28 de setembro de 2020

COLÓQUIO SOBRE HISTÓRIA DA MEDICINA NA IDADE MÉDIA COM A TURMA 110 DO CC...


A Idade Média ainda é geralmente conhecida como "Idade das Trevas", principalmente na área das Ciências da Saúde. Nas últimas décadas, essa visão da Idade Média vem mudando gradativamente com o avanço dos estudos historiográficos e da história da ciência.
Enquanto os antigos egípcios, gregos e romanos impulsionaram o conhecimento médico, após o desaparecimento dessas civilizações, o ímpeto iniciado na Antiguidade tendeu a estagnar e não se desenvolveu no mesmo ritmo até os séculos XVII/XVIII. A queda do Império Romano teve como uma da consequências que muitas de suas práticas de higiene pública logo foram perdidas. A Idade Média na Europa viu a maioria das pessoas sem acesso a água potável, banho regular ou sistemas de esgoto. Isso significava que as condições de saúde eram muitas vezes piores que durante a ocupação romana dos séculos anteriores. A maioria das pessoas era agricultora e a alimentação era escassa. A fome e as doenças estiveram presentes durante grande parte desses mil anos medievais.
O aparecimento e desenvolvimento da religião cristã é um fator extremamente relevante na História da Medicina, e sua posição era hegemônica influenciando a forma como se pensava que as doenças eram um castigo de Deus por comportamentos pecaminosos. A medicina medieval era muito limitada e os médicos não tinham uma ideia científica do que causava as enfermidades.

CONTRIBUIÇÕES DE OUTROS INTEGRANTES DA COMUNIDADE COLABORATIVA DE APRENDIZAGEM - TURMA 109/CCM/UFPB

Após a leitura dos textos muito enriquecedores pude perceber como o pensamento religioso acabou "atrasando" o progresso do conhecimento médico e também acabou culminando com a perda de muitos conhecimentos que foram acumulados ao longo da idade antiga. Uma grande representação de como a medicina era feita na época se dá através do filme "O Físico", em que no início do filme o protagonista atua como barbeiro na Inglaterra e notamos rapidamente que era um conhecimento empírico e que os barbeiros não possuíam noções básicas de anatomia, como por exemplo quais órgãos ocupavam a cavidade abdominal. Além disso, eles atuavam como nômades percorrendo várias cidades. Durante o filme ele decide ir a uma escola de medicina localizada no mundo árabe para obter o conhecimento médico de forma mais científica, no seu trajeto ele tem que se disfarçar por judeu pois o simples fato de ele ser cristão fazia com que os árabes o impedissem de ir ao seu território, mostrando também como as barreiras religiosas impediam a troca do conhecimento entre as culturas.

GABRIEL ANGELO

 

Entre as diversas contribuições fundamentais dos meus colegas à discussão, decidi falar um pouco sobre um dos pontos que me chamou a atenção. Ele diz respeito ao costume de se isolar da sociedade os indivíduos que apresentavam lepra na Idade Média, os quais ficavam em leprosários. Eles chegavam a ter que usar apetrechos que anunciassem a sua chegada aos lugares. Reproduzo o seguinte trecho: “Considerava-se, particularmente em relação aos leprosos, que a mera proximidade destes doentes podia despertar a fúria divina, trazendo este castigo também para o incauto? Na contemporaneidade, essas crenças podem ser usadas para estigmatizar as pessoas que apresentam algumas doenças específicas. Por exemplo, na disciplina de Epidemiologia, assistimos a um filme chamado “E a vida continua...”, em que uma das cenas corresponde a um indivíduo dizendo que o HIV seria como uma punição de Deus aos indivíduos que o contraíam, pelo seu comportamento profano. Esse tipo de atitude tem, portanto, raízes históricas.

MARIA EDUARDA G.

 

Representações da Idade Média na Arte - O Nome da Rosa (Umberto Eco, 1980): As contribuições da aula criaram um cenário amplo, contemplando diversos aspectos positivos e negativos quanto à prática da medicina na Idade Média, bem como quanto a outras áreas do conhecimento, como a filosofia. Venho aqui, portanto, em uma tentativa de conciliar grande parte do que foi dito por meio de uma contextualização com o livro de Umberto Eco, O Nome da Rosa (1980), e com o filme de mesmo nome. De antemão, alerto para o fato de o livro surgir como uma interpretação por parte do autor do que teria sido um contexto da Idade Média. Logo, não é um relato factual, e sim uma ficção com vieses históricos. A narrativa se passa em um mosteiro franciscano, no ano de 1327, que já corresponde à Baixa Idade Média. O mistério que a move - contado na perspectiva do noviço Adso - está nas inexplicáveis mortes dos monges que, apesar de não obviamente, estão relacionadas por um motivo único (spoilers): o desejo de um monge ancião de manter uma concepção que aceita o riso e a comédia como bons em segredo completo, guardando para si milhares de textos de grandes autores da antiguidade que contradizem sua visão de mundo em que o sofrimento leva à pureza de espírito e Deus, mas em especial um livro cujas páginas foram envenenadas de forma que todos que ousassem-no ler encontrariam um breve e trágico fim.  Apenas esse contexto já é gerador de uma discussão sobre um dos principais motivos pelos quais a Idade Média foi posteriormente interpretada como a Idade das Trevas: a detenção dos conhecimentos pelos letrados e pertencentes às ordens religiosas. Não mais eram discutidos tópicos como ética e política em praça pública (ágoras) como na antiguidade grega (que já era limitadora por permitir apenas a participação de cidadãos gregos), nem mesmo as missas eram rezadas em linguagem popular. A população servil e comum sobrevivia através da passagem geracional de conhecimentos e eventuais caridades, quando se trata da medicina. No entanto, vale mencionar que o trabalho de tradução de textos clássicos realizado pelos monges também foi ilustrado na trama, que foi um aspecto positivo na manutenção do conhecimento, apesar do grande problema de retenção, má-interpretação e perda de informações. Um outro momento que reflete o discutido pelos colegas, quanto à profunda associação entre o pecado e a doença, é observado quando um dos monges, ao interpretar seus pensamentos como pecaminosos, isola-se para se punir (automutilação) e em seguida se banha em ervas, de forma a limpar-se da influência de maus espíritos e evitar (e talvez antecipar de forma menos letal) o castigo divino. Esse tipo de atitude, em que feridas foram abertas em nome da purgação do pecado ou da loucura, abria mais uma rota para a disseminação de doenças. Mas não apenas nos atos vemos reflexos de um pensamento que tinha o doente como algo a ser evitado, pecaminoso, como também na arquitetura e organização do próprio mosteiro, uma vez que no mapa que é ilustrado no livro o hospital é colocado nas margens, isolado das áreas comuns de convivência.  Um outro aspecto comentado em aula está na condenação da personagem feminina que vivia próximo ao mosteiro, em condições de pobreza, como bruxa. Inclusive, o papel da mulher em sociedade é alvo de uma discussão no livro, que revela uma visão da mulher como recipiente de demônios, fruto de tentação, que se perpetua desde a história da expulsão de Adão e Eva do paraíso, ou mesmo de forma anterior a isso. Há uma grande contradição no período, uma vez que o uso de ervas por homens, sejam eles boticários, médicos, frades ou monges, era socialmente aceito, como visto em histórias como Romeu e Julieta ou mesmo quando na pandemia da peste bubônica médicos usavam ervas aromáticas em suas máscaras com formato de bico de corvo para prevenir o contato com os ares contaminados dos doentes, enquanto a mulher que fizesse uso de tais conhecimentos era rapidamente apontada, mesmo pelos membros da comunidade, como bruxa e condenada à fogueira. Por fim, cabe colocar um dos passos que contribuíram para a resolução do mistério na trama, que foi a inspeção dos cadáveres dos monges, que mesmo realizada de forma exterior - uma vez que a necropsia não era uma prática aceita no período, o que atrasou o desenvolvimento dos conhecimentos anatômicos - revelou a presença de marcas nos dedos e de língua negra pilosa, detalhes que apontaram para um envenenamento, em que a interação da substância com os tecidos deixou marcas, uma vez que os monges levavam os dedos à boca, molhando-os para passar as páginas dos livros. E com isso passeamos por diversos dos temas abordados, ficando registrada a indicação literária e cinematográfica. Deixo-os com o link do filme (disponível na mídia social YouTube por meio do link a seguir):

https://www.youtube.com/watch?v=s0cdAv4ZODE

NADIAJDA

 

Após a rica discussão iniciada na aula e estendida ao fórum, tentarei também trazer minha contribuição. Primeiramente, gostaria de retornar ao tópico da possibilidade do termo ''idade das trevas'' transmitir uma visão reducionista desse período da história, pois tal perspectiva renascentista, que também tem seu mérito, acaba encobrindo alguns avanços no medievo. Nesse contexto, é válido ressaltar a coexistência da medicina bizantina, árabe, além de outras sociedades espalhadas pelo mundo que não temos registros suficientes, com a  europeia ocidental. Nisso, podemos relatar avanços no mundo mulçumano, onde, segundo o material indicado para a leitura, possuía uma farmácia com medicamentos de todo os locais conhecidos, ambulatórios, enfermarias de internação e um sistema primitivo de berçários. Além disso, na própria Europa ocidental, é possível identificar alguns aspectos que contradizem a ideia de total retrocesso, como o desenvolvimento de universidades e a institucionalização da medicina. Ademais, é observável a influência do mundo antigo, a qual vai desde a crença em teorias hipocráticas, como a dos quatro humores, até ao pensamento de filósofos e teólogos importantes da época, como os patrísticos, escolásticos e a sua relação, respectivamente, com Platão e Aristóteles.  O segundo e último tópico de abordagem válida é que não só de avanços foi marcada a medicina medieval. Essa realidade pode ser ilustrada pela associação de doenças a castigos divinos presente na cultura cristã e muçulmana. Tal cenário também é exemplificado na Europa ocidental, onde existiam problemas sanitários contribuintes para a disseminação de doenças. Além dos problemas anteriormente explanados, é possível observar a limitação da disseminação do conhecimento médico, acessível basicamente aos mosteiros e comunidades da Igreja, que pode ser associada a diversos motivos, como a restrição determinada pela instituição católica ao contato com os escritos, o analfabetismo da população e a estruturação da sociedade em formato de feudos, a qual dificultava as trocas de saberes entre diferentes localidades.

MILENA