante, e que pode levar tanto obstrução tubular por cilindros de mioglobina quanto lesão tóxica direta nos túbulos. Graziela lembrou que a hemoglobinúra, que ocorre em quadros de hemólise intravascular, também pode levar a necrose tubular aguda, por agressão tóxica.

Ana Carolina questionou por que há poliúria no quadro de IRA. Explicou-se que, apesar da persistência da incapacidade tubular em reabsorver água, sódio e potássio, passa a haver um quadro de “diurese osmótica”, consequente à eliminação de ureia e outros solutos retidos na fase oligúrica anterior, além da incapacidade parcial dos túbulos em reabsorver água e eletrólitos. Por outro lado, há um quadro de “hiperidratação”, com excesso de água e sódio, retidos na fase oligúrica.

Gabriela falou sobre a IRA pós-renal obstrutiva. Esta pode ser decorrente de obstrução secundária a cálculos, neoplasias de bexiga e órgãos pélvicos, prostatismo, edema uretral secundário à instrumentação urológica e ligaduras inadvertidas dos ureteres.

A moderadora comentou ainda a existência de nefrite tubulointersticial aguda, que pode causar diminuição da filtração glomerular por processo inflamatório na região intersticial do rim. As causas são uso de fármacos (principalmente penicilinas), infecções ou infiltrações celulares (doenças auto-imunes, inflamatórias etc). Portanto, a NTA, isquêmica ou nefrotóxica, constitui-se na principal causa de IRA, mas em adultos, o diagnóstico diferencial deve incluir as e as glomerulonefrites.

Passou-se, então, à discussão sobre a insuficiência renal crônica (IRC). Stefano começou comentando que há redução de taxa de filtração glomerular, inflamação, depósito de crescentes, imunocomplexos, leucócitos, anticorpos, complemento, na cápsula de Bowman, havendo azotemia, que é a retenção de substâncias nitrogenadas no plasma, paralela à redução população néfrons. As crescentes mencionadas ocorrem na glomerulonefrite rapidamente progressiva, e são constituídas por células proliferadas do folheto parietal da cápsula de Bowman e monócitos, que reduzem ou obliteram o espaço desta cápsula e se fundem com os tufos capilares, diminuindo ou impedindo a filtração glomerular. 

A moderadora referiu que o quadro fisiopatológico descrito acima foi o da síndrome nefrítica, que geralmente culmina com quadro de IRA ou IRC, o que foi diretamente relacionado à IRC na fala de Stefano consistiu na menção da redução da população de néfrons funcionais. A IRC consiste, na verdade, em perda progressiva e irreversível das funções renais, e portanto, da função glomerular, função tubular e função endócrina. Em sua fase mais avançada, os rins não conseguem manter a normalidade (uremia).

A moderadora explicou que o termo insuficiência renal crônica foi substituído recentemente pela expressão doença renal crônica (DRC), que designa tanto condições nas quais há perda insidiosa da função renal, quanto condições nas quais há lesão renal com função ainda preservada. A DRC é dividida em seis estágios funcionais de acordo com o grau de função renal do paciente. Estes estágios compreendem desde a fase em que os indivíduos não apresentam lesão renal e mantêm sua função renal normal, porém se encaixam dentro do grupo de risco, até a fase cinco, que inclui o indivíduo com lesão renal e insuficiência renal terminal ou dialítica.

Dado que a função de excreção de catabólitos é resultante principalmente da filtração glomerular, a IRC consiste, assim, em uma perda progressiva da filtração glomerular, que pode ser avaliada pela medida do “clearance” de creatinina em urina de 24 horas.

Na fase chamada "zero", existe aumento de risco de lesão renal, mas o paciente não apresenta anormalidades urina e o clearance (depuração) de creatinina está acima de 90 mL; na fase 1, há anormalidades urinárias, mas clearance ainda acima de 90; fase 2, clearance entre 60 e 89; fase 3, clearance entre 30 e 59; fase 4, clearance entre 15 e 29; fase 5 ou terminal, abaixo de 15.

Os participantes da discussão passaram, então, a citar as várias causas de IRC. Diversas doenças sistêmicas e primárias renais culminam em agressão lenta do parênquima renal, que fica danificado de forma irreversível. 

Renan Fernandes mencionou a pielonefrite crônica e a nefrite intersticial crônica. Samuel citou a hipertensão arterial sistêmica como causa de IRC; a principal repercussão morfológica renal da hipertensão é genericamente denominada nefroesclerose, que pode ser caracterizada como benigna ou maligna. A moderadora lembrou que na hipertensão arterial, o rim pode, ao mesmo tempo, ser a causa da hipertensão, ou sofrer seus efeitos lesivos, como um órgão-alvo do aumento crônico da pressão arterial. Assim, o rim e a hipertensão arterial interagem de maneira íntima e complexa, sendo a hipertensão causa ou  consequência da doença renal.

Mateus Dantas lembrou do diabetes mellitus como causa de IRC. A moderadora comentou que o diabetes mellitus (DM) é uma das causas mais importantes de IRC no mundo, sendo responsável por aproximadamente 45% dos casos de terapia de substituição renal nos Estados Unidos. No Brasil, as estatísticas são menos precisas, mas segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, as causas mais frequentes de IRC são hipertensão arterial sistêmica, seguida pelo DM.

Mateus Vinicius comentou que o depósito de lipídeos nos vasos renais ocasionava IRC. A moderadora lembrou, entretanto, que o depósito de lipídeos relaciona-se à macroangiopatia e à microangiopatia, levando, portanto, a doença arterial obstrutiva periférica, doença coronariana e acidentes vasculares encefálicos. Contudo, o nexo destas situações com o rim seria a síndrome metabólica, que tem na lesão endotelial um mecanismo fisiopatológico importante. A relação que existe entre doença renal crônica e depósito de colesterol nos vasos renais é que aumenta o risco de dano renal com o número de fatores de risco da síndrome metabólica, e que também podem levar ao comprometimento renal crônico, com  possível hipertensão renovascular, mas não levando diretamente à IRC.

Lojoama lembrou que o aumento de pressão hidrostática glomerular aumenta a taxa de filtração, mas a autorregulação permite uma constância relativa da taxa de filtração glomerular e do fluxo plasmático renal dentro de um intervalo de pressões, prevenindo que alterações sistêmicas da pressão arterial repercutam de modo intenso sobre a filtração. Ou seja, embora a ocorrência de variações na pressão arterial exerça influência sobre o fluxo sanguíneo renal, os rins dispõem de mecanismos eficazes para manter este fluxo sanguíneo renal e a filtração glomerular relativamente constantes. Este processo é denominado auto-regulação, que foi mencionada no início desta discussão.

Samuel comentou que a hiperinsulinemia era um fator importante no desenvolvimento da nefropatia diabética. A resistência insulínica e a hiperinsulinemia compensatória constituem importantes fatores associados ao desenvolvimento da lesão renal. Além dos efeitos clássicos relacionados ao metabolismo da glicose, a insulina exerce ação vasodilatadora da arteríola aferente e aumenta a expressão de fatores de crescimento sobre as células mesangiais. A moderadora completou que, entre esses fatores, o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) promove proliferação de vasos renais e células mesangiais.

Ana Carolina comentou que existe associação entre hepatites virais B e C e glomerulopatia e que este quadro pode evoluir para IRC.

Daniel mencionou que a nefropatia diabética é uma glomerulopatia, já que os efeitos da doença no rim ocorrem nos glomérulos. A nefropatia diabética é uma das principais causas de nefropatia terminal em vários países, e é antecedida em muitos anos pela presença de hiperfiltração glomerular, alteração ainda reversível, mas que anuncia o risco de instalação da nefropatia crônica propriamente dita. 

Lojoama questionou qual a relação entre cirrose hepática e insuficiência renal. A moderadora mencionou, a propósito, a  síndrome hepatorrenal, uma forma grave de insuficiência renal. Trata-se de uma insuficiência renal funcional (não há lesão morfológica), ocasionada por redução do fluxo sanguíneo para os rins e inversão do fluxo córtico-medular, nos pacientes portadores de cirrose hepática. Não se conhece a causa precisa da síndrome hepatorrenal, mas possivelmente este quadro ocorra pelo fato de os pacientes com doença hepática, hipertensão portal ou ascite, terem volume plasmático aumentado, mas volume arterial efetivo baixo, devido à vasodilatação e ao desvio do sangue na circulação portal, havendo um quadro de vasodilatação arterial esplâncnica.

Luiz aludiu à existência da glomerulonefrite lúpica como causa de IRC, e Edilza, às doenças infecciosas, como esquistossomose, varicela e malária, como causa de glomerulonefrites secundárias, as quais podem acabar culminando com IRC.

Graziela passou a falar sobre as manifestações hematológicas da IRC, afirmando que a deficiência de eritropoetina é o fator principal responsável pela anemia, que resulta da depressão da medula óssea resultante da redução de produção desse hormônio na IRC. Joanna complementou afirmando que a alteração na eritropoiese também se devia a outros fatores que acompanham a síndrome urêmica, como as alterações qualitativas das plaquetas, redução da vida média das hemácias e sangramentos originários de lesões do trato digestório, que são comuns na IRC. A moderadora completou que a anemia é relativamente incomum em pacientes nos estágios iniciais da DRC, mas sua prevalência aumenta significativamente quando o clearance de creatinina está abaixo de 60 mL/min e torna-se mais frequente e grave quando se aproxima de 30 mL/min.

Dened mencionou o edema pulmonar e a pericardite como complicações cardiovasculares da IRC. A moderadora complementou que estas são a principal causa de óbito dos pacientes portadores de doença renal crônica. Além do edema pulmonar, pode ocorrer derrame pleural, principalmente no paciente com IRC terminal. Descreve-se ainda o quadro chamado de “pulmão urêmico”, decorrente de insuficiência ventricular esquerda.

Ana Carolina comentou a ocorrência da osteoporose na IRC, referindo-se ao quadro chamado de osteodistrofia renal. A moderadora corrigiu o termo usado, que deveria ser osteomalácia, caracterizada pelo excesso de osteoide (colágeno ósseo não-mineralizado) devido a uma incapacidade de mineralização, enquanto a osteoporose é a diminuição da densidade mineral óssea, com deterioração da microarquitetura do osso, levando a um aumento da fragilidade esquelética e do risco de fraturas. O ponto de partida da osteodistrofia renal é a redução da produção da vitamina D3 pelo rim, à medida que a massa renal vai sendo reduzida, do que decorre a redução da absorção intestinal de cálcio pelo intestino.

O processo de osteodistrofia renal geralmente tem início com a retenção de fósforo devido à incapacidade de sua excreção ocasionada pela queda na filtração glomerular (clearance em torno de 60 mL/min). Associado a isso, há diminuição da conversão da vitamina D em sua forma ativa pelo rim e consequente hipocalcemia. Estas alterações iniciais acarretam elevação do paratormônio (PTH), que é o hormônio responsável pela manutenção da calcemia numa estreita faixa, dita fisiológica.

Os estados de hipocalcemia e hiperfosfatemia crônicos são estímulos para o desenvolvimento de hiperplasia das paratireoides, que, por conseguinte, diminuem a expressão dos receptores de cálcio e calcitriol, tornando-se a glândula menos responsiva às elevações séricas do cálcio e desta vitamina. Outros fatores que contribuem para patogênese do hiperparatireoidismo secundário são a resistência óssea à ação do paratormônio e a acidose metabólica.

Germano comentou que ocorre hipocalcemia no quadro da IRC. A hipocalcemia resulta de redução da absorção intestinal deste mineral, alteração do intercâmbio de cálcio do osso para o sangue e hipofosfatemia. Em decorrência da hipocalcemia, passa a haver hiperparatireoidismo secundário, que aparece precocemente, quando a taxa de filtração glomerular encontra-se entre 60-90 mL/min; são, na verdade, a hiperfosfatemia e hipocalcemia crônicas que estimulam a hiperplasia das glândulas paratireoides.

Dened mencionou as manifestações digestórias da IRC, que são náuseas, vômitos e diarreia. A moderadora complementou afirmando que os sintomas digestórios são os mais comuns e numerosos, e os que trazem mais desconforto aos pacientes. As mais temíveis são as decorrentes de erosões da mucosa, levando a hemorragia digestiva.

Depois de se terem descrito tantas manifestações aa IRC, Luana perguntou, então, como suspeitar de IRC, se há tantos sinais e sintomas?... Realmente a função renal diminuída está associada com complicações em virtualmente todos os sistemas e órgãos. A presença de fatores de risco, o acompanhamento evolutivo do paciente e os exames complementares (ureia, creatinina, proteinúria, sedimento urinário, clearance de creatinina, ultrassonografia renal) contribuem para estabelecer o diagnóstico de uremia.

Renan Fernandes mencionou ainda os sintomas e sinais neurológicos que ocorrem paralelamente à azotemia, tais como apatia, agitação, redução da capacidade cognitiva e coma. Portanto, a encefalopatia urêmica apresenta-se como um complexo de sintomas que progride desde uma leve obnubilação sensorial até delirium e coma. Nos casos não tratados, o coma é precedido por confusão e períodos alternantes de sonolência e agitação, acompanhados de movimentos involuntários anormais caracterizados por tremor, asterixis, mioclonias e crises convulsivas. Renan Fernandes citou também a síndrome das pernas inquietas, que resulta dos efeitos da uremia sobre o sistema nervoso periférico, havendo uma necessidade compulsiva e intensa de movimentar os membros inferiores, sobretudo à noite. Este quadro não é exclusivo da insuficiência renal.

Dened perguntou o que seria asterixis. Asterixis ou flapping é um transtorno motor caracterizado por tremor grosseiro, como um “bater de asas”,  quando o antebraço é mantido fixo e o punho é hiperestendido. Esse sinal foi primeiramente descrito na encefalopatia hepática, mas significa uma alteração difusa do córtex cerebral e pode ser observado também na encefalopatia urêmica e em intoxicações.

Ranulfo mencionou que na IRC pode ocorrer hipertrofia cardíaca e insuficiência cardíaca congestiva. Os fenômenos ligados à hipertrofia ventricular esquerda  têm sido bem descritos como um componente frequente da doença renal crônica. Renan Figueiredo comentou que havia polaciúria na IRC, o que foi corrigido, o que ocorre, na verdade, é poliúria. Mesmo na fase inicial da IRC, a alteração principal é a incapacidade de o rim concentrar a urina. Além disso, o estado de azotemia conduz a uma espécie de diurese osmótica, clinicamente exteriorizada por poliúria. Paralelamente, manifesta-se nictúria, que é o aumento do volume urinário noturno com inversão do ritmo nictemérico. Só na fase terminal, instala-se oligúria e retenção hídrica.

Mateus Dantas comentou que a oligúria da fase terminal é acompanhada pelo aumento da creatinina no sangue, porém é preciso lembrar que, mesmo havendo poliúria nas fases anteriores da IRC, já existe azotemia.

Mateus Leite mencionou que a poliúria era desencadeada também pelo aumento do retorno venoso. Na verdade, é a nictúria que resulta deste mecanismo,  pois o líquido retido na periferia durante o dia retorna à circulação com o decúbito noturno e, desse modo, aumenta o fluxo plasmático renal.

Mateus Vinicius comentou que há acidose metabólica na IRC, decorrente da queda da filtração glomerular, com  acúmulo  de  íons hidrogênio gerados a partir do metabolismo de aminoácidos, além da incapacidade renal de excretar íons hidrogênio.

Dened lembrou-se da chamada “neve urêmica” na pele. Ocasionalmente, pode-se observar uma camada de escamas esbranquiçadas constituídas por cristais de ureia presentes no suor, a “neve urêmica”, embora esta alteração seja mais rara atualmente. Observa-se mais frequentemente palidez, atribuída à anemia, pele amarelada, devido à retenção de pigmentos lipossolúveis na derme e subcutâneo, como carotenoides e urobilinogênios, o que confere à pela uma tonalidade amarelo-palha. A pele também se torna seca (xerose urêmica) e pruriginosa. É comum discreta infiltração edematosa da face.

Há necessidade dessa acentuada redução da filtração glomerular, correspondente a 25% da função normal para que a ureia e a creatinina plasmáticas se elevem acima das taxas normais. Nessa fase, as alterações hematológicas, endócrinas, neurológicas, gastrintestinais, dermatológicas e hidroeletrolíticas são mais evidentes.

Passou-se, então, à discussão sobre a síndrome nefrótica, começando por Renata, que conceituou a síndrome como a presença de proteinúria e hipoalbuminemia. Ela mencionou ainda as causas de síndrome nefrótica, como as primárias (lesões mínimas, glomeruloesclerose segmentar, entre outras) e as secundárias (diabetes mellitus, amiloidose, lupus eritematoso sistêmico), e também explicou sua fisiopatologia, expondo a alteração da filtração da membrana basal glomerular com a consequente perda de proteínas e hipoalbuminemia, redução da pressão oncótica e edema. A moderadora citou ainda a hiperlipidemia e complementou que a proteinúria é do tipo maciça.

Jérsica explicou que a queda na pressão oncótica associava-se ao aumento da pressão hidrostática, com ativação do SRAA, para produzir a anasarca presente na síndrome nefrótica. Ana Carolina completou que a proteinúria maciça alcança níveis acima de 3,5 g/24h.

Luiz comentou que o fígado só tem capacidade de produzir até 3,5g de albumina. A moderadora não pôde confirmar esta assertiva, embora a hipoalbuminemia resultante da síndrome nefrótica seja geralmente da ordem de menos de 3,0 g/dL.  Sabe-se que a faixa ideal dos níveis de albuminemia é de 4,0-5,0g/100 mL, e o fígado é o principal local de produção de albumina, ocorrendo hipoalbuminemia por déficit de produção hepática quando há uma redução de mais de 80% da massa funcional do órgão.

Ivana comentou que a membrana basal glomerular tem  carga  elétrica negativa (aniônica). Esta a carga elétrica é um fator que influencia a permeabilidade da membrana basal glomerular. Moléculas do tamanho da albumina tem carga negativa e, pelo seu tamanho, poderiam atravessar a membrana basal, porém o fato de apresentar carga negativa faz com que a sua passagem através desta membrana seja desprezível. Nas glomerulopatias, existe perda de cargas aniônicas e aumento da densidade de poros não-discriminantes da membrana basal glomerular, o que leva ao aumento da sua permeabilidade com consequente proteinúria. Nas glomerulopatias onde ocorre apenas perda de carga (glomerulonefrite por lesões mínimas), as proteínas encontradas na urina são basicamente albumina e transferrina, portanto, trata-se de uma proteinúria seletiva.

Jader explanou que a elevação da colesterolemia na síndrome nefrótica ocorre às custas de aumento dos níveis de LDL (colesterol de baixa densidade). A moderadora complementou que na síndrome nefrótica, também está elevada a concentração plasmática e diminuída a depuração de VLDL (colesterol de muito baixa densidade) e de quilomicrons, que são aterogênicos.

Mateus Dantas mencionou outros tipos histológicos relacionados à ocorrência de síndrome nefrótica, tais como a membranosa, a proliferativa e a esclerose focal, que são confirmadas por biópsia renal.

Maurício citou o mieloma múltiplo como causa de síndrome nefrótica secundária.

Jader comentou também que na síndrome nefrótica a lesão à célula endotelial da membrana basal glomerular é acompanhada por ativação de vias inflamatórias e aumento na expressão de citocinas, fatores de crescimento e recrutamento de células inflamatórias, fator de necrose tumoral e consumo de complemento. 
Edilza esclareceu que no substrato patológico chamado de lesões mínimas, que ocorre mais em síndrome nefrótica que acomete crianças, ocorre alteração nos podócitos, células epiteliais glomerulares, que são células terminalmente diferenciadas que revestem a membrana basal glomerular. Por conseguinte, constituem a barreira final para a perda de proteína.  

Em seguida, a discussão passou para o tópico da síndrome nefrítica. Jader apresentou os componentes semiológicos da síndrome: hematúria, oligúria, proteinúria, edema e azotemia. Ele comentou ainda que a lesão glomerular associa-se a hipercelularidade, que produz hipertensão capilar e aumento da filtração glomerular. Há ainda liberação de mediadores inflamatórios (citocinas e quimiocinas), que induzem ao acúmulo de células mononucleares no interstício renal e redução do espaço mesangial. Isso significa que a reação inflamatória é de causa imunológica e produz lesão renal por vários mecanismos: ativação do complemento, infiltração celular, ativação de fatores de coagulação e produção de linfocinas. Jader falou também sobre a dismorfia eritrocitária observada no exame de urina, na interpretação de um quadro de hematúria, para determinar se sua origem é glomerular ou não glomerular. No primeiro caso, a suspeita de glomerulonefrite como causa da hematúria é sustentada pela presença de eritrócitos dismórficos em uma contagem de, pelo menos, 20%, em campo de grande aumento.

Vários alunos citaram ainda que as síndromes nefríticas incluem também as seguintes etiologias, além das já mencionadas: glomerulonefrite pós-estreptocócica, endocardite bacteriana subaguda, nefropatia por IgA (doença de Berger), púrpura de Henoch-Schönlein e síndrome de Goodpasture.

Seguindo a discussão, passou-se à conversação sobre as síndromes urinárias infecciosas. A infecção sintomática do trato urinário é uma das mais frequentes de infecções bacterianas, a segunda infecção mais comum na população em geral, predominando entre os adultos do sexo feminino. No adulto do sexo masculino, geralmente acima dos 50 anos, favorecem a infecção a instrumentação das vias urinárias – incluindo-se o cateterismo vesical (inserção de sonda) - e a hiperplasia prostática.

A mediadora comentou que há autores que consideram as uretrites e as prostatites, mesmo que de origem infecciosa, não se incluem no conceito de infecção urinária. No entanto, os processos que acometem desde o meato uretral ao córtex renal, além de estruturas adjacentes às vias urinárias, como próstata e glândulas uretrais, cujo denominador comum é a invasão de microrganismos em quaisquer desses tecidos, deve entrar no conceito de infecção do trato urinário.

Luana afirmou que as estas infecções poderiam ser classificadas de várias maneiras: alta e baixa; aguda, crônica e recorrente; reinfecção (infecção que se repete com outro agente etiológico) e recidiva (infecção que se repete pelo mesmo agente); complicada e não complicada. A infecção urinária é complicada quando ocorre em um aparelho urinário com alterações estruturais ou funcionais. Por exemplo, infecção urinária coexistindo com litíase ou com outro tipo de obstrução.

Discutiu-se que a síndrome infecciosa é decorrente da invasão do trato urinário por microrganismos que desencadeiam  uma  resposta  inflamatória.  Essa invasão é em geral bacteriana, atingindo o trato urinário por via ascendente, hematogênica  ou  linfática. A maior parte dos casos é causada pela E. coli e outras enterobactérias. Para  as  enterobactérias  produzirem  infecção, precisam aderir às células do introito vaginal, multiplicar-se,  colonizar  estes  locais e, finalmente, invadir a uretra e a bexiga. O fator bacteriano mais importante nas  enterobactérias  é  o  seu  poder  de adesão à mucosa da bexiga para que não sejam eliminadas pela micção.

Joanna falou sobre as prostatites. A prostatite bacteriana aguda geralmente afeta homens jovens, que apresentam febre, disúria, polaciúria e dor pélvica ou perineal. A infecção é geralmente devido a bactérias gram-negativas comuns, que são agentes patogênicos do trato urinário.

Joanna ainda comentou que a cistite, quando sintomática, exterioriza-se clinicamente pela presença de disúria, urgência miccional, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. Febre, neste caso, não é comum, diferentemente da pielonefrite (infecção alta). Explicou ainda que a incidência de infecção relacionado à cateterização vesical tem relação direta com a duração da cateterização, se a sonda vesical de demora tem sistema fechado,

Edilza perguntou o que seria o sistema fechado de cateterismo vesical. O uso exclusivo de coletor de urina do tipo fechado para sondagem vesical de demora com cateter de Foley de duas vias, seguindo técnica padronizada pela comissão de infecção hospitalar; no sistema aberto, praticamente 100% dos pacientes apresenta infecção no 3º dia de cateterização.

Ana Carolina lembrou que a infecção do trato urinário representa uma síndrome infecciosa comum durante a gestação, em virtude de vários fatores, como a compressão extrínseca dos ureteres e a redução da atividade peristáltica provocada pela progesterona provocam dilatação progressiva das pelves renais e ureteres. Essas mudanças, junto com o aumento do débito urinário, levam à estase urinária. A estase ainda é favorecida pela diminuição do tônus vesical, com subsequente aumento da capacidade da bexiga e seu esvaziamento incompleto, facilitando o refluxo vesicoureteral e pielonefrites.

Mayara passou a explanar o que estudou sobre a síndrome infecciosa alta do trato urinário, mencionando febre, dor lombar no ângulo costovertebral e/ou nos flancos. A infecção do trato urinário alto (pielonefrite), que habitualmente se inicia como um quadro de cistite, é habitualmente acompanhada de febre geralmente superior a 38C, calafrios e de dor lombar, uni ou bilateral. Esta tríade (febre + calafrios + dor lombar) está presente na maioria dos quadros de pielonefrite. Os sintomas gerais de um processo infeccioso agudo podem também estar presentes, e sua intensidade é diretamente proporcional à gravidade da pielonefrite. 

Luiz mencionou que é importante determinar se a hematúria é total, inicial ou terminal, pois isso permite presumir o local de origem do sangramento. No primeiro, ao começar a urinar (jato inicial); no segundo, a quase totalidade da micção (jato médio); e no terceiro, o final da micção (jato terminal). Hematúria inicial indica origem prostática ou uretral. Isto ocorre porque o sangue acumulado na uretra é levado pelo primeiro jato. Hematúria terminal, dolorosa, às vezes com sangue rutilante, é encontrada na hiperplasia prostática benigna, em consequência da ruptura das veias telangectásicas do colo vesical ou da mucosa prostática quando o paciente faz esforço para urinar. Hematúria total geralmente depende de lesões situadas acima do colo da bexiga, no ureter ou no rim, pois é necessário que haja tempo para que se misturem na bexiga o sangue e a urina. 

Felipe mencionou que nos quadros de pielonefrite aguda, à punho-percussão da região lombar, quando o paciente sente dor aguda, em pontada, diz-se que o sinal de Giordano é positivo.

Diego referiu que a maioria das infecções urinárias baixas é autolimitada, regredindo sem tratamento antibiótico. A mediadora considerou que isso é verdadeiro, porém o tratamento medicamentoso elimina rapidamente o germe causador e os sintomas. O uso da medicação em tratamentos breves de três dias geralmente é eficaz. 

Por fim, passou-se à discussão sobre as síndromes urinárias obstrutivas. Roberta classificou-as em obstrução alta ou baixa, unilateral ou bilateral, total ou parcial, congênita ou adquirida. Entre as congênitas, citou a estenose de uretra e o ureter retrocava; entre as adquiridas, a litíase e a ligadura iatrogênica de ureteres. Mencionou ainda a classificação das obstruções em extrínseca ou intrínseca. Lembrou que a obstrução ao fluxo urinário pode ocorrer em diversos níveis (pelve, ureter, bexiga, uretra). Continuou afirmando que em certas situações, as vias urinárias podem ser bloqueadas mecanicamente por cálculos, tumores ou outros processos patológicos. Nesses casos uma elevação acentuada da pressão hidráulica da via urinária obstruída. Essa elevação transmite-se retrogradamente aos túbulos renais, até que todo o sistema, incluindo o espaço de Bowman, esteja à mesma pressão. A presença de cálculos nos rins, ureteres ou bexiga, além de causar forte dor pode infringir sérios danos teciduais, como a hidronefrose.

Joanna mencionou que os cálculos são precipitações como agregados de vários componentes de baixa solubilidade normais da urina. Podem ser formados pela combinação de bactérias, células epiteliais, sais minerais em uma matriz proteica e muco. Vários tipos de cálculos estão associados com desordens específicas, mas a maioria é composta por oxalato de cálcio. Outros tipos de composição são fosfato de cálcio, fosfato de amônio-magnésio (estruvita), ácido úrico, cistina.

Dened comentou que devido à composição cálcica da maioria dos cálculos, estes são radiopacos, mas o melhor exame complementar de imagem para o diagnóstico é a ultrassonografia.

Encerrou-se a discussão, suspendendo-se o tópico de síndromes hipertensivas.