12 de fevereiro de 2011

Diarreia Crônica no Adulto

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
Diarreia crônica é o aumento no número de evacuações diárias ou alteração na consistência das fezes, ou ambos, há mais de 30 dias. Manifesta-se como aumento de massa (ou volume) de fezes em mais de 200g (ou mL) por dia em pessoas com dieta ocidental. As principais causas de diarreia crônica são síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal, infecções, desordens endócrinas, intolerância e alergia alimentar e medicamentos. Uma classificação importante é baseada no mecanismo provocador da diarreia, podendo esta ser osmótica, secretória, disabsortiva, invasiva e funcional. Na anamnese do paciente, é necessário investigar as características do início da diarreia, se contínua ou intermitente, a duração, fatores epidemiológicos, características das fezes (aquosas, sanguinolentas, gordurosas), incontinência fecal, dor abdominal associada e suas características, perda de peso, fatores agravantes, fatores de melhora, medicamentos usados, resultados de exames já realizados, doença sistêmica. Ao exame físico, avaliar a presença de desidratação e desnutrição, eritemas, úlceras orais, nódulos na tireoide, sibilos pulmonares, artrite, ruídos cardíacos, hepatomegalia, massa abdominal, ascite, edemas e exame anorretal. A abordagem diagnóstica complementar está sempre indicada, a não ser que o diagnóstico seja óbvio.
Palavras-chaves: Diarréia; Classificação; Sinais e Sintomas. A diarreia é um sinal e um sintoma. Como sintoma, é referida pelo paciente como queixa de aumento no número de evacuações diárias ou alteração na consistência das fezes, ou ambos, há mais de 30 dias. Como sinal, manifesta-se como aumento de massa (ou volume) de fezes em mais de 200g (ou mL) por dia em pessoas com dieta ocidental (BINDER,2006). A diarreia pode ser classificada de diversas maneiras. Uma das classificações refere-se à duração do quadro. A distinção entre fenômenos agudos e crônicos é dada exclusivamente pelo tempo: será considerada diarréia crônica quando o quadro perdurar por mais de 30 dias.
As causas de diarreia crônica são principalmente as seguintes (LAMONT,2010): 1. Síndrome do intestino irritável (SII); 2. Doença inflamatória intestinal (DII); 3. Infecções; 4. Desordens endócrinas; 5. Intolerância e alergia alimentar; 6. Medicamentos. Uma classificação importante e bastante útil é baseada no mecanismo provocador da diarreia, podendo esta ser osmótica, secretória, disabsortiva, invasiva (ou inflamatória) e funcional.
1. Osmótica: causada pela presença de solutos não absorvidos na luz intestinal; tais solutos, por permanecerem no lúmen intestinal, impedem a absorção do líquido; deve ser suspeitada quando os sintomas desaparecem no estado de jejum e reaparecem após a alimentação ou ingestão de determinado alimento; são principais causas: intolerância à lactose, uso de laxativos, ingestão de grande quantidade de sorbitol (presente em doces e gomas de mascar) e uso de lactulose ou manitol oral. 2. Secretória: causada por substâncias que estimulam a secreção de cloreto (e consequentemente de sódio e água) pelos enterócitos; um exemplo de tal processo é a Síndrome Colérica Pancreática causada pelo VIPoma, onde tal tumor das ilhotas pancreáticas secreta excessivamente o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), agindo de maneira semelhante à toxina colérica ao aumentar o AMPc intracelular. 3. Disabsortiva: característica das síndromes disabsortivas; o mecanismo é decorrente de má absorção de carboidratos e de ácidos graxos. Estes pacientes evoluem com perda ponderal e com deficiências específicas de nutrientes, especialmente ferro, ácido fólico, vitaminas B12, D e K; as fezes são oleosas, grudam ou bóiam no vaso e são mal cheirosas. A esteatorréia é confirmada por métodos quantitativos e qualitativos. 4. Invasiva ou inflamatória: ocorrem por lesões inflamatórias ou infecciosas que acometem o delgado ou cólon, inibindo a absorção e estimulando a secreção; estes pacientes podem apresentar febre, dor abdominal, perda ponderal, e algumas vezes, muco e sangue; causas comuns são amebíase e outras parasitoses, DII, alergia ao leite de vaca, e diversas causas de enterite e colite. 5. Funcional: o protótipo deste tipo de diarréia é a síndrome do intestino irritável; os pacientes costumam apresentar redução de consistência das fezes e aumento da frequência de evacuação diária; não ocorre no período noturno; a maioria alterna diarréia e constipação e frequentes são os episódios de cólica abdominal; pode ser considerada “pseudodiarreia” pois não atinge os 200g para caracterizá-la.
Na história do paciente com diarreia, é necessário que se investiguem os seguintes aspectos (DANTAS, 2004): 1. As características do início da diarreia (início abrupto ou gradual); 2. O curso da diarreia (contínua ou intermitente); 3. Duração do sintoma/sinal; 4. Fatores epidemiológicos, como viagens antes do início da diarreia; 5. Características das fezes: aquosas, sanguinolentas, piosanguinolentas, mucoides ou gordurosas, com ou sem restos alimentares; 6. Presença ou ausência de incontinência fecal; 7. Presença ou ausência de dor abdominal associada e suas características; 8. Perda de peso; 9. Fatores agravantes, como alimentação ou estresse; 10. Fatores de melhora, como alterações na alimentação; 11. Medicamentos usados; 12. Resultados de exames já realizados; l3. Fatores iatrogênicos (história pregressa de ingestão de medicações, radioterapia e cirurgias); 14. Presença de doença sistêmica (hipertireoidismo, diabetes mellitus, doenças do colágeno, doenças inflamatórias, neoplasias ou síndrome da imunodeficiência adquirida). Diarreia crônica é problema comum em doentes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Nas fases iniciais da imunodeficiência os agentes são os mesmos da população soronegativa; entretanto, com a piora da imunodeficiência, o sintoma é causado por agentes oportunistas (MANZIONE et al., 2003). A diarreia crônica do paciente com AIDS é multifatorial e parece estar associada à má-absorção de nutrientes, infecções oportunistas, efeito osmótico dos antiretrovirais, alteração das vilosidades, defeito na maturação dos enterócitos e desnutrição. O tecido linfóide intestinal pode estar atingido pela ação direta do vírus HIV, ocasionando a enteropatia do HIV, com atrofia das vilosidades e infiltração linfática no jejuno, reduzindo a capacidade absortiva. A desnutrição energéticoprotéica, comumente observada na AIDS, pode reduzir a atividade enzimática do pâncreas e alterar a permeabilidade intestinal, contribuindo para o quadro de má-absorção (SILVA et al., 2007). É importante considerar também, uma vez afastadas outras causas, a possibilidade de diarréia factícia, provocada pela ingestão de laxantes, deve ser considerada em todo paciente com o sintoma. Ela está, geralmente, associada a desordens na alimentação, ganhos secundários ou antecedentes de simulação de doença (DANTAS, 2004). Nas informações a serem obtidas do paciente com diarreia, não podem ser esquecidas aquelas referentes à duração, o que define se é aguda ou crônica, o seu padrão, que orienta quanto à localização da causa, o comprometimento sistêmico associado à diarreia, a presença de sangue nas fezes, que pode vir misturado com as mesmas, vir após a evacuação ou mesmo haver evacuação unicamente de sangue, a existência de esteatorréia, restos alimentares nas fezes, o hábito intestinal noturno e sintomas de comprometimento de outros órgãos, como dor articular e lesões cutâneas. O exame físico deve ser completo, para que se conheça a repercussão da diarreia. Os achados do exame físico também pode sugerir o diagnóstico, embora isso nãos eja frequente. O mais importante, no exame físico, é caracterizar a desidratação e a desnutrição, se estiverem presentes. Outros dados importantes são eritemas, úlceras na boca, nódulos na tireóide, sibilos na ausculta pulmonar, artrite, ruídos cardíacos, hepatomegalia, massa abdominal, ascite, edemas e o exame anorretal. A abordagem diagnóstica complementar está sempre indicada, a não ser que o diagnóstico seja óbvio. Devem ser solicitados, além de hemograma e bioquímica, um exame de fezes completo, com parasitológicos, pesquisa de leucócitos, sangue oculto e gorduras fecais.
A dosagem de eletrólitos fecais e a determinação do pH fecal podem ser úteis. Coproculturas são realizada, e nos imunodeprimidos é fundamental a pesquisa de agentes oportunistas (DPD-CDC, 2010).
Uma retossigmoidoscopia ou colonoscopia é a melhor opção para pacientes com DII. O trânsito de delgado e a biópsia ou aspirado duodenal podem ser de grande valia (diagnóstico de giardíase e de estrongiloidíase).
A biópsia duodenojejunal é feita vai endoscopia digestiva alta (EDA) e está indicada na avaliação da síndrome disabsortiva ou na suspeita de doença celíaca. A síndrome do intestino irritável é diagnóstico de exclusão, via critérios clínicos. Mesmo após exaustivos exames não se encontra a causa, é dita de origem indeterminada (DANI,1993).
Fazem parte do rol de exames a serem solicitados na busca da causa da diarreia crônica: 1. Hemograma; 2. Ionograma; 3. Proteínas totais e frações; 4. Transferrina, ferritina e ferro sérico; 5. Triglicerídeos e colesterol; 6. Cálcio, fósforo, zinco; 7. Exame parasitológico de fezes; 8. Pesquisa de sangue oculto nas fezes; 9. VHS/PCR; 10. pH fecal; 11. Eletroforese de proteína; 12. pANCA/ASCA; 13. Colonoscopia e biópsia; 14. Clinetest; 15. Sangue oculto e leucócitos; 16. ELISA fecal - Ag específicos para giárdia; 17. D-xilose; 18. Teste do H2 expirado; 19. Teste de sobrecarga de açúcares (curva de tolerância à lactose); 20. Dosagem de gordura nas fezes: método de Van de Kamer (quantitativo), Sudan II (qualitativo) e esteatócrito (semiquantitativo); 21. Pesquisa de alfa-1-antitripsina e alfa-1-globulina; 22. Dosagem de Cl e Na no suor: iontoforese com pilocarpina; 23. Sorologia para doença celíaca e doenças imunes; 24. Radiologia: Rx simples de abdomen (dilatação de alças, níveis líquidos), Rx contrastado com bário, EDA ou colonoscopia com biópsia (diagnóstico). Referências
BINDER, H. J. Causes of Chronic Diarrhea. N Engl J Med, 355 (3): 236-239, 2006. DANI R., CASTRO L.P. Gastroenterologia Clínica. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. DANTAS, R. O. Diarréia e constipação intestinal. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 262-266, 2004. CENTER OF DISEASE CONTROL (CDC). Center od Parasitic Disease. Chronic Diarrhea: Fact Sheet. In: DPD-CDC. Disponível em: http://www.cdc.gov/ncidod/dpd/parasites/diarrhea/factsht_chronic_diarrhea.htm . Acesso em 26 out. 2010. LAMONT, J.T. Patient information: Chronic diarrhea in adults. In: UPTODATE. Última revisão em Maio, 2010. Disponível em: http://www.uptodate.com/patients/content/topic.do?topicKey=~fFlf3hs2rpzs_9. Acesso em 26 out. 2010.
MANZIONE CR; NADAL SR; CALORE EE; MANZIONE TS. Achados Colonoscópicos e Histológicos em Doentes HIV+ com Diarréia Crônica. Rev bras Coloproct, 23(4): 256-261, 2003. SILVA, P. R.; BURGOS, M. G. P. A.; DIAS, C. A. et al. Terapia nutricional na diarréia crônica refratária associada à síndrome consumptiva em paciente HIV positivo: relato de caso. An. Fac. Med. Univ. Fed. Pernamb., Recife, 52 (2): 158-160, 2007.