6 de fevereiro de 2011

Adesão Terapêutica

ADESÃO TERAPÊUTICA DE PACIENTES PORTADORES DE DOENÇAS CRÔNICAS ATENDIDOS NO PROJETO CONTINUUM DE EXTENSÃO (PROBEX/UFPB) Rilva Lopes de Sousa-Muñoz, Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde, Natália de Andrade Costa, Antônio Edilton Rolim Filho, Bruno Melo Fernandes, Raissa Dantas de Sá, Samuel Gouveia da Costa Duarte, Isabel Barroso Augusto Silva, Ângela Siqueira de Figueiredo. Hospital Universitário Lauro Wanderley, Centro de Ciências Médicas; Universidade Federal da Paraíba.
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi avaliar a adesão terapêutica de pacientes atendidos no Projeto Continuum de extensão através de um estudo de modelo observacional-exploratório enfocando a adesão terapêutica associada a processo educativo sobre sua doença e tratamento. Esta foi prestada por graduandos extensionistas de Medicina de acordo com técnica de Educação em Saúde. Adesão foi definida como o grau de concordância entre a orientação recebida e o tratamento cumprido. Vinte e quatro pacientes portadores de doenças crônicas egressos de internação no Hospital Universitário Lauro Wanderley fora acompanhados durante seis meses. Os pacientes possuíam diagnósticos de hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença renal crônica. Dezenove pacientes (79,2%) apresentaram adesão completa ao tratamento e três (12,5%) parcial. O acompanhamento ambulatorial contínuo com emprego de processo de educação em saúde, no contexto de um projeto de extensão, alcançou seus objetivos em curto prazo, mantendo o paciente em tratamento regular.
Palavras-Chave: continuidade da assistência ao paciente; doença crônica; ambulatório hospitalar; educação em saúde.

INTRODUÇÃO Um grande contingente de pacientes com doenças crônicas é atendido nos ambulatórios dos hospitais universitários brasileiros. Muitos desses pacientes recebem tratamento medicamentoso através dos serviços públicos ligados ao Sistema Único de Saúde. Contudo, o baixo grau de adesão terapêutica pode afetar a eficiência da utilização desses recursos.1,2 A relevância da adesão terapêutica é indiscutível, seja na atenção primária, secundária ou terciária. O enfoque deste trabalho é sobre a atenção terciária, onde é atendido um grande número de pacientes portadores de doenças crônicas de alta complexidade. É o paciente, ou o responsável por ele, o objetivo das principais ações de extensão universitária para promover a adesão terapêutica. No paciente estão centrados muitos dos fatores que interferem na adesão ao tratamento, refletindo o contexto individual, familiar e social. No entanto, o problema da adesão geralmente é discutido sob o ponto de vista do médico, e este, muitas vezes não considera os fatores que realmente determinam o seguimento ou não de determinado tratamento pelo paciente. Além disso, em geral, a responsabilidade pela não-adesão ao tratamento é atribuída à “ignorância” dos pacientes e a pouca educação da população.3 Nesse sentido, a educação em saúde é considerada, atualmente, uma prática intrínseca ao projeto assistencial em todos os níveis de atenção à saúde, pois possibilita a organização de estratégias individuais e coletivas para o enfrentamento de problemas no processo saúde-doença. Informação, educação e comunicação são bases de mudança do comportamento do doente, constituindo um fator de importância clínica e social. Considerando a “Continuidade de Cuidados” como a sequencialidade, no tempo e no sistema de saúde, das intervenções integradas de saúde, os cuidados prestados ao paciente continuamente desde seu contato inicial com o serviço de saúde são considerados como atributo essencial à obtenção de boa adesão terapêutica pelos pacientes que apresentam doenças crônicas.4,5 Nesse sentido, o Projeto Continuum de extensão, vinculado ao Programa de Bolsas de Extensão / Universidade Federal da Paraíba (UFPB), enfoca a continuidade do cuidado, no sentido de reduzir o alto índice de novas hospitalizações de portadores de doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença renal crônica, enfermidades que apresentam elevada prevalência entre os pacientes internados nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW). Com base nessas considerações, o objetivo deste trabalho foi avaliar a adesão terapêutica de pacientes atendidos no Projeto Continuum de extensão (UFPB) após seis meses de acompanhamento. METODOLOGIA O delineamento deste estudo foi observacional-exploratório e de corte transversal. A amostra foi escolhida por conveniência, uma vez que se pretendeu apreender o comportamento dos pacientes atendidos no Projeto Continuum de extensão em relação à adesão ao tratamento no contexto da ação educativa realizada por alunos extensionistas do curso de Medicina da UFPB no ambulatório de egressos de internação das enfermarias de clínica médica do HULW. Os critérios de inclusão foram: estar recebendo acompanhamento no referido projeto de extensão; ter idade igual ou superior a 18 anos; estar, no dia da entrevista, pelo menos na segunda consulta; e aceitar a participação no estudo. Foram excluídos os pacientes com deficiências que impedissem a comunicação, que estivessem em condições clínicas que desaconselhassem sua participação no estudo ou que tivessem domicílio distante do serviço. O local de realização do estudo foi o Ambulatório de Egressos de Internação do Serviço de Clínica Médica (HULW, UFPB), onde funciona o Projeto Continuum de extensão da UFPB. As atividades de extensão deste projeto foram desenvolvidas através de seguimento clínico pós-hospitalização no ambulatório de egressos das enfermarias de clínica médica do HULW e educação em saúde dos pacientes acompanhados. As visitas ambulatoriais tiveram periodicidade mensal. Os principais objetivos operacionais do ponto de vista assistencial foram a avaliação da terapêutica não-medicamentosa (dieta, exercícios físicos, controle de peso, combate ao tabagismo e ao consumo alcoólico), a orientação educativa sistemática e o controle da adesão ao tratamento medicamentoso. A monitorização clínica visou ao controle glicêmico, pressórico arterial e sintomatológico, assim como à pesquisa de possíveis complicações imediatas e tardias da doença crônica principal. Esse conjunto de atuações foi realizado por uma equipe composta por médicos (internista, nefrologista, endocrinologista) e alunos da graduação em Medicina extensionistas. Foi realizada orientação individual sistemática aos pacientes atendidos no ambulatório de egressos de internação sobre sua doença e cuidados que devem ter para o seu controle adequado, de acordo com a técnica de Educação em Saúde preconizada por Green e Kreuter em ambiente clínico.6 Buscou-se a cada visita do paciente ao ambulatório, fornecer, de forma repetida, a informação e comunicação sobre sua doença crônica. Empregando processo de educação em saúde, durante as consultas, os estudantes extensionistas de graduação em Medicina esclareceram sobre medidas de tratamento não-medicamentoso, como dieta, exercícios físicos, redução do peso, combate ao tabagismo e consumo alcoólico, e cuidados com os pés no caso dos diabéticos; e também quanto ao tratamento medicamentoso, esclarecendo sobre a importância de manter a adesão com o uso regular dos remédios prescritos. Para a realização das entrevistas e a coleta dos demais dados, foram utilizados dois instrumentos: um questionário estruturado e padronizado, contendo teste específico para o grau de adesão e um formulário de dados clínicos e demográficos. Os itens do questionário foram aplicados oralmente aos pacientes, e à medida que estes iam respondendo, foram preenchidos os dados por escrito no questionário. Para identificar o grau de adesão ao tratamento medicamentoso, foram estudados a análise dos medicamentos utilizados e o comportamento admitido em relação ao uso de medicamentos, definido pelo teste de Morisky et al.7 Por meio da análise dos medicamentos utilizados, foi possível verificar se os pacientes estavam tomando adequadamente o medicamento conforme a prescrição médica. Perguntava-se ao paciente: a) se estava fazendo uso de medicamento; b) qual medicamento tomava; c) qual a dose diária do medicamento em uso e d) qual a posologia empregada. A adesão terapêutica foi definida como o grau de concordância entre a orientação recebida (em relação à frequência de consultas, aos cuidados, à terapia não-medicamentosa e à medicamentosa) e a conduta do paciente.8 A avaliação da adesão terapêutica foi feita através do auto-relato do paciente e/ou familiares a cada consulta ambulatorial. Além do protocolo geral de atendimento, foram elaborados três protocolos clínicos específicos, elaborados no projeto de extensão: para o portador de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e doença renal crônica para os quais nortearam a implantação de rotinas diagnósticas e terapêuticas de assistência continuada no ambulatório. Submeteu-se o estudo à análise do Comitê de Ética em Pesquisa do HULW/UFPB. Esclareceram-se aos sujeitos participantes os objetivos e a natureza da investigação e iniciaram-se as entrevistas após eles terem assinado o termo de consentimento. RESULTADOS As atividades assistenciais do projeto foram realizadas entre junho e dezembro de 2009 e consistiram na inclusão de 32 pacientes internados nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW). Vinte e quatro destes foram acompanhados ambulatorialmente com periodicidade mensal, pois oito pacientes tinham domicílio em cidades distantes, não permitindo o seu acompanhamento. Na caracterização sociodemográfica da clientela atendida, verificou-se que a idade média dos pacientes acompanhados ambulatorialmente variou de 18 a 77 anos (média de 51,8±15); 17 (70,8%) do sexo masculino; 10 (41,7%) brancos, 9 (37,5%) pardos e 5 (20,8%) negros; 16 (66,7%) casados, 17 (70,8%) procedentes da cidade de João Pessoa e área metropolitana, com 5,0 ±4,2 anos de instrução (escolaridade básica em 65% dos casos, e 20% analfabetos). Renda mensal de até um salário-mínimo foi constatada em 70,8% dos casos. Na avaliação dos diagnósticos principais, doenças renais, cardiovasculares e endócrinas foram as enfermidades mais frequentes. Quinze (62,5%) pacientes eram hipertensos, e 42% destes tinham concomitantemente hipertensão arterial e diabetes mellitus. A observação dos eventos registrados ao término da vigência do projeto indicou que 16 pacientes (66,7%) não faltaram a nenhuma das consultas marcadas. Oito pacientes faltaram aos atendimentos agendados: cinco deles faltaram uma vez, retornando após solicitação de seu comparecimento ao ambulatório por telefone. Dois pacientes faltaram duas vezes, em virtude de problemas de transporte até o hospital, e um faltou três vezes, não retornando mais ao ambulatório, e com o qual não foi possível manter contatos posteriores por mudança de domicílio e ausência de contato telefônico. Durante os seis meses de acompanhamento, foram realizadas visitas mensais, mas alguns dos pacientes tiveram um número menor de visitas, em virtude de sua inclusão posterior no projeto. Por essa razão, o número de visitas variou de dois a cinco, com média de 3,4 visitas. Quinze dos pacientes (62,5%) apresentaram novos problemas clínicos, verificando-se que 65% deles tinham mais de cinco problemas concomitantemente. A média de novos problemas foi de 1,3. Quanto à adesão ao tratamento, 19 pacientes (79,2%) apresentaram adesão completa, 3 (12,5%) aderiram parcialmente e 2 (8,3%) não aderiram. DISCUSSÃO Os usuários do Projeto Continuum apresentaram alta coexistência de hipertensão arterial e diabetes mellitus, associação que eleva muito sua morbidade e necessidade de acompanhamento contínuo. Verificou-se que a adesão terapêutica dos pacientes acompanhados no projeto foi satisfatória. Desse modo, o acompanhamento ambulatorial contínuo no projeto alcançou seus objetivos em curto prazo, mantendo o paciente em tratamento regular e compensado clinicamente por meio de medidas educativas e farmacológicas. Um dos maiores problemas no controle inadequado da hipertensão arterial e diabetes mellitus é a falta de adesão8. Embora não seja um problema exclusivo do tratamento dessas doenças crônicas, por ser também muito frequente em outros regimes de caráter prolongado, a falta de adesão ao tratamento nesse contexto se aprofunda em complexidade, parecendo ser determinada por vários fatores, inter-relacionados ou não.8 Levando em consideração que o diabetes mellitus a hipertensão arterial possuem quadros muitas vezes assintomáticos, mesmo quando já existe lesão de órgão-alvo ou complicação tardia, os pacientes resistem a seguir um tratamento que, em grande parte, exige certo grau de disciplina, tanto em relação ao tratamento medicamentoso quanto não-medicamentoso. Estima-se que aproximadamente 50% dos pacientes que usam medicamentos não aderem ao tratamento estabelecido pelo médico.10 Embora seja possível postular numerosas razões sociais, psicológicas e econômicas para esse fato, os problemas com o seguimento do tratamento podem ser ocasionados, em parte, pela insuficiência de informação sobre os medicamentos prescritos. A adesão terapêutica representa objetivo difícil de ser alcançado em portadores de doenças crônicas, mas a continuidade de intervenções de educação em saúde pode ser um meio efetivo para a conscientização do paciente e melhor controle de sua doença. A má adesão à terapêutica em enfermidades crônicas é responsável pelo agravamento da doença e consequentes gastos em novos medicamentos e hospitalizações. A literatura sobre o tema indica que a média de não-adesão ao tratamento medicamentoso, em condições variadas, é de cerca de 50%.10,11 A falta de adesão ao tratamento é considerada um dos maiores problemas no controle inadequado da hipertensão arterial e diabetes mellitus.8 A adesão ao tratamento relatada em estudos realizados em ambulatórios de hospitais universitários no Nordeste varia em torno de 60%: a adesão em pacientes com diabetes mellitus foi de 62%, em pacientes com hipertensão arterial, 62,1%; e em pacientes com doença renal crônica, 61,3%.12-14 Contudo, há menção a uma taxa de adesão de até 36,4% na adoção de medidas de controle não-farmacológicas em pacientes hipertensos.15 O conceito de adesão varia entre diversos autores, mas, de forma geral, é compreendido como a utilização dos medicamentos prescritos, ou de outros procedimentos, em pelo menos 80% de seu total, observando horários, doses, tempo de tratamento.3 No atendimento da clientela do projeto Continuum de extensão foram desenvolvidas ações de prevenção e tratamento dos pacientes hipertensos, diabéticos e nefropatas no seu seguimento ambulatorial pós-internação, ampliando-se suas relações com a equipe. O fato de terem ocorrido consultas frequentes não indicou necessariamente maior gravidade das manifestações e, ao contrário do que admitem gestores dos sistemas de saúde, a utilização elevada não decorreu de uso inadequado,4, 15,16 e sim da necessidade de execução das ações do projeto de extensão. Historicamente, a assistência à saúde do paciente com doença crônica tem sido prestada através de uma série de consultas pouco conectadas, tratando-se o indivíduo como um cliente diferente para cada um de seus provedores de atenção, em diferentes momentos.17 Assumir este conceito requer a garantia da continuidade dos cuidados de saúde em qualquer nível do sistema para o paciente portador dessas condições18, sobretudo no nível terciário de atendimento. A continuidade do cuidado é custo-efetiva e influencia diretamente a adesão terapêutica dos pacientes. A demanda deste grupo por recursos de saúde é intensa, tanto no que se refere à utilização de serviços de saúde quanto no que diz respeito ao uso de medicamentos. Além disso, o risco de efeitos medicamentosos adversos é elevado. O paciente com morbidade múltipla crônica caracteriza-se pela dependência de recursos, técnicos e humanos, mesmo na presença de problemas considerados menores. Por isso, a implementação de um projeto de educação em saúde é fundamental no acompanhamento desses doentes. O processo de educação deve acontecer de forma gradativa, contínua, interativa e adequada, considerando-se as características do educando e através de atendimento individual ou formação de grupos com outros pacientes, na sala de espera; de programação de visitas domiciliares; essas ações favorecem a compreensão da doença crônica pela pessoa acometida, visando ao seu tratamento e controle.2 Nas doenças crônicas cujo tratamento demanda o uso contínuo de medicamentos, para maior eficácia da terapêutica, é de estrita importância haver contato frequente do paciente com a equipe de saúde. Evidentemente, a experiência com grupos de educação para pessoas portadoras de doenças crônicas em um hospital de grande porte associa-se a benefício pela interação com outras pessoas que enfrentam os mesmos problemas, encontrando apoio emocional e economizando tempo e esforço do educador.19 Contudo, é de grande valia a integração de um programa educacional individual, baseado na explicação do que é a doença, como se beneficiar com seu adequado tratamento e auto-manejo, levando em conta as peculiaridades de cada doente. Existem casos em que a dificuldade do paciente deve ser trabalhada de forma intensiva e com a atenção exclusiva da equipe, o que impõe um trabalho individualizado. Além disso, na educação para o autocuidado o paciente deve participar das decisões sobre as necessidades educativas, conteúdo, objetivos a alcançar e métodos utilizados. Por outro lado, nem todos os pacientes se sentem confortáveis em intervenções grupais. Ao analisar as variáveis sociodemográficas, verificou-se que a maioria dos sujeitos era alfabetizada, porém um contingente de 20% não tinha instrução formal. Esse dado é importante para a execução do plano de orientações, em virtude da complexidade das instruções e/ou informações que esses pacientes necessitam obter. A adesão à terapêutica é um fenômeno sujeito à influência de múltiplos fatores que afetam diretamente o paciente. Estes fatores, que podem determinar o comportamento da pessoa em relação às recomendações referentes ao tratamento de sua doença, estão relacionados às condições demográficas e sociais do paciente, à natureza da doença, às características da terapêutica, ao relacionamento do paciente com os profissionais de saúde, assim como a características outras, intrínsecas ao próprio paciente. Admite-se que a necessidade de assistência clínica dobra quando uma pessoa apresenta uma doença crônica.20 A presença de doenças como hipertensão arterial sistêmica, doença renal crônica e diabetes mellitus são as condições mais associadas com a utilização de atendimentos ambulatoriais acima da média, sobretudo para pessoas que foram hospitalizadas no último ano.21 Neste estudo, foram utilizados métodos indiretos de avaliação do grau de adesão ao tratamento medicamentoso. Utilizou-se a entrevista, que é um instrumento de fácil aplicação, tem boa aceitação pelos participantes e apresenta custo reduzido. Porém, na análise dos dados obtidos com a entrevista, devem-se levar em consideração as limitações deste método. A análise de diversos estudos em que se compararam os índices de adesão obtidos por métodos diretos e indiretos, observou-se que o paciente aderente dificilmente informa não-adesão ao tratamento.3 Do mesmo modo, o paciente que se declara não-aderente, provavelmente está contando a verdade. Isto pode ocorrer porque os pacientes indagados sobre o uso de medicamentos apresentam tendência a relatar comportamento de acordo com o esperado. Um dos métodos mais utilizados é a entrevista estruturada, por sua aplicação mais acessível e de menor custo. O maior problema apontado para esse método é a superestimativa da adesão, pois mais uma vez o paciente pode esconder do entrevistador ou do médico a forma como realizou o tratamento na realidade. Essas considerações acerca da fidedignidade dos métodos são reflexos do tipo de abordagem adotado, que não prevê nenhum grau de aproximação com a realidade do paciente e de seu meio e, portanto, não inspira relação de confiança entre paciente e entrevistador, e nem compreensão do conjunto de signos que permeiam a questão do uso de medicamentos. Nesse sentido, o uso do modelo de continuidade de cuidados é custo-efetivo em relação à obtenção da adesão do paciente, à fidedignidade das informações e à melhora a prestação de serviços, aumentando sua eficiência e proporcionando a redução do agravamento das doenças e de reinternações hospitalares.4
Além disso, no acompanhamento ambulatorial após a alta hospitalar, podem ser identificadas necessidades médicas, psicossociais e de reabilitação do paciente ao longo do “continuum” internação-cuidado domiciliar, sobretudo no caso de pacientes com doenças crônicas, implicando na necessidade de compreensão do curso dos cuidados para cada doença específica. Nesse contexto, o doente e os seus familiares podem saber quais são os objetivos da terapêutica, o esquema posológico e quais os cuidados especiais que devem ser seguidos. Tanto a informação verbal feita pelo médico quanto à escrita são importantes e complementares na educação do paciente. A informação verbal fornecida pelo médico é frequentemente insuficiente, tendo em vista que o paciente pode priorizar as informações recebidas sobre a doença e o diagnóstico, prestando menor atenção às informações sobre o medicamento prescrito. Além disso, o paciente pode não compreender a informação verbal, não aceitá-la, ou mesmo esquecer parte dela após a consulta. O fornecimento de informações escritas, tais como folhetos explicativos, é um meio efetivo de apoio às orientações verbais transmitidas ao paciente sobre os medicamentos. Esse aspecto ainda não foi implementado no presente projeto, mas deve passar a ser praticado em virtude de sua importância para a adesão. Um dos enfoques adotados neste trabalho foi também o emprego de orientação sistemática aos pacientes atendidos sobre sua doença e cuidados que deveriam ter para o seu controle adequado. Buscou-se a cada visita do paciente ao ambulatório, fornecer, de forma periódica, a informação e comunicação sobre sua doença crônica, com o objetivo de tentar mudar seu comportamento, o que representa um objetivo difícil de ser alcançado. Empregando o processo educativo, durante as consultas, os estudantes extensionistas de graduação em Medicina empregaram técnica de Educação em Saúde preconizada por Green e Kreuter no ambiente clínico.6
Trata-se de um recurso intermediado pelos profissionais de saúde, atingindo a vida cotidiana das pessoas através de um processo de combinações de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde.22-25 Estudo realizado anteriormente no HULW/UFPB, verificou-se que os conhecimentos dos pacientes hospitalizados sobre seu tratamento são insuficientes.26 Por isso, a adoção de uma rotina de informações ao paciente atendido deve ser feita de forma sistemática, ensinando-o como conviver com sua doença crônica. No acompanhamento longitudinal do paciente com doenças crônicas, forma-se um vínculo e a construção do projeto terapêutico, possibilitando maior adesão ao tratamento. Como implicação prática dessa questão também para o ensino médico, considera-se que os estudantes de Medicina deveriam cursar módulos didáticos relacionados a “Comunicação em Saúde” e de “Cronicidade e Cuidados de Saúde” no seu currículo. REFERÊNCIAS 1- Canabarro IM, Hahn S. Panorama da assistência farmacêutica na saúde da família em município do interior do estado do Rio Grande do Sul. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 18 (4): 345-355, 2009. 2- Dewulf NLS. et al. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes com doenças gastrintestinais crônicas acompanhados no ambulatório de um hospital universitário. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas. 42 (4): 575-584, 2006. 3- Leite SM, Vasconcellos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciência & Saúde Coletiva, 8 (3): 775-782, 2003. 4- Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública, 2004. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000800014&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 27 jan 2011.
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