5 de fevereiro de 2011

Ciclotimia

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

Ciclotimia é um traço afetivo (ou do humor) que se caracteriza por oscilações entre extremos depressivos e eufóricos, mas não de forma suficientemente grave para que se faça um diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar. A ciclotimia assemelha-se a este transtorno, porém cursa com sintomas mais brandos e de apresentação mais arrastada. Há distinção entre os sistemas classificatórios vigentes: conforme o DSM-IV, a ciclotimia está incluída na seção de transtornos bipolares, enquanto na CID-10, o quadro é descrito como humor instável, não preenchendo os critérios para transtorno afetivo bipolar nem para transtorno depressivo recorrente. O diagnóstico de ciclotimia é muitas vezes retardado, pois os sintomas são comumente negligenciados devido a sua periodicidade e pouca intensidade. O tratamento precoce é fundamental para manutenção da boa qualidade de vida dos pacientes.

Palavras-chave: Transtorno Bipolar. Afeto. Depressão. Ciclotimia, Humor Ciclotímico ou Personalidade Ciclóide é um tipo de característica afetiva, ou seja, um traço afetivo (ou do humor) que se caracteriza por oscilações entre extremos depressivos e eufóricos, mas não suficientemente grave para que se faça um diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar. Além disso, trata-se de um quadro mais insidioso, tanto que para o diagnóstico de ciclotimia o paciente deve estar apresentando sintomas a pelo menos dois anos, diferentemente do transtorno afetivo bipolar e da depressão maior, quando é requerido apenas um mês (ao mínimo) de sintomas. É preciso salientar que todo ser humano apresenta flutuações do afeto em resposta a situações em seu cotidiano, e sentimentos de tristeza, frustração e desânimo são frequentes como resposta aos acontecimentos da vida. Assim, as pessoas costumam, normalmente, experimentar uma grande variedade de sentimentos e um vasto repertório de expressões afetivas. Como afirma Del Porto (1992),
Os sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que, através do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda.
Por outro lado, quando se fala em personalidade ciclóide e que a ciclotimia é um traço afetivo, ressalta-se que há diferenças entre temperamento e personalidade, tais como: (1) o temperamento é biologicamente determinado, e a personalidade é um produto do ambiente social; e (2) os traços temperamentais podem ser identificados desde cedo na criança, e a personalidade é compartilhada em períodos posteriores do desenvolvimento (ITO; GUZZO, 2002). A personalidade pode ser definida como um padrão complexo de comportamento composto por traços ou perfis. Os traços são disposições ou tendências (condições estáveis) para agir de uma certa maneira.

Já em 1921, Ernest Kretschmer descreveu o temperamento ciclóide. Os indivíduos “ciclóides” teriam uma vida afetiva marcada por uma sobreposição ou oscilação entre a hipomania (comportamento explosivo) e a melancolia (comportamento meditabundo, profundamente triste) (BEDANI, 2008). Mas os conceitos de transtornos de humor e de personalidade sofreram diversas mudanças nas últimas décadas. Conforme Campos et al. (2010),

Historicamente, esses conceitos foram construídos em paralelo, isto é, transtornos de humor e personalidade são considerados como transtornos independentes em relação ao diagnóstico, ao prognóstico e ao tratamento. Recentemente, entretanto, novas propostas na conceituação nosológica desses transtornos levantaram a questão de uma possível sobreposição dessas entidades, tornando o diagnóstico diferencial entre esses transtornos muitas vezes difícil.

Ainda segundo Campos et al. (2010), até a década de 1970, prevalecia a concepção de ciclotimia como temperamento, e estudos tentaram incluir essa entidade como um transtorno afetivo, o que seria consolidado no DSM-III e, posteriormente, na CID-10 e no DSM-IV. Há distinção entre os sistemas classificatórios vigentes: conforme o DSM-IV, a distimia está incluída na seção de transtornos bipolares, enquanto na CID-10, é descrita como humor instável marcado por períodos de depressão e elação leve, não preenchendo os critérios para transtorno afetivo bipolar nem para transtorno depressivo recorrente (PEREIRA; AMARAL, 2004). Assim, para a CID-10, ciclotimia não é um transtorno afetivo bipolar. Por outro lado, os transtornos do humor são perturbações no estado de humor do indivíduo, o qual é definido como o estado emocional interior do indivíduo. Segundo Kaplan e Sadock (1990), “o humor pode ser normal, exaltado ou deprimido”.
Pacientes com humor exaltado demonstram expansividade, fugas de idéias, sono diminuído, auto-estima elevada e idéias de grandeza, configurando quadros de mania ou hipomania. Pacientes com humor deprimido demonstram perda de energia e de interesse, sentimentos de culpa, dificuldade de concentração, pensamentos de morte e suicídio, alterações no nível de atividades como a capacidade cognitiva, fala e funções vegetativas, sono, apetite, atividade sexual e outros ritmos biológicos (Ibid). O transtorno afetivo bipolar seria, portanto, a forma mais grave, e mais conhecida, de bipolaridade. A parcela dos pacientes "bipolares" que não preenche os critérios diagnósticos para o transtorno afetivo bipolar, encaixa-se em uma forma menos grave e mais arrastada de bipolaridade, que é, então, a ciclotimia. O diagnóstico e o tratamento geralmente são feitos por médicos psiquiatras, mas o clínico generalista pode levantar a suspeita diagnóstica e encaminhar devidamente seu paciente. O diagnóstico é essencialmente clínico, não havendo exames complementares úteis ao diagnóstico. Referências AMARAL, G. F. Distimia. Do mau humor ao mal do humor: diagnóstico e tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 32, n. 3, 2010. ASSOCIAÇÂO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Disordens Psiquiátricas. 4 ed. (DSM IV) Washington, DC: Associação Americana de Psiquiatria, 1994. BEDANI, A. Breve História dos Fronteiriços. 2008. Disponível em: http://www.org2.com.br/histborders.htm. Acesso em: 05 fev. 2011. CAMPOS, R. N.; CAMPOS, J. O.; SANCHES, M. A evolução histórica dos conceitos de transtorno de humor e transtorno de personalidade: problemas no diagnóstico diferencial. Rev. psiquiatr. clín. 37 (4): 162-166, 2010. DEL PORTO, J. A. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr. 21 (Suppl 1): 06-11, 1992 . ITO, P. C. P.; GUZZO, R. S. L. Diferenças individuais: temperamento e personalidade; importância da teoria. Estud. psicol. (Campinas), 19 (1): 91-100, 2002. KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J., eds. Kaplan & Sadock’s comprehensive textbook of psychiatry. 8th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2005. PEREIRA, D. A. P.; AMARAL, V. L. A. R. Escala de avaliação de depressão para crianças: um estudo de validação. Estud. psicol. (Campinas) 21 (1): 5-23, 2004. Imagem: historiasparacuidardoser.blogspot.com