29 de outubro de 2011

A Propósito do Dia Mundial de Combate ao AVC

Por Artur Bastos Rocha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Hoje, 29 de outubro, é o Dia Mundial de Combate ao Acidente Vascular Cerebral (AVC). Decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Federação Mundial de Neurologia em 2006, esta data foi proclamada como forma de alertar para a necessidade de uma mudança de hábitos que permita a prevenção desta doença. 

O AVC provoca uma morte a cada seis segundos de acordo com a OMS.  É a 2ª causa de morte no mundo e a principal causa de incapacidade neurológica dependente de cuidados de reabilitação, com incidência relacionada com a idade. Portanto, as doenças cerebrovasculares, apesar de não serem as mais frequentes, são as que mais incapacitam e matam na atualidade.

A fisiopatologia dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) é multifatorial, dependendo da etiologia e principalmente do território de irrigação acometido, visto que este último é fundamental para compreensão do quadro clínico a se apresentar. Para isso, é fundamental ter conhecimento da disposição anatômica dos sistemas arteriais e venosos do cérebro alterados e especialmente diferenciar quanto à etiologia, visto que este fator é determinante para a terapêutica a ser adotada.

Os AVC podem ser divididos basicamente em dois grandes grupos: isquêmicos (AVCI) e hemorrágicos (AVCH), sendo os isquêmicos mais frequentes do que os hemorrágicos, na proporção de 80% e 20%, respectivamente de prevalência. A diferença básica entre esses dois tipos é que no evento isquêmico o insulto cerebral ocorre pelo déficit na perfusão sanguínea ao território cerebral, advindo, então, as alterações clínica decorrentes da disfunção daquela área. A etiologia do AVC em geral é á doença arterial obstrutiva, decorrente de aterosclerose.

Contudo, pela topografia da lesão e a evolução temporal dos ictus, pode decorrer de eventos cardioembólicos, arterioembólicos, ou tromboembólicos, sendo os dois últimos mais comuns em lesões distintas que se repetem do mesmo lado, enquanto eventos cardioembólicos são mais comuns por acometimento dos dois hemisférios em intervalos de tempos distintos.

A estenose por placa em bifurcação carotídea é bastante comum em idosos, onde a obstrução identificada por doppler se superior a 70% já demonstra indicação cirúrgica se sintomático, e acima de 80% indicação cirúrgica, independente se o paciente tem sintomatologia ou não.

Os AVC hemorrágicos são menos frequentes, porém possuem pior prognóstico. Ocorre pelo extravasamento de sangue do vaso sanguíneo, e ao entrar em contato com o tecido cerebral promove várias alterações focais, além de aumentar o volume intracraniano podendo cursar com elevações da pressão intracraniana e herniações. Existe também o fator irritativo que o sangue exerce sobre o tecido cerebral, levando a dor pela ruptura da parede do vaso sanguíneo, rico em terminações sensitivas dolorosas, além de crises epilépticas e agitação psicomotora, dentre outras.

O tipo de AVCH varia dependendo da localização, podendo ser extradural, subdural, intraparenquimatoso e subaracnóideo. O extradural caracteriza-se por formação de um hematoma no espaço epidural craniano, que é um espaço virtual, e está associado a etiologia traumática. Um dado curioso do hematoma extradural é que este só ocorre associado a uma fratura do osso, e tem como alteração a ruptura da artéria meníngea média, principal responsável pela irrigação da dura-máter encefálica.

O aspecto na tomografia computadorizada (TC) de crânio é o de uma lente biconvexa. Já o hematoma subdural agudo ocorre pelo acúmulo de sangue no espaço subdural, tendo um aspecto na TC de lua em crescente (semi-lua). Este é bem mais grave, porém mata menos que o hematoma extradural, pois é logo diagnosticado, já que as repercussões sistêmicas são mais pronunciadas do que no extradural.

O hematoma intraparenquimatoso ocorre quando há acúmulo de sangue dentro do tecido cerebral propriamente dito, sendo sua localização em 80% dos casos na gânglia basal e tem como etiologia a ruptura de microaneurismas de Charcot-Bouchard, provocados pela hipertensão arterial sistêmica descompensada ao longo da vida.

Os 20% restantes são os hematomas lobares, que se acumulam nos lobos cerebrais, e tem como causa principal as mal-formações arteriovenosas (MAV) em indivíduos jovens e a angiopatia amilóide em indivíduos idosos. O último dos tipos de AVCH que podem ocorrer são as hemorragias subaracnóideas (HSA), que podem ter etiologia traumática e espontânea. A etiologia traumática é caracterizada pelo acúmulo de sangue nos sulcos corticais e é a principal causa de agitação psicomotora em pacientes vítimas de trauma cranioencefálico (TCE).  No caso do HSA de causa espontânea, 80% ocorrem pela ruptura de aneurismas, devendo-se sempre investigar a causa através do exame de estudo dos vasos como angiorressonância e/ou angiografia. 

O diagnóstico em AVCI ou AVCH apenas pelo quadro clínico não é definitivo, mas ajuda a promover uma diferenciação, que só pode ser confirmada através de exames de imagem. Em geral, os pacientes com AVCI cursam com déficits focais, porém não apresentam quadro álgico (95% dos casos), episódios de crises epilépticas ou alterações repentinas no nível da consciência ou agitação psicomotora, sendo estas últimas características comumente presentes nos quadros de AVCH, embora não sejam critérios definitivos.

Por isso a importância de ressaltar que no atendimento pré-hospitalar nunca se deve efetuar a redução da pressão arterial, visto que se o evento for isquêmico, reduzir a pressão arterial pode significar eliminar o reflexo cardiotônico de tentar elevar a pressão arterial média na tentativa de melhorar a pressão de perfusão sanguínea, e consequentemente o fluxo sanguíneo encefálico.


O conhecimento da anatomia da vascularização encefálica é fundamental para topografar a lesão de acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente no evento cerebrovascular. O território anterior (ou carotídeo) é formado pela artéria carótida interna e seus respectivos ramos, e irriga 80% do encéfalo, sendo também o mais acometido pelas doenças cerebrovasculares. A sintomatologia é bem característica, por promover alterações das funções corticais superiores, como linguagem, praxia e gnosia, além de apresentar déficits focais contralaterais ao do hemisfério acometido.

Já o território posterior é irrigado pelo sistema vértebro-basilar, formado pelas artérias vertebrais, a artéria basilar e seus respectivos ramos. Por irrigar o tronco encefálico, as alterações nesses sistema são bem mais graves do que no sistema anterior, de tal modo que o paciente com alteração desse território quase sempre cursa com alterações do nível da consciência; além de que como o tronco é passagem das grandes vias aferentes e eferentes, os quadros clínicos em geral são “cruzados”, com déficits focais ipsilaterais e contralaterais ao lado do tronco acometido, a exemplo da síndrome de Wallenberg, a mais comum do território posterior, pelo acometimento da artéria cerebelar posterior inferior.

Quanto à irrigação cerebral específica, que ocorre por três artérias cerebrais (anterior, média e posterior) são conhecidos sintomatologias bem definidas.
- Anterior: paciente cursa com alterações crurais e incontinência urinária
- Média: paciente cursa com alterações de predomínio braquial, sendo comum também paralisia dos músculos faciais (paralisia braquiofacial ou paralisia facial central)
- Posterior: Alterações visuais, como hemianopsia, quadrontopsia ou amaurose fugaz.

Conclui-se ser fundamental para qualquer médico reconhecer um quadro clínico de AVC e orientar os pacientes também a identificar e tomar as devidas providências, lembrando que quanto mais cedo realizar o diagnóstico, mais rápido pode-se intervir e obter um melhor prognóstico. A máxima “Time is Brain” é utilizada pelo sistema National Institute of Health (NIHSS internacional) e deve-se sempre ser lembrada.

Nesse sentido, a escala de AVC do NIHSS é um instrumento de uso sistemático que permite uma avaliação quantitativa dos déficits neurológicos relacionados ao AVC. Esta escala foi inicialmente desenhada como instrumento de investigação, para medir o estado neurológico inicial nos ensaios clínicos da fase aguda do AVC. Actualmente, a escala é utilizada generalizadamente na valorização do carácter agudo do AVC, na determinação do tratamento mais apropriado e na previsão do prognóstico do doente.


A NIHSS pode ser usada como instrumento de avaliação clínica para documentar o estado neurológico no doente com AVC agudo. Esta escala é empregada para prever o tamanho da lesão e a gravidade do AVC.


Uma forma fácil para os leigos de identificar um AVC e requisitar o atendimento pré-hospitalar é o próprio Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), programa que tem como finalidade prestar o socorro à população em casos de emergência. O próprio acrônimo "Samu" é usado para orientar  a população para observação de sinais de alerta de AVC:
Sorrir – Desvio da comissura labial
Abraçar – Déficit motor
Música – Dificuldade em cantar pelo acometimento da musculatura da face
UrgênciaDisque Samu 192



Referências
NETTER, F. H. Atlas de Anatomia Humana. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
NITRINI, R.; BACHESCHI, L. A. A Neurologia que todo médico deve saber, 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2003.
SOBOTTA, J. Atlas de Anatomia Humana. 21 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
BRADLEY, W. G.; DAROFF, R. B.; FENICHEL, G. M.; JANKOVIC, J. Neurology in clinical practice, 4° Ed. Philadelphia: Elsevier, 2004.
ROWLAND, L. P. M. Tratado de Neurologia, 11° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
ROPPER, A. H.; SAMUELS, M. A. Adams and Victor’s: Principles of Neurology. 9° Ed. Mc Grill Hil International, 2009.
BAEHR, M.; FROTSCHER, M. DUUS, P. Diagnóstico topográfico em neurologia, 4° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005
DANGELO, J. G.; FATINNI, C. A. Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar, 3ª ed. São Paulo: Atheneu, 2007.
GRAY, H. Anatomia. 29° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
MACHADO, A. Neuroanatomia Funcional. 2 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2006.
MOORE, K. L.; DALLEY, A. F. Anatomia Orientada para a Clínica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
MENESES, M. S. Neuroanatomia Aplicada. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
Imagens 1 e 2: Atlas Netter.