3 de junho de 2010

Relatório do I Seminário de MCO2 em 2010.1

"É do buscar e não do achar que nasce o que eu não sabia"
(Clarice Lispector)
Voltando à fase de seminários de MCO2, com a turma do período 2010.1, lembramos mais uma vez que a importância da leitura crítica de artigos científicos para o estudante de Medicina decorre de aguçar seu senso crítico colocando-o de forma ativa no processo de ensino-aprendizagem em Metodologia Científica.

Trata-se de um exercício que estimula o desenvolvimento da curiosidade científica, capacidade de síntese, análise de detalhes e da própria escrita. Isso agrega características que contribuem para a formação médica, que necessita de conhecimento adquirido com a pesquisa e que vai requerer, como profissional, de constante atualização.

Dentro do panorama acima exposto, a experiência realizada nos seminários com o artigo científico tem como objetivos propiciar aos alunos do primeiro ano um contato com a linguagem e termos científicos, leitura e interpretação desses termos, abordar assuntos dentro do tema de pesquisa aplicada à Medicina, discussão da aplicação do método científico, importância do conhecimento teórico e prático adquiridos no módulo MCO2 para desenvolver a pesquisa e realizar a motivação dos alunos. Analisando esses objetivos, só é possível atingi-los na plenitude somente com a leitura e posterior discussão do artigo em seminário.

Os alunos participaram ativamente na discussão em sala de aula e, posteriormente, com contribuições feitas por e-mail nos dois dias seguintes.

O artigo que foi objeto deste primeiro seminário de 2010.1 foi referente a um estudo transversal de base populacional sobre o tema obesidade infantil. O conhecimento sobre o estado nutricional das crianças brasileiras é ainda insuficiente, não obstante os diversos e importantes estudos realizados, principalmente na última década.

Há 20 anos não havia muitos trabalhos abordando obesidade infantil. Praticamente só se falava em desnutrição de crianças, e os trabalhos versavam sobre este aspecto da carência nutricional. Agora, a obesidade passou a ser um problema também nos países em desenvolvimento, como o Brasil, e trabalhos sobre o assunto estão sendo publicados cada vez com maior frequência. A necessidade de novos estudos se impõe uma vez que, em muitas regiões do Brasil, faltam informações confiáveis acerca da real situação nutricional da população infantil, limitando e dificultando o planejamento de ações e serviços de saúde voltados para atender, efetivamente, as necessidades locais de saúde.
Este relatório do seminário I, ocorrido em 30/05/10, foi organizado com a colaboração da monitora de MCO2, Lorena Luryann Cartaxo da Silva, a partir da discussão com os alunos em sala.
A seguir, são apresentados os aspectos discutidos no seminário.
(1) Sobre a Introdução
- Na introdução não foram mencionados outros trabalhos que têm abordado o mesmo problema de pesquisa e quais seriam as lacunas e controvérsias presentes em outros estudos.

- O segundo parágrafo é extremamente longo:
Apresentam caráter epidêmico e prevalência crescente, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, que tenta ser explicada, pelos sociólogos e nutrólogos, por fatores nutricionais inadequados consequentes da chamada transição nutricional caracterizada por um aumento exagerado do consumo de alimentos ricos em gordura e com alto valor calórico, associados a excessivo sedentarismo condicionado por redução na prática de atividade física e incremento de hábitos que não geram gasto calórico com assistir TV, uso de vídeo games e computadores entre outros, enfim por importante mudança no estilo de vida, determinada por fatores culturais, sociais e econômicos.”
- É preciso desenvolver a idéia central em cada parágrafo, mas caso o parágrafo fique muito extenso, é necessário desdobrá-lo em outros parágrafos de forma a tornar a leitura menos cansativa e mais agradável. Neste caso, a frase é que ficou muito extensa, perdendo-se o rumo, o ritmo, a idéia. Esta frase deveria ser rescrita em duas ou mais frases, eliminando conjunções pronomes relativos, gerúndios etc. com os quais se busca fazer ligações entre idéias que possam ser expressas em frases seguidas.

- Na sentença que apresenta os objetivosO presente estudo foi delineado para determinar a influência de fatores biológicos, psicológicos, sócio-econômicos e sócio-comportamentais...”, os autores exageraram na magnitude dos fatores colocados. Por outro lado, o título, que geralmente reflete os objetivos, apresenta apenas dois dos conjunto de fatores listados nos objetivos. Portanto, nem o título está coerente com os objetivos, e estes, por sua vez, estão apresentados com excessiva amplitude, o que não comporta o trabalho que lemos. Consideramos que um título adequado para este artigo seria: "Prevalência e fatores associados a obesidade em escolares de Feira de Santana, BA".

(2) Sobre os Métodos
- Um dos alunos questionou quando deve ser aplicado o teste qui-quadrado. Este é um tipo de teste não-paramétrico, ou seja, seu uso não depende de parâmetros populacionais como média e variância. A partir do teste qui-quadrado podem ser feitas associações entre as variáveis qualitativas (nominal ou ordinais), uma variável nominal com outra nominal, por exemplo, ou uma nominal com uma ordinal. Com este teste, comparam-se as possíveis divergências entre as frequências observadas e as esperadas para um determinado evento.

- Como esse estudo é do tipo transversal, só possível inferir associações entre as variáveis sem cunho preditivo, ou seja, sem se determinar se um fato influencia na ocorrência de outro. Para saber se uma determinada variável tem uma associação com determinado desfecho, deveria ser escolhido outro desenho de estudo como, por exemplo, um estudo de coorte. Fator preditivo é uma variável de previsão, também conhecido como variável independente, ou seja, trata-se de uma condição que pode ser usada para ajudar a prever se um determinado desfecho ocorrerá. Um fator preditivo também pode descrever algo que aumenta o risco de uma pessoa desenvolver uma condição ou doença. Portanto, fator preditivo implica na existência de uma sequência longitudinal de observação.
- Questionou-se se para esse tipo de pesquisa, um estudo de coorte não seria mais apropriado do que um estudo transversal. No entanto, essa pergunta de pesquisa pode ser realizada através de um estudo transversal já que este tipo de estudo é adequado para se descrever melhor uma freqüência de fatos e também pode ser usado para avaliar hipóteses de associação entre exposição ou características entre as variáveis independentes e o desfecho, no entanto, existem limitações neste modelo. Não se pode concluir a natureza da relação entre exposição e evento, não existindo, portanto, possibilidade de predição, no sentido enfocado acima. O foi discutido é que não existiu parcimônia entre os termos utilizados pelos pesquisadores nos objetivos considerando o tipo de estudo.

- Um dos alunos mencionou que seis meses depois da publicação desse artigo, os autores publicaram um segundo estudo com o mesmo problema de pesquisa e os mesmos dados. Isto constitui o que se chama de publicação em duplicata, que as comissões editoriais dos periódicos científicos tentam evitar.
- Discutiu-se também porque o estudo transversal utilizou a medida de associação odds ratio ou razão dos produtos cruzados, que é utilizado geralmente para estudos de caso-controle.
- O artigo em questão é fruto de um estudo transversal, ou seja, um estudo de prevalência, situação em que as estimativas de associação são calculadas preferencialmente por medidas de razão de prevalência (RP) ou, menos apropriadamente, por medidas do odds ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%). Observando os resultados, podemos ver que foi empregado como estimador de associação o OR, inadequado, pois é conhecido que o OR superestima a força de associação. Ressalta-se a importância do artigo e salienta-se que as inadequações relatadas não tiram o mérito e nem invalidam os resultados, apenas precisariam ser corrigidas as formas de apresentação.

- É importante salientar que o OR é uma medida da associação. O problema é que quando esta é interpretada erroneamente como uma estimativa da RP em situações nas quais ele não é. Desta forma, a questão não é o uso do OR em estudos de prevalência, mas sim a interpretação equivocada do seu significado.

- A crítica está baseada no fato de o OR superestimar ou subestimar a força da associação quando a doença é comum. Nesta situação, a razão de prevalência (RP) deveria ser usada em lugar daquele. Entretanto, existe muito debate sobre esse assunto.

- Não foi mencionado no artigo se foi realizado pré-teste. O ideal seria a realização de um pré-teste, cujo propósito é guiar o desenvolvimento do estudo, prover melhores repostas às perguntas de pesquisa; todo questionário ou formulário deve passar por uma etapa de pré-teste, num universo reduzido, para que se possam corrigir eventuais erros de formulação. Os procedimentos também são aferidos.

- No final do primeiro parágrafo: “Não sendo preenchidos os critérios de elegibilidade (...), selecionava-se o aluno seguinte, o que garantia a aleatoriedade da amostra.” Esta afirmação não faz sentido, pois "a garantia da aleatoriedade" representa uma falácia, ou erro lógico de argumentação.
- O modo como foram coletados os dados através de entrevistas também foi questionado, na medida em que os auto-relatos podem estar sujeito a várias possibilidades de viés de informação por parte dos entrevistados, seja através da omissão ou da distorção das informações, feitos consciente ou inconscientemente; esse tipo de coleta de dados, baseado na auto-observação, está sempre sujeito vieses de informação. No entanto, como a amostra desse estudo foi muito grande (699 crianças foram entrevistadas), os possíveis vieses de informação foram provavelmente compensados pela quantidade de entrevistas e consequentemente, foram bastante diminuídos.

- Faltou ser mencionado no artigo o número de pessoas que foram excluídas do estudo. Este fato pode ser considerado uma falha importante de se analisar, porque quando o número de pessoas eliminadas na pesquisa é muito grande, o estudo pode perder sua validade.

- Outras variáveis poderiam ter sido exploradas dentro das categorias "fatores psicológicos", "fatores sócio-econômicos" e "fatores sócio-comportamentais".Dentro dos econômicos e sociais, claro que a renda é o fator isoladamente mais importante na determinação do estado nutricional, e uma vez fixada esta variável, e estas variáveis foram avaliadas (embora não tenham dito claramente como o fizeram).
- Mas outros fatores também desempenham um papel importante e não foram avaliados. Quanto aos fatores sociais, por exemplo, não foram avaliadas as seguintes variáveis importantes: estado civil da mãe e pai morando em casa (o reconhecimento e apoio do companheiro são fatores que exercem forte infuência na qualidade da relação mãe/filho e portanto, no estado nutricional da criança); número de pessoas na casa; mãe trabalhando fora também. Condições de saúde da criança (com problema de saúde diagnosticado ou não), mesmo que o indivíduo tenha ingerido a quantidade suficiente de alimentos, o impacto destes sobre o estado nutricional pode ser reduzido por problemas de saúde. Assim, é sabido que a criança com asma pode ter seu estado nutricional prejudicado pelas consequências de uma doença crônica.

- Ainda dentro destes fatores, também é importante saber sobre existência de assistência médica, uso de medicamentos, com quem reside. O tipo de habitação também é importante, número de cômodos, onde reside, etc; condições relativas às condições de moradia da família, verificar o suprimento de serviços básicos de saneamento, como água e esgoto. Número de irmãos, e tipo de ocupação materna também deveriam ter sido incluídos. Encontram-se na literatura estudos que associam dificuldades na relação entre mãe e criança com excesso de peso ou que salientam, neste distúrbio, dinâmica familiar conturbada. Essa dinâmica familiar poderia ter sido avaliada através da escala chamada "Apgar de Família", que avalia o grau de funcionalidade do sistema familiar.

- Teria sido importante obter a classe socioeconômica de cada criança (alta, média superior, média, média inferior, baixa e baixa inferior) através de instrumentos padronizados para isso, como a Classificação Econômica Brasil, que avalia a situação econômica da família.

- Entre os fatores comportamentais: teria sido importante avaliar horário das refeições, formas de preparo e marcas comerciais (alimentos industrializados), considerar também os alimentos consumidos nas diversas refeições diárias (desjejum, lanches, almoço, jantar e ceia), e as quantidades referidas em medidas caseiras, que depois seriam convertidas em peso líquido, permitindo, assim, uma análise qualitativa e quantitativa da dieta.

- Os "fatores psicológicos" não foram avaliados, em nossa opinião. Teriam que avaliar também o vínculo mãe-filho, a estabilidade marital, a existência de depressão materna e da criança, e outros fatores relacionados à dimensão psicológica da mãe. Só para citar alguns fatores importantes, já que os autores quiseram avaliar tantos fatores e de dimensões tão amplas.

- Uma observação foi feita em relação à técnica de amostragem. A amostragem adotada foi do tipo aleatório e estratificada por conglomerados (escolas), sendo que a seleção dos participantes aconteceu a partir das suas séries escolares e, posteriormente, por ordem alfabética. A ordem alfabética como critério de seleção não constitui procedimento aleatório.

- Dada uma população, uma amostra aleatória é uma amostra tal que qualquer elemento da população tem alguma probabilidade de ser selecionado para a amostra. Numa amostra não aleatória, alguns elementos da população podem não ter tido a mesma chance de serem selecionados para a amostra. Apesar de esta técnica ser de fácil execução, há a possibilidade de haver ciclos de variação, que tornariam a amostra não-representativa da população.

- A amostra foi calculada de forma adequada, inclusive com correção para amostragem por conglomerado. Os locais de seleção foram os mais indicados para recrutar crianças em idade escolar, ou seja, escolas. Só consideramos que, ao invés de selecionar os alunos por ordem alfabética, tivessem feito sorteio em cada classe.

- Não foi discutido o chamado "efeito do desenho" mencionado no trabalho. Parece não ter havido curiosidade em relação a esta expressão. A razão entre a variância do estimador de proporção em uma amostra de conglomerados contendo n indivíduos e a variância do estimador de proporção em uma amostra aleatória simples de n indivíduos é definida como o "efeito do desenho" da amostragem de conglomerado. Uma vez especificados um intervalo de confiança (1-α) 100%, um erro amostral de uma expectativa de prevalência da classe amostrada p, o tamanho amostral pode ser calculado como o que seria necessário caso a amostra fosse aleatória simples, multiplicado pelo efeito do desenho de conglomerado. Desse modo, despreza-se o ajuste relativo à fração populacional.
- Dado um determinado desenho amostral e para um determinado tamanho de conglomerados, o efeito do desenho é função do grau de homogeneidade intraconglomerado para as classes amostradas. Efeitos de desenho iguais ou muito próximos de 1 significam que, para fins práticos, o grau de homogeneidade das categorias ocupacionais dentro dos conglomerados pode ser desprezado no planejamento amostral, podendo-se estimar a variância do estimador de proporção como se o procedimento fosse o de uma amostra aleatória simples. Se o efeito do desenho for estimado em e=1,50. Tal estimativa, que implica aumentar em 50% o tamanho amostral necessário caso a amostra realizada fosse aleatória simples (CORDEIRO, 2001).

- Para os métodos complexos de amostragem probabilística (sistemática, por conglomerados), é útil calcular o efeito do desenho (ou Deff), que é a razão da variância estimada considerando as características reais do delineamento, sobre a variância estimada supondo os dados provenientes de uma amostragém aleatória simples mesmo tamanho.

- Para avaliação do erro de amostragem, o efeito do desenho é considerado um importante indicador, que permite avaliar subestimativas ou mesmo superestimativas dos erros padrão, utilizando-se as diferentes características do plano de amostragem e diferentes métodos de estimação. o uso de conglomerados com alguma homogeneidade intraclasse aumentaria o erro padrão das estimativas (SOUSA; SILVA, 2003).

- Foi possível a detecção de algumas incorreções com relação à aplicação de métodos estatísticos e epidemiológicos, bem como suas respectivas interpretações; no entanto, a nosso ver, isso não invalida os achados, mas pode prejudicar o mérito científico do trabalho.

(3) Sobre os Resultados
- Observaram-se vários erros gramaticais, como “Analisou-se 699 crianças...”; “pontos de cortes”; “Enquanto alguns dados os apontam...” entre outros. Talvez tenha faltado uma revisão mais detida do texto.
- Uma aluna questionou se a utilização apenas de tabelas foi bem empregada nesse artigo, e se não deveria ter sido apresentado algum gráfico, já que estes são representações que mostram informações sob uma forma de mais fácil assimilação dos resultados. Porém, como os pesquisadores quiseram explicitar precisamente os dados encontrados nos resultados, como a OR, o IC, os níveis de p, as tabelas foram melhor utilizadas do que seria se os dados fossem representados por gráficos. No entanto, gráficos de associação, como um diagrama de dispersão poderiam também ter sido utilizados, caso tivessem sido indicados coeficientes de correlação.

(4) Sobre a Discussão
- Na discussão, repetiu-se praticamente o primeiro parágrafo da Introdução, fazendo mais uma vez uma revisão da literatura, sem correlacionar com os achados do próprio estudo.
- Foi questionada a possibilidade de essa pesquisa ser reproduzida por outros pesquisadores em outros locais. Então se discutiu a questão da validade externa desse estudo, a qual se apresenta limitada, porque embora seja um estudo de base populacional ele não pode ser aplicado para qualquer tipo de população. Como os fatores culturais também estão presentes, ele poderia ser aplicado apenas para populações semelhantes em uma mesma região.

- Houve comentários na seção de Discussão do artigo que não foram avaliados pelos autores no seu próprio estudo, como, por exemplo: “O desenvolvimento econômico nos países favoreceu a urbanização das cidades e o êxodo rural, determinando modificações no estilo de vida da população (...)”, mas não foram analisados se os entrevistados vieram da zona urbana ou rural.

- Um ponto interessante, é que não foi estatisticamente significante a distribuição de obesidade entre os meninos e as meninas, o que foi os autores explicaram pelo fato de terem sido selecionadas crianças pré-púberes, e, portanto, sem a influência dos fatores hormonais. No entanto, um fato que poderia ter sido acrescentado na discussão é a questão da diferença no tipo de atividade física, já que comumente os meninos praticam mais atividades físicas e mais intensas que as meninas.

- No artigo faltou mencionar quais foram as limitações metodológicas do estudo, assim como sugestões para outros trabalhos posteriores.

- Considerando a associação existente entre o excesso de gordura corporal e efeitos danosos à saúde, assim como com o aumento das causas de morbimortalidade, além do fato de a obesidade surgida na infância normalmente acompanhar os indivíduos até a vida adulta, os autores poderiam salientar, ao final da discussão, a necessidade de ações preventivas desde as idades mais precoces. Nesse sentido, a escola poderia ocupar papel de destaque tanto em relação à orientação de hábitos alimentares quanto à prática de exercícios físicos.

- Por outro lado, os resultados do estudo, identificando a prevalência de obesidade em escolares, poderia servir de incentivo à implementação de políticas públicas e ações da iniciativa privada com o intuito de modificar o quadro verificado, pois reduzir a prevalência de obesidade significa reduzir todos os riscos à saúde a ela associados.

- Ficou bem entendido que a maior prevalência de obesidade encontrada nas escolas particulares pode ser explicada pela associação entre excesso de gordura corporal e níveis sócio-econômicos mais elevados, o que ainda é esperado em países em desenvolvimento. Entretanto, poderia ter sido ressaltado que a transição epidemiológica que vem ocorrendo nestes países demonstra que a prevalência de obesidade está crescendo em todos os extratos sócio-econômicos. No Brasil, é observado um aumento proporcionalmente mais elevado da prevalência de obesidade nos indivíduos adultos das famílias de menor poder aquisitivo, o que revela uma proporção mais alta de obesos na classe média do que nas classes de maior poder aquisitivo, na atualidade (COSTA et al. 2006).

- A esse respeito, existe uma teoria chamada "Lei de Engel", que supõe o seguinte: à medida que a renda aumenta, a percentagem de renda alocada à alimentação diminui, embora o dispêndio total com alimentos aumente. Ocorre exceção nos grupos de renda muito baixa que, ao receberem incremento de renda, aumentam as proporções relativas à alimentação. Isso se verifica devido ao fato de que esses grupos se encontram numa situação nutricional bastante precária, destinando qualquer aumento de renda para melhor alimentação. Resta saber se também ficarão com sobrepeso, por se alimentarem de “fast food”, influenciados pela mídia televisiva e outros meios de comunicação.

- À menção da Lei de Engel, deve ser adicionada a observação de que mudanças na estrutura da dieta também. O rendimento e a composição de macronutrientes da dieta estão relacionadas a nível global e, provavelmente, a nível individual. As pessoas em nações de maior renda consomem mais açúcares adicionados e gorduras do que as pessoas em nações de baixa renda. Por outro lado, consumidores de baixa renda no interior das nações ricas consomem dietas de baixa qualidade que os consumidores de maior renda. A redução dos custos de energia através da inovação tecnológica tem sido mais acentuada para os alimentos que contêm açúcares adicionados e gorduras. Embora as pessoas mais ricas nos países pobres sejam mais propensas a ter excesso de peso, a obesidade nos Estados Unidos está associado com baixo poder econômico (DREWNOWSKI, 2003).

- A comparação com outros estudos nacionais foi limitada. Houve discussão apenas em relação a dois trabalhos, os de referência 18 e 23 (18- Fisberg M. Perfil das crianças obesas – Enfoque multidisciplinar. Rev Paul Pediatr 1992;10(2):40. 23- 23. Vilela JEM. Transtornos da alimentação: II Estudo Epidemiológico em Saúde Escolar de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-graduação em Pediatria, UFMG. Belo Horizonte, MG, Nov 2000;126).
- Os autores mencionam no parágrafo 7 da discussão, a título de justificação, que "A escassez de estudos nacionais de caráter epidemiológico que analisem prevalência de sobrepeso e obesidade infantil nas diferentes situações de ordem psicológica, dificulta a discussão dos resultados aqui obtidos", porém, por outro lado, eles não avaliaram devidamente esta variáveis de dimensão psicológica.

- Comentou-se que a validade externa da pesquisa é limitada quando se consideram populações de centros urbanos grandes, como de São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, por exemplo, porque são cidades da região Sudeste e Sul, mais desenvolvidas, e com tudo o que isso implica em termos de repercussão sobre a variável avaliada. Mas os resultados poderiam ser inferidos para populações como a de Campina Grande, por exemplo, uma cidade também nordestina e de porte semelhante à de Feira de Santana. Ou seja, provavelmente a amostra estudada não é representativa de populações de cidades grandes e de outras regiões mais desenvolvidas, menos pobres. Porém, o fato de a amostragem ter sido aleatória e o número de sujeitos de quase 700, com inclusão de crianças de escolas públicas e privadas atenua um pouco este problema de validade externa.

- Foi questionado por que se afirmou no artigo que a incidência da obesidade era maior nas crianças brancas do que nas negras. Segundo os autores, o padrão econômico é mais elevado nas crianças brancas e consequentemente elas consomem uma maior quantidade de alimento do que as negras. No entanto, esse resultado não pode ser generalizado para todas as populações. Foi citado por um dos alunos, que em outros países como os Estados Unidos, a obesidade é maior entre os negros do que entre os brancos.

- A prevalência da obesidade é mais ou menos a mesma entre homens da raça negra e da raça branca, sendo discretamente maior entre os homens de origem hispânica que entre os homens negros e brancos e muito maior entre as mulheres da raça negra e de origem hispânica que entre as mulheres brancas. Por exemplo, cerca de 60% das mulheres negras de meia-idade são obesas, em comparação com 33% das mulheres brancas.

- Mas será quee stá envolvida apenas a questão dos fatores socioeconômicos? Considera-se que esses fatores têm uma forte influência sobre a obesidade, sobretudo entre as mulheres. Nos Estados Unidos, a obesidade é mais do que 2 vezes mais comum entre as mulheres de nível socioeconômico mais baixo que entre as mulheres de um nível socioeconômico mais elevado. Ainda não está totalmente clara a razão pela qual os fatores socioeconômicos têm uma influência tão forte sobre o peso das mulheres, mas as sanções contra a obesidade aumentam à medida que o nível socioeconômico aumenta. Já que a discussão enveredou para o problema da obesidade no adulto, discutiu-se também que fatores biológicos também são implicados por alguns autores na distinção de sexo na prevalência de obesidade.
- Brooks e Maklakov (2010) mostraram que o forte viés feminino na obesidade em muitos países está associado a elevada taxa de fertilidade total, que é bem conhecido por ser correlacionada com fatores como renda média baixa, a mortalidade infantil e da educação feminina diferenciada. Também efeitos do reduzido acesso à contracepção e ao aumento da desigualdade de renda entre as famílias influenciam as taxas de obesidade. Estes resultados são consistentes com os estudos que implicam a reprodução como fator de risco para a obesidade em mulheres e que sugerem que os efeitos de reprodução interagem com fatores socioeconômicos e educacionais. Esses autores sugerem ainda que a resistência à insulina durante a gravidez é devida à adaptação histórica para proteger o feto em desenvolvimento durante a fome. Por fim, o aumento do acesso à contracepção e à educação em países com elevada taxa de fertilidade total pode ter o benefício adicional de redução das taxas de obesidade em mulheres.

(5) Sobre as Referências

- Verificou-se adequação em termos de atualidade, sim, pois 78% das referências são dos últimos cinco anos antes da publicação do artigo em questão. Porém, em termos de referências importantes que considero que faltaram, só para citar poucas, brasileiras, encontradas em uma rápida busca na Scielo, estão as três abaixo.
SILVA, G. et al. Prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes de uma escola da rede pública do Recife. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., 2 (1): 37-42, 2001; BALABAN, G.; SILVA G. A.P. da Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes de uma escola da rede privada de Recife. J. Pediatr. (Rio J.), 77 (2): 96-100, 2002; ABRANTES, M. M. et al. Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes das regiões Sudeste e Nordeste. J. Pediatr. (Rio J.)78 (4): 335-340, 2002.
Por outro lado, realizando-se uma busca na MEDLINE com as palavras-shave obese AND school AND children, encontram-se trabalhos importantes que deveriam ter sido incluídos na revisão bibliográfica e/ou discussão do estudo, como os seguintes:
CRESPO C. J et al. Television watching, energy intake, and obesity in US children: results from the third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Pediatr Adolesc Med. 155 (3):360-5, 2001; RUDOLF, M. C. et al. Increasing prevalence of obesity in primary school children: cohort study. BMJ. 322(7294):1094-5, 2001; STRAUSS, R. S.; POLACK, H. A. Epidemic increase in childhood overweight, 1986-1998. JAMA. 12;286 (22):2845-8, 2001; STRAUSS, R S. Childhood obesity. Pediatr Clin North Am. 49(1):175-201, 2002; COLE, T. J. et al. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 320:1240–1243, 2000; WAKE, M; SALMON, L.; WATERS, E. Health status of overweight/obese and underweight children: a population based survey. Supplement to Pediatric Research 2000;47 (part 2): A943.
- Questionou-se a existência de várias referências de livros (quatro referências), como a 9 (Daniel WW. Biostatistics: a foundation for analysis in the health sciences. 5a ed., New York: John Wiley & Sons, 1987), 11 (Halpern A. Obesidade. São Paulo: Lemos, 1998), 19 (Heyward VH, Stolarczyk LM. Avaliação da composição corporal aplicada. 1ª ed. São Paulo: Manole, 2000) e 22 (Fonseca J. G. M. Obesidade e outros distúrbios alimentares. Clin Med 2001;1(6):279-89). As referências bibliográficas utilizadas devem, o mais possível, variadas (livros, artigos, etc.), mas é preciso identificar a estrutura hierárquica do assunto de pesquisa. A estrutura hierárquica vai do assunto mais geral ao mais específico. Podem-se incluir livros acadêmicos sobre o assunto de pesquisa, mas é preciso evitar livros-texto (apesar de muitos serem úteis na consolidação de aspectos básicos de seu trabalho) e livros de circulação restrita, tais como apostilas ou cadernos informativos.

Referências usadas para o Relatório do Seminário
BROOKS, R.; MAKLAKOV, A. Sex differences in obesity associated with total fertility rate. PLoS One, 5 (5): e10587, 2010.
CORDEIRO, R. Efeito do desenho em amostragem de conglomerado para estimar a distribuição de ocupações entre trabalhadores. Rev Saúde Pública, 35 (1):10-15, 2001
COSTA, R. F.; CINTRA, I.; FISBERG, M. Prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares da cidade de Santos, SP. Arq Bras Endocrinol Metab, 50 (1): 60-67, 2006.
DREWNOWSKI, A. Fat and sugar: an economic analysis. J Nutr., 133 (3): 838S-840S, 2003
SOUSA, M. H.; SILVA, N. N. Estimativas obtidas de um levantamento complexo. Rev. Saúde Pública 37 (5): 662-670, 2003.