11 de setembro de 2022

DIVERSIDADE HUMANA E SUBJETIVIDADE NA SAÚDE: DISCUSSÂO COM A TURMA 113


Na aula de “Diversidade Humana e Subjetividade na Saúde”, considerei produtiva a dinâmica de relato e discussão de casos com a turma 113 da graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), à qual apresentei descritivamente e de forma resumida dois casos relacionados à temática proposta, fornecendo informações para que meus alunos da turma 1 do Módulo de Diversidade Étnica e Cultural na Medicina, analisassem, pensassem e descobrissem relações e soluções dentro das situações-problema propostas.

Os alunos dessa turma me parecem ter um estilo de aprendizagem indutivo, mas também aparentam ser estudantes raciocinadores dedutivos, o que significa que aprendem melhor com exemplos de casos concretos que com o desenvolvimento teórico de conceitos; então, deixei para apresentar os princípios básicos relacionados ao assunto posteriormente à discussão, quando havia pouco tempo de aula. Como não houve tempo para sedimentar os conceitos, enviei um arquivo com os slides da exposição por meio de nosso sistema de gestão acadêmica, SIGAA/UFPB. Considerei também que eles haviam lido o texto proposto para o encontro, e vários deles citaram pontos do texto proposto durante a discussão. Tenho percebido que o uso de estudos de caso é uma técnica muito eficaz em sala de aula em módulos reflexivo-humanísticos. Os alunos aparentaram estar ativamente engajados em descobrir os princípios teóricos do tema, abstraindo dos casos relatados. Isso contribui para seu desenvolvimento em habilidades para solução de problemas, de ferramentas analíticas qualitativas, dependendo do caso, além de tomada de decisão em situações complexas, na presença de ambiguidades e conflitos humanos repercutindo na saúde.

Relato resumido do Caso 1

Gorete (nome fictício) tem 23 anos e apresenta episódios de ansiedade, acompanhados de sentimentos de morte iminente, falta de ar, palpitações e perda de sensibilidade nos membros com duração de 15 a 20 minutos. Os sintomas são acompanhados por uma mudança na consciência em que os “espíritos ancestrais” parecem assumir o controle sobre seu corpo e identidade pessoal. Essa experiência é acompanhada por comportamento agressivo e alteração na voz. Os níveis de escolaridade dos membros da família variam do analfabetismo ao ensino médio completo; mas Gorete é bem-educada, recém-graduada em pedagogia e tem planos para realizar mestrado. No entanto, seus estudos precisarão ser interrompidos porque ela descobriu que está grávida após ter um relacionamento com um colega da universidade, que retornou para sua cidade em outro estado após a formatura. A família é muito unida, evangélica e muito conservadora. Gorete não compartilhou isso com a família por medo dos pais, que eram muito severos e não aceitariam seu  comportamento em relação à sexualidade. Ela apresentou uma série de problemas e não se lembra de episódios que familiares afirmaram que estava possuída por forças sobrenaturais. Uma amiga de Gorete a convenceu a ir ao curandeiro religioso local, a quem a família dela vem consultando há muito tempo. Ela foi um templo afro-brasileiro (terreiro) onde seriam realizados rituais para “expulsar espíritos de seu corpo”. Seus sintomas melhoram, mas apenas por alguns dias. A família procurou ajuda e aconselhamento do médico da unidade básica de saúde para o comportamento anormal de Gorete, e ele considerou que se tratava de um quadro de transtorno mental e foi feito um encaminhamento para um psiquiatra local. No entanto, Gorete ficou relutante em procurar ajuda psiquiátrica, em parte devido ao estigma associado a esse tipo de terapia. Sua família também não estava aberta à psicoterapia. Houve demora na procura de ajuda do especialista foi de seis meses, em grande parte devido às crenças familiares e à falta de autopercepção de Gorete sobre sua doença.

Aberta a discussão, observei que os alunos compreendiam os vários lados da situação e se sentiam desafiados a refletir. 

Marina questionou se seria a primeira vez que a paciente apresentava uma crise aguda semelhante e perguntou se não havia antecedentes familiares de transtornos psíquicos, opinando que possivelmente a gravidez pode ter sido um gatilho para o início das crises, inclusive por não ter apoio do seu companheiro em relação à gestação indesejada. Sérgio falou de critério da Classificação Internacional das Doenças (OMS) em que havia uma exceção para se estabelecer diagnósticos em situações de sofrimento psíquico agudo relacionado a manifestações em cultos religiosos. Realmente, o funcionamento religioso e espiritual dos pacientes são uma questão de diversidade humana. Tais questões podem ser subestimadas por muitos médicos. Em 1994, houve a  introdução de um código V para se referir a problemas religiosos e espirituais (V62.89) no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) versão IV, o DSM-4, o que proporcionou uma acomodação significativa do funcionamento religioso e espiritual dos clientes no psicodiagnóstico contemporâneo. O DSM é o manual norte-americano, da Associação Americana de Psiquiatria, que constitui referência oficial usado para diagnosticar condições de saúde mental. O DSM também é usado internacionalmente como padrão em pesquisas.

A título de esclarecimento, de acordo com o DSM-IV, a categoria Z71.8 (Problema Religioso ou Espiritual) deve ser usada quando o foco de atenção é um problema envolvendo esta esfera da subjetividade humana. Assim, o código V permite a identificação explícita de um foco religioso ou espiritual não patológico no tratamento. O código V aumenta a conscientização do clínico sobre o domínio religioso e espiritual do funcionamento dos pacientes. Mencionei que não se tratava da CID-10 e sim do DSM, porém na CID-10 também se usa o código de diagnóstico CID-9-CM V62.89, que significa outro estresse psicológico ou físico, não classificado em outros itens.  Portanto, cada diagnóstico de saúde mental tem um código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID) desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).  A versão mais recente do código – CID-10, foi lançada em outubro de 2015. Por outro lado, a versão atual do DSM, o DSM-5,foi  oficialmente publicada em  maio de 2013 (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014). 

Helena destacou que essa situação descrita no caso estudado envolve a alteridade na relação médico-paciente, em que o “Outro” é um ser absolutamente distinto do “eu”. A título de esclarecimento, alteridade é um termo filosófico, e é diferente de empatia, que é uma virtude importante que liga e desencadeia uma ponte afetiva entre o profissional de saúde e o paciente, que dá lugar a um sentimento de aceitação, fazendo com que o indivíduo necessitado de tratamento se sinta mais à vontade para expressar suas necessidades. A alteridade, por outro lado, representa o estado ou qualidade de ser outro, de ser de outra forma, de ser diferente e, portanto, é um conceito usado estritamente no sentido do outro em uma relação de dois. Na tradição fenomenológica é geralmente alteridade é um conceito entendido como a entidade em contraste com a qual uma identidade é construída, e implica a capacidade de distinguir entre eu e não-eu e, consequentemente, assumir a existência de um ponto de vista alternativo. Assumir isso implica em aceitar a condição da existência de outras opiniões, culturas, saberes, crenças, aparências e formas de ser. A constituição do sujeito (subjetividade) ocorre no âmbito da alteridade, pois o sujeito (eu) está em relação com o outro (alter). A influência do olhar alheio sobre o eu é um constituinte relevante da subjetividade e é controlada pelo inconsciente, que recebe informações externas e determina a forma pela qual é possível responder ao outro. 

No caso relatado, Helena acrescentou ainda que um gatilho pode ter sido disparado em um quadro que poderia ser de natureza psicótica. No contexto da doença mental, "gatilho", ou estressor, é um termo frequentemente usado para significar algo que provoca ou piora os sintomas. Trata-se de uma ação ou situação que pode levar a uma reação emocional adversa, como um evento de vida negativo, como luto, estresse agudo, trauma entre outros.

A título de esclarecimento, a palavra psicose é usada para descrever condições que afetam a mente, onde houve perda de contato com a realidade, e assim, os pensamentos e percepções de uma pessoa são perturbados, havendo dificuldade em entender o que é real e o que não é. Um episódio psicótico agudo pode ser único, muitas vezes de início súbito, recorrente, ou sinalizar o início de uma psicose crônica. Azevedo falou de um transtorno mental menor, como a ansiedade associada ao abandono pelo namorado da universidade.

A título de esclarecimento nosológico, salienta-se que os transtornos mentais se dividem em duas categorias: transtornos psicóticos e transtornos não psicóticos. Transtornos psicóticos, como esquizofrenia e transtorno bipolar, podem causar delírios, alucinações e outros sintomas de psicose. Os transtornos não psicóticos, que costumavam ser chamados de neuroses, incluem transtornos depressivos e transtornos de ansiedade, como fobias, ataques de pânico e transtorno obsessivo-compulsivo. Os transtornos mentais não psicóticos costumam ser menos graves do que os psicóticos.

Abraão falou da sequência do relato do caso, que não se apresentou com ordenação cronológica em relação a determinado evento, então ele percebeu que a continuidade da descrição da história perdeu a linearidade. Isso confundiu o entendimento das crises que ocorreram com a paciente.

Rafael falou também sobre gatilho estressor que pode ter desencadeado as crises da paciente, e lembrou do filme de terror “O Exorcismo de Emily Rose”, baseado na história da vida real de Anneliese Michel, uma jovem alemã que se acreditava estar possuída por forças sobrenaturais e passou por vários exorcismos para tentar se livrar da possessão demoníaca. Criada por uma família devotamente católica, ela começou a ter convulsões aos 16 anos e recebeu o diagnóstico de epilepsia do lobo temporal, passando a  tomar vários medicamentos para controlar as convulsões. No entanto, seu comportamento cada vez mais errático, e sua família começou a procurar ajuda fora do campo médico-científico. Eu diria que ela teve um transtorno mental que piorou com o tempo. As pessoas naquela época (meados da década de 1970) não sabiam muito sobre doenças mentais e aquela família era altamente religiosa, então se chegou à ideia da possessão, com envolvimento de sacerdotes católicos que, de certa forma, legitimaram a natureza sobrenatural do quadro. As pessoas encontram refúgio em sua crença e fé, e na história do filme, a religião explicava as alucinações. Foram realizados quase 70 exorcismos em Anneliese, Os exorcismos são rituais que são realizados desde os tempos bíblicos para expulsar espíritos malignos de pessoas ou lugares.

Ciência e religião têm sido consideradas em polos opostos por séculos. Alguém poderia pensar que as crenças de um paciente não deveriam interromper ou prejudicar um diagnóstico médico adequado. No entanto, crenças dos pacientes e suas famílias com transtorno neurológico ou psiquiátrico podem afastá-lo da realidade, resultando em consequências fatais.

Flávia falou do transtorno mental como foco principal do caso relatado e o atraso na gravidez também como um gatilho, um evento estressante vital. Antônio Alberto falou que nessa situação, a consulta com um psicólogo sobre a gravidez e sobre os problemas comportamentais e psíquicos apresentados, sob sigilo profissional, se ela não quisesse, naquele momento, que outras pessoas soubessem de sua gravidez, sobretudo sua família, pois sua família tinha crenças arraigadas e conservadoras sobre o comportamento sexual das mulheres, o que representava um tabu para a própria paciente. 

Isabelle falou de um caso ocorrido na comunidade em que uma mulher apresentou alucinações visuais  e auditivas logo após o seu casamento, quando foi morar no sítio, longe de sua família. Ela começou a ouvir ruídos estranhos e vultos de figuras, enquanto o marido não tinha essas experiências sensoriais no início, mas que também passou a ter as mesmas alucinações posteriormente. A cerimônia do casamento é um dos antigos ritos de passagem, remanescente na sociedade contemporânea, apesar do crescente número de uniões livres, em que o vínculo conjugal se forma sem a intervenção da Igreja ou do Estado. Este ritual parece sobreviver na atualidade e envolver psicologicamente os noivos e suas famílias de origem, marcando transição individual, familiar e social. Na perspectiva do ciclo de vida familiar, as mudanças assinaladas pelos ritos de passagem, incluindo o casamento, não afetam apenas o indivíduo o qual se submete ao rito, mas sua família inteira, provocando um aumento do estresse familiar nestes períodos.

Gabriel lembrou que no caso da paciente do caso relatado, ela foi ao terreiro de candomblé e não ao médico, e não deve ter sido uma sobreposição de terapêuticas (oficial e tradicional), mas poderiam ser associadas. José Felipe concordou e destacou que a fé auxilia no processo de recuperação.

José Felipe continuou comentando que as  manifestações psíquicas e as preocupações da paciente, aflita por uma situação que não conseguia solucionar, estão imersas na sua subjetividade, que é difícil de compreender por profissionais que seguem o modelo biomédico.  Ele salientou também que há comportamentos que fogem ao padrão visto nos livros de medicina. José Felipe ainda mencionou que os critérios diagnósticos do DSM não são  suficientes para explicar a negação da paciente para a busca de assistência médica. 

Bianca comentou que é importante olhar para além do paciente e perceber seu contexto familiar e social. Ela lembrou de um caso ocorrido na comunidade em uma família onde uma adolescente sempre se sentiu desajeitada sob a exigência de que sua postura fosse diferente. No início do  início do nível médio ela teve um surto, como se tivesse havido uma “virada de chave” muito rápida, enquanto ela também sofria de bullying na escola. Carlos concordou que é sempre preciso considerar o contexto familiar.

Jerrimarque salientou a influência do modelo predominantemente biomédico que foca na doença e segue protocolos e que não considera questões subjetivas. Helena voltou a falar sobre a psicossomatização sob estresse e traumas psicoemocionais, com supervalorização dos sintomas físicos e a falha do modelo biomédico em dar conta dessas questões. Jerimarque  ainda mencionou que no texto recomendado para leitura, refere-se a uma crítica ao capitalismo e seus reflexos na medicina. O principal autor do capítulo do livro (GONZÁLEZ-REY, 2015)foi um psicólogo cubano de espectro ideológico à Esquerda, e era essencial que considerasse a  questão econômica de classes.  Se a sociedade deixa as pessoas doentes, a solução óbvia seria lidar com as doenças da saúde precária no nível social. Mas o que tende a acontecer é que  muitas vezes faz com que os recursos financeiros sejam usados para lidar com as consequências. Se os procedimentos para lidar com as consequências são eles mesmos uma fonte de lucro, então a tentação será desviar a discussão das causas e soluções sociais para um padrão autoperpetuante focado em tecnologias médicas, drogas, terapias e afins. Jerrimarque colocou o contraponto de que o Capitalismo também tem reflexos benéficos nessa conjuntura, pois impulsiona a inovação, a tecnologia e o avanço científico. Assim, é importante pensar em termos de equilíbrio, sem considerar o Capitalismo como o grande e eterno “vilão” das sociedades, nem que tudo se reduza à luta de classes.

Gabriel considerou que nessa situação, o médico fica refém da tecnologia e o texto lido mostra que os avanços biotecnológicos estão passando pelo que todas as outras disciplinas científicas emergentes experimentam, que são os  desafios de definir seus limites éticos. O custo crescente dos cuidados de saúde – e o custo dos medicamentos em particular – é um problema crescente.

Gabriela fez sua contribuição à discussão, mas eu não consegui registrar. Após esta participação não foi capturada a tempo. A partir desta fala, Sérgio voltou a participar resgatando a questão da competência cultural na superação da medicalização, e que uma abordagem centrada na pessoa e a adoção de um atendimento holístico.

Passou-se, então, à discussão do caso 2, que será descrito em seguida.

Relato resumido do Caso 2

Paciente do sexo masculino, 50 anos, foi admitido no pronto-socorro com dor de cabeça, náuseas e dormência do braço esquerdo nas últimas horas. O neurologista realizou um exame físico completo e não encontrou discrepâncias no seu estado neurológico, mas o paciente insistiu que ele estava tendo uma dor de cabeça como se a sua cabeça fosse “explodir” e que seu braço esquerdo estava completamente dormente. Para excluir a possibilidade de uma condição grave, o neurologista indicou uma tomografia computadorizada (TC) do cérebro que foi realizada em pouco tempo. O radiologista não encontrou alterações patológicas na TC. Após leitura detalhada do prontuário deste paciente, percebeu-se que ao longo dos 15 meses anteriores esse paciente já havia sido admitido com muitas diferentes condições no mesmo hospital. Ele tinha sido admitido com uma forte dor no peito e falta de ar 15 meses antes, com ECG e exames de sangue excluindo infarto do miocárdio naquele momento. Na ocasião, o paciente começou a vomitar e sua dor no peito piorou, realizando-se uma angiografia pulmonar de urgência, para excluir a possibilidade de embolia pulmonar, descartada pelo pneumologista. O paciente estava se sentindo bem no dia seguinte e recebeu alta do hospital dois dias depois. Dois meses depois, o mesmo paciente foi encaminhado pelo seu médico com sintomas de dor no pescoço, rigidez do pescoço e vertigem. Ele foi novamente enviado para o neurologista, que pediu uma TC da coluna cervical, que mostrou alterações espondilodegenerativas leves, mas ausência de alteração discal grave. Três meses depois, esse paciente foi internado no setor de emergência por uma perda de visão no seu olho direito que durou algumas horas. O oftalmologista não encontrou alterações no exame. Não havia anormalidades oculares em exames anteriores. 

Aberta a discussão do segundo relato de caso, Manoel falou do efeito placebo, que pode ocorrer em pacientes sugestionáveis, e que muitos deles se sentem melhor na consulta com o médico em quem confiam. O efeito placebo pode ser definido como qualquer melhora de sintomas e doenças, ou sobretudo a redução de sintomas subjetivos resultantes de intervenções e medicamentos inertes farmacologicamente. O psicanalista francês Michel Balint, que tem importantes contribuições à medicina e ao campo da saúde, também é conhecido pela criação de uma máxima a respeito da prática médica: “O remédio mais usado em medicina é o próprio médico, o qual, como os demais medicamentos, precisa ser conhecido em sua posologia, reações colaterais e toxicidade” (BALINT, 2007).

Ainda a título de esclarecimento nosológico, de acordo com o DSM-V, a característica central da hipocondria é a preocupação com o medo de ter uma doença médica grave baseado em interpretações errôneas de sensações corporais benignas (ou menores), enfatizando uma "convicção de doença" que persiste apesar de avaliação médica adequada e garantia de boa saúde. O DSM-5 redefiniu a hipocondria, que passou a ser denominada de transtorno somatoforme. Talvez o sinal mais facilmente observável seja a tentativa persistente de buscar informações e garantias sobre os temidos sintomas ou doenças. Indivíduos com esta condição podem entrar em contato com médicos e serviços de saúde - o que, no caso relatado, foi um serviço hospitalar de urgência - repetidamente. Historicamente, a hipocondria tem sido considerada resistente a tratamento psicológico. Para hipocondríacos, o efeito nocebo pode até surgir, o que é o oposto do efeito placebo. Como a hipocondria faz as pessoas se preocuparem tanto com a doença, um nocebo não o torna melhor porque ele não acredita que o fará.

Frequentemente dispensados ​​pelos médicos, os hipocondríacos são atormentados por sintomas indescritíveis que sugerem uma doença. Eles vão ao médico para obter um diagnóstico e não aceitam que não tenham alterações ditas reais. Às vezes eles conseguem obter um rótulo - geralmente o errado - e às vezes são prejudicados por exames e tratamentos desnecessários e invasivos. Os hipocondríacos são geralmente considerados simuladores, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Os hipocondríacos não produzem voluntária ou conscientemente seus sintomas físicos; eles acreditam fervorosamente que estão fisicamente doentes e ficam frustrados quando dizem que não estão. Embora não seja encontrado substrato orgânico para os sintomas do paciente, as queixas dele, em essência, existiam; ele estava doente e se sentia mal.

A terapia cognitivo-comportamental e o controle do estresse são os pilares do tratamento da hipocondria ou transtorno somatoforme. Da mesma forma, participar de técnicas de atenção plena, como meditação, pode ajudar os pacientes a controlar os sintomas. 

Além disso, Fernandes acrescentou que o uso de práticas integrativas e complementares em saúde (PICS) podem ser empregadas para a hipocondria. Por outro lado, consultas regulares com um profissional de saúde que usa PICS podem ajudar a aliviar os medos relacionados à saúde devido à regularidade das visitas, à garantia de um profissional e ao foco no bem-estar e nos comportamentos saudáveis. 

Ao mencionar que parece existir preconceito de muitos médicos em relação às PICS, Abraão perguntou por que existem tais preconceitos, chamando atenção de que existem riscos para os pacientes que têm doenças graves e retardam o tratamento convencional. A título de esclarecimento, a medicina complementar e alternativa está sendo cada vez mais usada por médicos de cuidados primários no Brasil, tendo sido incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), embora este uso não tenha sido estudado em detalhes e as barreiras no caminho de seu uso pelos médicos não tenham sido exploradas. A título de esclarecimento, o termo PICS envolve o uso de plantas medicinais (fitoterapia), homeopatia, medicina tradicional chinesa (acupuntura), medicina antroposófica e termalismo-crenoterapia. A medicina complementar e alternativa é um termo abrangente que descreve uma série de sistemas de saúde, modalidades e práticas que geralmente não são consideradas parte da medicina convencional. Como forma de cuidado espiritual e pastoral, os serviços de capelania também são considerados uma modalidade de medicina complementar e alternativa. É nesse sentido que as atitudes dos profissionais de saúde e o conhecimento sobre PICS podem afetar a opção de uma abordagem de saúde multidisciplinar, integradora e holística.

Contudo, o uso de PICS entre pacientes com câncer é generalizado e parece estar aumentando. Nem sempre fica claro se os pacientes usam essas terapias como uma “alternativa” ao tratamento oncológico padrão ou como adjuvante ao tratamento convencional que recebem. Abraão citou o exemplo do conhecido empresário e magnata americano Steve Jobs, que buscou atenção médica convencional tardiamente no caso do câncer de pâncreas que foi a causa de sua morte. O “pensamento mágico” de Jobs pode ter definido seu brilhantismo nos negócios, mas pode ter sido sua queda na luta contra o câncer. Steve Jobs acabou se arrependendo da decisão que havia tomado anos antes de rejeitar a cirurgia potencialmente salvadora de sua vida em favor de tratamentos alternativos como acupuntura, suplementos dietéticos e sucos. Embora ele tenha finalmente aceito a cirurgia e buscado métodos experimentais de ponta, eles não foram suficientes para salvá-lo.

Manoel falou das diretrizes médicas também, e que estas podem induzir a erro, exemplificando o uso dos antiarrítmicos a medicina baseada em evidências e mostra que medicamentos antiarrítmicos em longo prazo podem ser arritmogênicos, pois evidências científicas revelaram que arritmias potencialmente fatais são induzidas por drogas antiarrítmicas. 

João Victor mencionou que as pessoas não procuram as PICS porque confiam, então é importante que em casos mais graves para pessoas que em outras situações de adoecimento, acreditaram em terapias alternativas e responderam bem, podem insistir em usar PICS no caso que é mais grave. João Max concordou e disse ser preciso lembrar que essa credibilidade para casos de outros problemas no futuro precisa ser considerada como potencialmente deletéria, e portanto, é necessário manter o equilíbrio e a racionalidade, na medida do possível. 

Rafael destacou que nos dois casos apresentados não houve acolhimento dos pacientes, escuta atenta ou continuidade do cuidado. Thiago concluiu que  manter o meio termo também se aplica a não supervalorizar sintomas de pacientes com hipocondria, mas também, em casos agudos e de urgência, é importante descartar a gravidade da situação clínica.

É importante salientar que não existe uma resposta correta para as questões colocadas, que é importante é  reflexão feita sobre os casos clínicos apresentados, a partir da leitura do ensaio teórico proposto aos alunos.

Concluindo, constatei que os alunos contemplaram os objetivos e os pontos-chave da discussão. Eles compararam e contrastaram pontos de vista alternativos que surgiram durante a discussão e encontraram pontos para levar como conhecimento e que podem ser aplicados a situações futuras.

 

Referências citadas no presente texto de devolutiva

Associação Americana de Psiquiatria. (2014). Manual diagnóstico e estatísticos de transtornos mentais :DSM-5 (5a ed.; MIC Nascimento, Trad.). Porto Alegre, RS: Artmed

Balint  M. O médico, seu paciente e a doença. Tradução de Roberto de Oliveira Musachio. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2007.


Gonzaléz Rey F, Bizerril. J. Saúde, cultura e subjetividade: uma referência interdisciplinar Brasília: UniCEUB, 2015, capítulo 1.